O governo federal está estudando a possibilidade de criar uma taxa sobre transferências digitais, especialmente aquelas feitas por meio de celulares, aproveitando o boom desse canal com o advento das fintechs e dos bancos digitais e diante da proximidade de lançamento da infraestrutura nacional de pagamentos instantâneos pelo Banco Central. Seria praticamente uma “CPMF digital”, embora o governo tenha aversão a esse nome e jamais batizaria a nova taxa desta forma, porque a sociedade tem calafrios quando escuta a sigla CPMF. Entretanto, pela descrição feita pelo ministro da economia, Paulo Guedes, publicada pelos principais jornais do País nesta quinta-feira, 19, a nova taxa seria uma espécie de reencarnação da falecida CPMF, só que incidindo sobre transferências digitais. O percentual a ser cobrado não foi divulgado.

Há uma série de benefícios para o Estado de se criar uma taxa sobre transações financeiras. Ela garante uma ampla arrecadação e inibe a lavagem de dinheiro. Mas se a taxa focar especificamente em transferências digitais, ou, pior ainda, em transferências móveis, o governo confere um duro golpe sobre a inovação em serviços financeiros no Brasil. Dependendo do percentual cobrado, além de frear o avanço de fintechs, carteiras digitais e bancos digitais, pode pôr em risco seu próprio projeto de pagamentos instantâneos. Em vez de incentivar a digitalização dos serviços financeiros, estará empurrando os brasileiros de volta ao uso do papel moeda, com todas as suas desvantagens para a sociedade: alto custo de impressão, logística e armazenamento; risco à segurança; incentivo à informalidade; e dificuldade de rastreamento das transações.

O Brasil é hoje um dos mercados mais avançados das Américas em serviços financeiros digitais. No ano passado, de acordo com a Febraban, 40% de todas as transações bancárias financeiras e não financeiras foram realizadas através de dispositivos móveis – o dobro, aliás, do Internet banking. Em vários grandes bancos, o mobile já responde por mais da metade das transações. É o caso do Itaú Unibanco, cujo aplicativo móvel completou este ano uma década de operação.

Paralelamente, o ecossistema brasileiro de fintechs é pujante e diversificado. Segundo o Radar Fintechlab, há 604 fintechs em atividade no País, número que cresceu 33% em um ano. Algumas dessas fintechs já viraram unicórnios, ou seja, são avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, como Nubank e PagSeguro. Por sinal, o Nubank, com mais de 10 milhões de usuários, começa a ameaçar a hegemonia dos grandes bancos brasileiros. Segundo a nova pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, o Nubank está presente na tela inicial de 8% dos smartphones brasileiros, superando pela primeira vez Itaú e Bradesco nesse critério. Além disso, surgem volta e meia soluções criativas e inovadoras com tecnologia nacional, como a autenticação silenciosa de endereço da In Loco para a abertura de contas e a liberação de crédito em dois minutos da Jeitto, só para citar dois exemplos recentes noticiados por Mobile Time.

Ao mesmo tempo, o comportamento do consumidor brasileiro está mudando. O uso de carteiras digitais, sejam internacionais, como Apple Pay, Samsung Pay e GooglePay, ou nacionais, como Picpay, Mercado Pago e Iti (do Itaú Unibanco), está ganhando tração. Junto com elas crescem a passos largos os pagamentos por aproximação (com as tecnologias NFC e MST) e por QR code. A Mastercard divulgou que entre janeiro e novembro deste ano subiu de 1,4 milhão para 12,9 milhões o total de pagamentos por NFC ao mês com seus cartões no Brasil. Diante disso, o Itaú Unibanco, um dos maiores emissores de cartões do País, já fala abertamente em tornar a emissão do cartão de plástico opcional no futuro, enquanto o cartão virtual será emitido instantaneamente.

Para completar, o Banco Central se posiciona pró-ativamente na modernização da regulamentação brasileira, viabilizando ainda mais a inovação e a competição. Primeiro facilitou o surgimento de contas de pagamento, seis anos atrás. E agora avança na implementação do open banking e na construção de uma infraestrutura nacional de pagamentos instantâneos, o que tornará o Brasil um dos países com a regulação financeira mais avançada e aberta à inovação do mundo.

A criação de uma “CPMF Digital” seria um freio a desacelerar todo esse movimento de modernização e inovação.

O governo atual tem se notabilizado por lançar ideias como balões de ensaio na imprensa e depois recuar quando a repercussão é negativa. Tomara que seja o caso de novo.

 

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