Há muitos anos as operadoras de telefonia celular enfrentam a fatídica previsão de que um dia se tornariam meros canos para transporte de dados, ou dumb pipes, para usar o termo em inglês que se popularizou junto com esse alerta. Os especialistas que profetizavam essa tendência diziam que a inteligência estaria cada vez mais no aparelho e em seu sistema operacional, não na rede, e que as teles perderiam o controle sobre a experiência do usuário. Em parte isso vem acontecendo, de fato. Mas as operadoras estão aprendendo a lidar com a questão e identificaram ativos que lhe são próprios, para além da rede de acesso em si, e que podem ser trabalhados para gerar novas receitas. Um deles é a plataforma de billing, que pode ser usada não apenas para cobrar pelos minutos e Megabits trafegados, mas também para a venda de produtos reais e virtuais. Em vez de canos burros, querem virar canos inteligentes, ou smart pipes.
Guardadas as devidas proporções e particularidades de cada indústria, um alerta parecido agora ecoa entre os fabricantes de dispositivos móveis. Nas camadas mais baratas de cada segmento, sejam celulares, smartphones ou tablets, existe uma pasteurização do hardware. Sua produção está virando commodity. Há dezenas de fábricas na Ásia prontas para produzir em tempo recorde grandes quantidades de tablets genéricos com sistema operacional Android e estampar atrás a marca que o comprador quiser. A facilidade de ter o seu próprio tablet atrai empresas de outros setores da economia, como grupos de mídia, redes varejistas reais e virtuais e até instituições de ensino. Em vez de encomendar a um fabricante tradicional, por que não montar o seu próprio tablet sob encomenda e embarcar nele o conteúdo com a sua marca? É o que faz a Amazon, que já tinha longa experiência com e-readers através do Kindle. É o que promete fazer a rede norte-americana de lojas de jogos eletrônicos GameStop. E é o que avalia a rede brasileira de ensino à distância SEB COC, que distribuiu 15 mil tablets para seus alunos este ano.
Será que caminhamos para uma era em que os dispositivos móveis serão meras carcaças e a diferenciação estará toda no conteúdo, seja ele embarcado ou acessado pela rede? Na verdade, não. Há ainda muito espaço para inovação no hardware, como a inclusão de novos sensores de toque não apenas na tela, mas no corpo todo do aparelho; a chegada dos processadores com quatro núcleos; as telas com imagens em três dimensões; a recarga de bateria sem fio; dentre outras novidades. O que vai acontecer é que teremos fabricantes de carcaças, como já existem hoje aos montes na Ásia, e fabricantes de carcaças inteligentes. Permanecer no segundo grupo é o grande desafio dos players tradicionais e requer pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento.