Os Conselheiros do Cade decidiram avocar ao Tribunal Administrativo a análise da interferência do Google na busca por conteúdo, levando em conta o uso de snippet, que é a prévia de determinada resposta presente nos sites, mas que o mecanismo de busca mostra aos usuários sem que eles precisem clicar em qualquer link. A decisão foi publicada nesta segunda-feira, 14, no Diário Oficial da União.
A medida ocorre após a Superintendência-Geral arquivar, no ano passado, o inquérito administrativo que buscava verificar se há abuso de posição dominante por parte do Google, por mostrar conteúdo de determinados sites fora deles. A ANJ (Associação Nacional de Jornais) recorreu contra o arquivamento, ainda no ano passado, alegando que a big tech estaria obtendo uma monetização indireta com o conteúdo de terceiros, sem remunerar os autores.
O recurso foi negado pela Superintendência. No entanto, a conselheira Camila Cabral Pires Alves sugeriu a possibilidade de levar o caso ao tribunal do Cade e a medida foi aprovada na última semana.
“[…] trata-se de discussão de matéria complexa, envolvendo mercados dinâmicos, que demanda uma análise detida pelo Cade. Assim, entendo relevante uma manifestação do Tribunal Administrativo sobre o caso ora em discussão favorecendo uma construção jurisprudencial que desenvolva, de maneira técnica, sensibilidade para as especificidades desses casos”, afirmou no despacho.
Na análise, Alves chama atenção para o debate em outros países sobre o mesmo tema, incluindo a ótica de direitos autorais ou questões concorrenciais.
“Na Bélgica, Alemanha, Espanha, França e Austrália, as autoridades locais analisaram aspectos relacionados à atuação do Google, levando a diferentes desfechos, incluindo acordos e ajustes legislativos. Essas discussões refletem preocupações com o mercado digital e com o equilíbrio entre os interesses das plataformas e dos editores de conteúdo”, disse.
Divergência
A análise da superintendência ocorreu após extensa nota técnica formulada pelo Departamento de Estudos Econômicos, que incluiu um questionário com empresas de mídia. O resultado refletiu divergência sobre o tema. A maioria dos participantes indicou que o uso de snippets possui efeitos positivos sobre seu volume de tráfego.
O Google também foi ouvido e apresentou uma pesquisa (Consumer Survey) “que indicou que a maioria dos usuários consideravam que, sem a exibição de snippets, seria menos provável que eles clicassem em um resultado específico da notícia”.
Outro grupo, no entanto, entende que há falta de transparência para obter uma amostragem segura dos resultados desse mecanismo de busca no comportamento dos leitores.
Por fim, o departamento sintetizou duas principais teorias de dano provocado pelo Google: a conduta exploratória, que estaria veiculada à exibição de conteúdo jornalístico sem qualquer compensação financeira; e a conduta exclusionária, ligada à alavancagem dos ecossistemas Google por meio de conteúdo produzido pelos jornais, concentrando o tráfego sem redirecionamento.
A partir disso, a conclusão da área técnica foi a de que em nenhuma das hipóteses caberia ação do Cade. ” […] não é papel do antitruste defender o status quo, mas a concorrência […] É também a de incentivar esse movimento inovador”, consta nas considerações destacadas pela conselheira.
É a partir deste ponto que Alves entende que há complexidade no tema. “A tarefa do Tribunal Administrativo, nesse contexto, envolve a progressiva edificação de critérios que ofereçam maior precisão e previsibilidade à interpretação da legislação concorrencial e para o refinamento da política de enforcement de forma a dar sinalizações nesses novos ambientes aos agentes econômicos e para que se promova um ambiente concorrencial equilibrado, sobretudo em setores de alta relevância estratégica como o digital”.
Imagem principal: ilustração gerada com IA pelo Mobile Time.