A Anatel concluiu na última semana a Tomada de Subsídios sobre o novo ciclo de revogação de normativos, a Guilhotina Regulatória. Para além das regras que estariam meramente obsoletas, o questionário disponibilizado pela agência buscou identificar dispositivos que poderiam ser revistos por impactarem a competição. No âmbito da rede móvel, empresas defenderam mudanças relacionadas ao uso de espectro e as condições de operação das MVNOs.
A Tomada de Subsídios foi realizada entre 28 de fevereiro até a última terça-feira, 22. A Anatel listou 31 normativos em específico como alvo de questionário, mas também abriu a oportunidade dos participantes indicarem outros temas em um espaço livre para indicações e outro com foco em desonerações para Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs).
No campo livre de manifestações, a Abrint apresentou reivindicações para a norma aplicável aos contratos de MVNOs, o Regulamento sobre Exploração de Serviço Móvel Pessoal (SMP) por meio de Rede Virtual (RRV-SMP), que não estava entre as sugeridas pela Agência. A intenção é de possibilitar maior segurança jurídica aos contratos. A associação ressalta que, embora o regulamento atual preveja vínculos diretos entre MVNO e tele de origem, as relações entre elas “têm uma natureza complexa, com fluxos contratuais diversos e parcerias comerciais não antevistas há 15 anos, quando foi aprovado o referido Regulamento”.
A entidade defende que a Anatel deve revisar o regulamento no sentido de “buscar acolher diferentes modelos comerciais de atuação nos serviços móveis, além de estabelecer estímulos a esse mercado”. A ideia é que essa seja uma medida complementar à revisão do PGMC, que passa a incluir as redes virtuais no rol de mercados relevantes, conforme a minuta em discussão.
Dados evidenciados pela entidade apontam que as MVNOs encerraram o ano de 2024 com mais de 7 milhões de acessos. Apesar de se tratar de 2,5% do total das redes móveis no país, ressalta que há um crescimento médio acumulado de 44% ao ano desde 2020.
Para a Abrint, vale observar que “aproximadamente 90% desses acessos vêm ocorrendo por meio de credenciados”, que “constroem modelos de negócios flexíveis”.
Nesse sentido, “há tanto contratos diretos entre credenciados e prestadoras de origem, quanto contratos entre credenciados e autorizadas de rede virtual, bem como contratos mútuos entre diferentes credenciados e contratos entre credenciados e outras prestadoras”, exemplifica.
“Em que pese essa multiplicidade de arranjos comerciais não viole propriamente o Regulamento, a rigidez de certos conceitos nele previstos pode ser fonte de insegurança jurídica para alguns tipos de parceria. Nesse sentido, entende-se relevante que a Anatel revise e atualize o atual texto do RRV-SMP para que as MVNOs continuem a crescer no Brasil, atinjam patamares de participação de mercado comparáveis aos que são observados internacionalmente e contribuam para o aumento da competição no mercado móvel”, concluiu a associação.
Modelo de remuneração
O tema das MVNOs também foi levantado pela Vivo no campo de indicação livre de demandas à Guilhotina Regulatória. A operadora sugeriu a revogação do regime de Bill & Keep parcial na oferta de interconexão no relacionamento com prestadoras móveis não pertencentes a Grupo com PMS, previsto no PGMC, que limita a remuneração pelo uso da rede. A regra detalhada na norma (artigo 41) estabelece que o repasse se dá quando o tráfego supera determinados limites, que foram reduzidos progressivamente, ficando em 50% desde 2018.
À época da adoção, a Anatel entendeu que a medida foi necessária para possibilitar planos mais vantajosos aos usuários e promover uma “redução legítima e justificada de vantagens competitivas dos Grupos com PMS em face de prestadoras sem PMS”.
