Uma das formas usuais de identificar tendências tecnológicas para regiões em desenvolvimento como o Brasil é observar a realidade de ambientes desenvolvidos com cultura similar – como Europa e Estados Unidos. Nestes últimos, a penetração de smartphones é realmente fantástica, atingindo marcas acima de 70% da base de celulares (segundo pesquisa apresentada no último MEF Americas 2012). Dado este cenário, afirmar que no futuro próximo a adoção de smartphones será predominante no Brasil é uma aposta certa. Entretanto, é evidente o fato de a realidade socioeconômica do Brasil ser muito diferente daquela nos países ditos de primeiro mundo e, mesmo com a atração das tendências tecnológicas, os ecossistemas do mercado mobile são completamente distintos.

Para o mercado de conteúdo móvel, a migração da base para smartphones é tratada como uma forma de libertação e abertura do mercado para os provedores de conteúdo. Com a migração do canal de distribuição para as lojas de aplicativos, seria possível distribuir e comercializar seus produtos diretamente para o consumidor. Este cenário de mercado aberto tornou-se de fato realidade no mercado norte-americano, abrindo uma grande oportunidade para os provedores que conseguiram migrar sua estratégia dos antigos conteúdos (wap site, ringtones, papeis de parede, etc.) para o novo ecossistema de aplicativos (nativos ou HTML5) e gerando boas fontes de receita nesse novo canal.

Seguindo o raciocínio das tendências, seria possível concluir que o Brasil, hoje, com uma penetração de smartphones entre 10% e 20%, em pouco tempo acompanharia essa orientação e o cenário americano seria replicado com o mesmo sucesso em nosso mercado, certo? 

Infelizmente não.

Há um ponto fundamental que é preciso ser avaliado, e que de fato desequilibra essa balança: o pagamento. O sucesso do modelo norte-americano está diretamente relacionado à capacidade de seus consumidores em pagar suas compras virtuais diretamente no celular por meio de cartão de crédito. Essa é praticamente a única forma de pagamento aceita nas lojas de aplicativos como a App Store, o Google Play ou o novo Windows Marketplace.

No Brasil vive-se outra realidade. Aqui 80% dos celulares são pré-pagos. E mesmo com a penetração crescente de smartphones, a extensa maioria permanecerá no modelo pré-pago. Os consumidores com pré-pagos ou não possuem cartão de crédito, ou não estão dispostos a realizar compras virtuais no celular utilizando esse meio. A única forma possível de gerar transações com esse público é por meio da cobrança direta na conta de celular, o chamado “Direto na Conta” (ou em inglês Direct-to-Bill). Em outras palavras, o modelo norte-americano não servirá para o Brasil.

Tendo em vista essa conjuntura, algumas são as possibilidades para o mercado brasileiro: 1) As lojas de aplicativos reconhecerem nossa realidade demográfica e estabelecerem parcerias com as operadoras, passando a aceitar pagamento diretamente na conta de telefone do usuário. Por envolver sacrifício de margem multilateral, essa é uma possibilidade que pode demorar para ocorrer; 2) As operadoras estabelecerem novos e robustos canais de distribuição, ou seja, suas próprias lojas de aplicativos, aplicando seu poder de mídia e distribuição para fazer frente ao canal nativo do sistema operacional; 3) As operadoras fornecerem APIs de rede e pagamento em modelo aberto, convidando a comunidade de provedores e desenvolvedores a integrar-se diretamente aos recursos de cobrança na conta; 4) As principais lojas de aplicativos criarem seu próprio sistema de cartão pré-pago com ampla distribuição em varejo.

A verdade é que um ecossistema formado por smartphones pré-pagos e a forma de lidar com essa configuração ainda são desconhecidos pelo mercado. O que já sabemos é que os modelos construídos para EUA e Europa não se encaixarão no panorama brasileiro – e, portanto, cabe a nós a missão de criar a melhor solução para nossa realidade.

 

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