O estudo da História pode trazer inspirações valiosas para lidarmos com grandes problemas atuais da humanidade. Essa é a proposta do livro “História para o amanhã” (Record, 2024), do filósofo Roman Krznaric.
O livro é dividido em dez capítulos, cada um deles tratando de alguma grande questão contemporânea, da necessidade de substituição dos combustíveis fósseis até os dilemas éticos da engenharia genética, passando pela ameaça do descontrole da inteligência artificial.
Para cada problema atual, Krznaric recorre a experiências do passado, algumas de séculos atrás, na tentativa de pensar em soluções. Por exemplo: para controlar o consumismo desenfreado que ameaça o futuro do planeta Terra, ele lembra de como a cidade japonesa de Tóquio lidou com a escassez de recursos em seu período pré-industrial. O fenômeno das redes sociais é comparado com a chegada da prensa de Gutenberg. A resistência da indústria petrolífera em reduzir sua produção se assemelha àquela dos escravocratas contra a abolição da escravidão nas colônias britânicas no século 19.
No capítulo dedicado à inteligência artificial, Krznaric aborda o risco de essa tecnologia permanecer nas mãos de poucas empresas privadas, cujo objetivo principal é o lucro de seus acionistas. Dado o potencial da IA, deixar sua evolução a cargo de poucos pode ser perigoso para a humanidade.
O filósofo propõe como saída o fomento ao cooperativismo para o desenvolvimento da IA. Ele sugere como inspiração a região de Emília-Romagna, na Bolonha, Itália, cuja economia é repleta de cooperativas nas áreas mais diversas: mais de 30% do seu PIB e de sua força de trabalho estão em negócios cooperados, de supermercados a bancos, passando por empresas de alta tecnologia. Até a universidade de Bolonha foi fundada por estudantes em um regime de cooperativa em 1088.
O cooperativismo em Emília-Romagna remonta à Idade Média, quando seus mercadores e artesãos formaram um governo comunal e autônomo que lutou para ser independente de papas e príncipes. Paralelamente, seus trabalhadores “se organizaram em guildas cujos membros faziam juramentos de assistência mútua”. Hoje há mais de 4 mil negócios cooperados em Emília-Romagna, e a região apresenta algumas das melhores taxas de desemprego e de PIB per capita da Europa.
Por trás do cooperativismo está o conceito de “posse distribuída”. Na opinião de Krznaric, uma cooperativa tem mais chance de tomar decisões em favor do interesse público e do bem coletivo, do que uma empresa que vise meramente o lucro. Ele reconhece que não seria fácil implementar cooperativas em IA, mas acredita que isso possa ser possível se contar com apoio financeiro e regulatório dos governos. A questão é se há interesse político dos governantes para trilhar esse caminho: a maioria parece mais disposta e fomentar o surgimento de novos unicórnios dentro de suas fronteiras, para pagarem impostos e exportarem serviços, independentemente dos valores éticos por trás de suas tecnologias.