A Vivo, por sua vez, alega que há casos em que as prestadoras móveis sem PMS “focam suas atividades de vendas em call centers e fazem uso de números de originação (número de “A”) móveis com o intuito de, amparados pelo regime de Bill&Keep parcial, reduzir custos com VU-M devido às prestadoras detentoras de PMS, re-originando chamadas que, na realidade, são de origem no serviço Fixo e destino Móvel, para origem no serviço Móvel e destino Móvel”, o que seria “uma prática indevida”.
Segundo a operadora, a prática teria se tornado “comum, tanto por MVNOs como por prestadoras do SMP não detentoras de PMS”, caracterizando “um desvirtuamento do sentido original do regime de Bill&Keep parcial […] e, para ser coibida e desincentivada, a Anatel deve revogar o art. 41 do PGMC, fazendo com que o relacionamento PMS x Não-PMS de terminação de chamadas móveis seja pelo regime de Full Billing”, defende.
“Como exemplo, no relacionamento da Surf Telecom (MVNO), a Telefônica recebe em média 100 milhões de minutos mês e, em contrapartida, envia apenas 1 milhão. Levando em conta a quantidade de acessos da Surf e da Telefônica, esse desbalanceamento é totalmente contraintuitivo. Há perda de aproximadamente 10,5 milhões/ano em receita, considerando apenas a Surf, que já posicionou a Telefônica que o tráfego/mês deve ser aproximadamente de 160 milhões de minutos por mês no segundo semestre de 2026”, consta na contribuição encaminhada pela Vivo.
Espectro
O Regulamento sobre Autorização de Uso Temporário de Radiofrequências é uma das normas citadas pela Anatel no âmbito da Guilhotina Regulatória. Ao comentar o item, a Abrint enxerga a oportunidade de tratar do uso secundário.
“Embora o uso temporário de espectro, objeto desta Resolução citada especificamente na tomada de subsídios da Guilhotina regulatória, não se confunda com a diferenciação dos conceitos de uso secundário e mercado secundário, há elementos coincidentes que podem ser vistos em conjunto”, explica. Neste sentido, pede que o regramento seja condensado no âmbito do Regulamento de Uso do Espectro (RUE) ou na revisão do PGMC.
Para a associação, “o uso temporário, limitado no espaço e no tempo, também deve ser revisto com base na flexibilização do uso do espectro e na sua eficiência de uso”.
“A Abrint sugere que sua revisão [do uso temporário] promova a ideia de ‘spectrum innovation zones’ e ‘test and trial licensing’, justamente estruturando cenários mais amplos de uso temporário com potencial inclusivo. Há espaço de aprimoramento desta lógica de uso, em sintonia fina com o RUE e o PGMC, inclusive para ofertas de redes locais e em áreas remotas”, argumenta.
Ainda quanto ao acesso ao espectro, a entidade reforça: o pleito da integralidade da faixa de 6 GHz ao uso não licenciado; e defende também “o fomento de modelos de atuação através de operadores Network-as-a-Service (“NaaS”), detentores de infraestrutura tais como as PPPs, ofertantes de capacidade satelital, dentre outros”, para “endereçar áreas remotas ou carentes de conectividade”.
Conceito de PPP
Outras operadoras usaram a Guilhotina Regulatória para apontar temas que já passam pela análise do PGMC. Como é o caso da eventual alteração no conceito de PPP. A TIM defendeu a revisão, com “adoção de uma regra que considere o mercado geográfico de atuação e não o mercado nacional, de forma a guardar total coerência com o que é considerado na lógica de PMS”.
No mesmo sentido, a Claro entende que “o atual conceito de Prestadoras de Pequeno Porte (PPP) está distorcido e prejudicial à competição do setor, na medida em que prestadoras com notório poder de mercado nas regiões em que atuam são beneficiadas com as mesmas assimetrias regulatórias que deveriam ser limitadas às pequenas prestadoras ou novas entrantes”.
O posicionamento apresentado no mais recente relatório do PGMC, no entanto, é pela manutenção do conceito nos termos atuais, que tem o número de acessos como principal indicativo (inferior a 5% do market share).