A Apple demonstrou preocupação com a recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que derrubou uma liminar que permitia à empresa atuar com a App Store em regime fechado no Brasil. A empresa tem 90 dias para abrir seu ecossistema móvel após pedido feito pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) à Justiça.

Em resposta por meio de nota a Mobile Time nesta sexta-feira, 7, a companhia afirmou que acredita que “as medidas provisórias propostas pelo Cade possam prejudicar a privacidade e a segurança de nossos usuários e pretendemos apelar da decisão”.

“A Apple acredita em mercados vibrantes e competitivos onde a inovação possa florescer. Enfrentamos concorrência em todos os segmentos e jurisdições onde operamos, e nosso foco é sempre a confiança de nossos usuários”, completa a fabricante em trecho do comunicado.

Cade x Apple

A ação do Cade visava derrubar uma liminar que garantia à Apple manter a exclusividade na distribuição de aplicativos e do meio de pagamento na App Store. A Apple recebeu esta liminar após o regulador impor uma medida preventiva que permitia abrir o ecossistema do iOS para desenvolvedores alcançarem marketplaces e meios de pagamentos alternativos à sua loja de aplicativos. Caso a companhia não cumpra a medida preventiva levaria multa diária de R$ 250 mil.

Contudo, o desembargador Pablo Zuniaga decidiu na última quarta-feira, 6, que a ótica de domínio de mercado não pode se restringir ao número absoluto de dispositivos, mas à estrutura de controle da plataforma. Em sua defesa, a Apple dizia que tinha menos de 20% do mercado móvel no país, sendo que os outros 80% são Android.  O magistrado também afirmou que a “ausência de alternativas de distribuição de aplicativos e sistemas de pagamento no ecossistema iOS gera efeitos imediatos” sobre os desenvolvedores.

“A estrutura fechada do iOS e as limitações impostas à comercialização de aplicativos por terceiros são justamente os fatores que justificam a atuação preventiva da autoridade antitruste, pois mantê-los sem qualquer intervenção pode comprometer a entrada de novos concorrentes e inviabilizar a recuperação da concorrência no setor”, determinou em sua decisão.

Zuniaga citou outras decisões similares como as da Coreia do Sul, do Japão e da Alemanha em que a Apple precisou se adaptar e abrir o mercado, assim como o Ato de Mercados Digitais (DMA) da Europa. Com isso, Zuniaga impôs três meses para a Apple ficar em acordo com os pedidos do regulador de defesa de mercado.

“Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de efeito suspensivo para restabelecer a vigência da medida preventiva aplicada às agravadas pelo CADE, fixando, entretanto, o prazo de 90 (noventa) dias para que sejam implementadas as providências determinadas no item “2” do despacho de instauração no 24/2024, proferido pela Superintendência Geral do CADE em 25/11/2024”, completou o magistrado.

Procurado, o Cade não respondeu até a publicação desta reportagem para explicar como se dará o enforcement da medida provisória.

Entenda o caso da Apple

A decisão do TRF-1 é mais um capítulo na disputa da Apple contra o regulador brasileiro. Em novembro de 2024, o Cade entrou com um processo administrativo contra a Apple por condutas anticoncorrenciais relacionadas à distribuição de aplicativos e ao sistema de cobrança da App Store, após queixa feita por Mercado Livre.

Como medida preventiva, a Superintendência-Geral do órgão impôs uma série de regras para a Apple cumprir em até 20 dias ou pagaria a multa diária de R$ 250 mil. Entre as normas requisitadas estavam:

  • Informar a seus usuários sobre outras formas de pagamento;
  • Distribuir seus aplicativos nativos para o sistema iOS por meio de outras lojas para além da App Store;
  • Permitir que desenvolvedores contratem os serviços de distribuição de tal loja de aplicativos sem a necessidade de contratarem simultaneamente o sistema IAP da Apple, ainda que em tais aplicativos haja a comercialização de bens e serviços digitais.

A Apple entrou com o pedido de liminar no final de dezembro. A manifestação da Justiça que permitiu à empresa não cumprir a determinação veio no último dia 24 de fevereiro.

Antes disso, em 19 de fevereiro, Apple e Google passaram pelo escrutínio de uma audiência pública na sede do Cade para avaliar o poder de controle das duas empresas no mercado móvel brasileiro.

‘Efeito Bruxelas’

Em conversa recente com esta publicação, uma fonte familiar ao ecossistema do iOS resumiu a ação do Cade contra a Apple como “Efeito Bruxelas”. Ou seja, os reguladores brasileiros se sentiram “forçados” a agir diante das mudanças que a Europa fez no mercado digital com o DMA. Na visão do executivo ouvido, o Brasil precisa ter um projeto de lei que debata o tema, algo que as avaliações não podem ser baseadas na regulação da Europa ou da Coreia do Sul, mas respeitando as dinâmicas do mercado brasileiro.

O especialista explicou que, em sua visão, a ação do Cade “é apressada” e apresenta risco em três partes:

  1. Sideloading (instalação de apps em um dispositivo a partir de fontes externas à loja de aplicativos oficial) com possíveis fraudes de segurança dos downloads de apps fora da App Store e acesso a aplicativos que ameaçam o ecossistema da loja, como aqueles pornográficos, de torrents e apps que causam danos aos celulares – algo que, segundo a fonte, começa a acontecer na Europa;
  2. Redução à inovação e da possibilidade de desenvolvedores de apps criarem aplicativos e fazerem parte de um ecossistema saudável e seguro, além de participarem de um mercado global, uma vez que mais de 40% da receita dos apps brasileiros da App Store são do exterior.
  3. Risco às compras in-app com a entrada de meios alternativos de pagamentos e possível aumento de fraudes bancárias, algo que a Apple combateu e evitou o valor de US$ 7 bilhões em tentativas de fraude em 2023;

“Basta uma ação ruim, um ator malicioso para causar um prejuízo e a Apple perder a confiança do usuário com relação ao ecossistema que construíram nos últimos 15 anos”, disse a fonte.

A fonte ouvida reforçou que uma regulação contra a Apple não beneficiaria o usuário brasileiro, mas os grandes rivais (Meta e Google) e esses players não podem reescrever as regras do jogo. Ela espera ainda que uma eventual regulação não force uma renegociação entre a Apple e os grandes players de pagamento de uma porcentagem menor de revenue share. Atualmente, elas pagam mais do que pequenos desenvolvedores, mas, com uma possível renegociação, essas grandes empresas poderiam pagar menos.

Lembra ainda que 90% dos desenvolvedores não pagam nada de revenue share (repasse da receita de vendas) à Apple.

Por isso, o especialista entende que o processo será de contínuo engajamento e explicação do ecossistema da Apple para os reguladores brasileiros.

Imagem principal: Ilustração produzida por Mobile Time com IA

 

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