Em março, nós tivemos uma conversa incrível sobre igualdade de gênero com (quase) todos os homens de Produto e Tecnologia da Creditas. É fato conhecido e amplamente discutido que existem muito mais homens em equipes de Tecnologia do que mulheres. Aqui, estamos lutando para mudar essa situação. Em 2018 conseguimos trazer 16 mulheres para a equipe e agora temos uma proporção de 25% de mulheres em Produto e Tecnologia, o que é um bom número comparado com a média de 11% do mercado, mas ainda baixo comparado com o que poderia ser.

Apenas contratar mulheres, porém, não é o suficiente: temos de garantir que elas (e na verdade todas as pessoas da equipe) trabalhem em um ambiente de segurança psicológica, tenham oportunidades de crescimento e que não exista nenhum tipo de favoritismo ou preconceito em nossa equipe.

Nós tivemos uma conversa com todas as mulheres de Produto e Tecnologia para saber como elas enxergavam nosso ambiente e descobrimos que mesmo em uma empresa que preza muito pela diversidade, ainda tínhamos problemas e situações desagradáveis. Por um lado isso obviamente era ruim, mas por outro poderíamos colocar em prática a máxima de que “Se existe um problema, você não precisa mudar de empresa, você tem que mudar a empresa”.

Convocamos uma reunião com todos os homens intitulada “Precisamos falar com os homens” e com a descrição: “Fala pessoal, queria fazer uma roda de discussão com o objetivo de causar uma reflexão sobre o quão saudável e igualitário está nosso ambiente em Produto e Tecnologia”.

Cerca de 85% dos homens da equipe toparam ir ao encontro. Montamos um círculo e lá estavam 80 homens, curiosos e um pouco apreensivos pelo que estaria por vir – assim como eu e demais organizadores: “Será que isso vai caminhar na direção que a gente quer?”

Minha abertura foi a seguinte, e foi de coração:
Pessoal, chamei vocês aqui pra gente começar a discutir esse assunto, para termos uma conversa aberta e com isso gerar reflexão. Não é bronca, nenhum incidente grave aconteceu. Diversidade não é só trazer pessoas diversas, mas criar um ambiente propício para todos.

Eu nunca fui uma pessoa muito preocupada com isso e é fácil não se preocupar sem ser minoria em nada. Sou homem, branco, heterossexual, cisgênero, paulistano, de classe alta, sempre morei em “bairros nobres” e estudei em escolas privadas. Nunca levantei nenhuma bandeira específica e até adoto uma postura isenta em muitas discussões, mas o que eu de fato prezo muito é o senso de justiça, igualdade, transparência, honestidade; e acredito que são valores pelos quais vale a pena lutar.

Vou ter que misturar um pouco de coisas pessoais com profissionais aqui. Não quero me intrometer na vida pessoal de vocês e acho que não é o papel da empresa.

Na minha classe de engenharia na Poli tinham cinco meninas entre 40 alunos, e a única preocupação era com a beleza delas. Nunca sequer passou pela minha cabeça considerar como era esse ambiente para elas, se era hostil, se elas se sentiam bem ali, nada.

Algumas atitudes machistas que já presenciei ou fiquei sabendo em ambientes corporativos (e isso pensando apenas em empresas minimamente respeitáveis, não vou nem entrar no mérito de assédio, troca de favores por promoções etc):

– ao chegar o currículo de uma mulher, o pessoal ia ver a rede social para saber se era bonita;

– se tinha uma menina bonita em alguma sala de reunião, o pessoal saía contando para os outros e chamava para ir ver;

– falta de mulheres na liderança;

– piadas constantes sobre minorias em espaço de poder;

– não contratar mulheres na faixa dos 30 porque poderiam sair de licença maternidade;

– grupos virtuais para discutir a beleza das mulheres do escritório.

O que eu tenho como objetivo:
Que todos tenham oportunidades iguais de desenvolvimento e crescimento, e que a Creditas seja um ambiente seguro e agradável para qualquer pessoa. Daí, eu pergunto para vocês: será que temos equidade total hoje? Será que existem coisas no nosso ambiente que não sejam legais para as mulheres?”.

Nosso Head de VIP complementou se desculpando por ter usado a palavra “cara” em demasia em uma apresentação geral para todo o time de Tecnologia, especialmente na frase: “O cara para trabalhar aqui tem que ser muito bom”.

Nosso Gerente de Engenharia, um catalisador de mudança e líder na conscientização desse tipo de atitude na empresa, reforçou que as mudanças reais só acontecem quando as maiorias em espaço de poder se auto repreendem sobre preconceitos perante minorias em espaço de poder: quando o branco fala para outro branco que ele está sendo racista; e que os homens precisam começar a combater alguns comportamentos e ajudar as mulheres a terem mais voz. Ele também contou um exemplo claro de racismo que sofreu em um bar recentemente por ser negro.

Então, começou uma discussão com alto grau de maturidade, com cada um levantando pontos, contando histórias ou refletindo sobre pontos que jamais havia considerado. Os pontos altos na minha visão dos 90 minutos de conversa:

1) Reflexões:

– Saber que às vezes fazemos alguns comentários que para nós soam inofensivos e até mesmo familiares, mas que interferem muito na maneira como as mulheres se sentem ao nosso lado;

– Muitos dos nossos comportamentos foram reforçados durante toda nossa vida, mas o mundo mudou e precisamos desconstruir isso (“o homem tem que pegar todas”, “tem que beber até cair”, “não pode levar desaforo para casa”, “tem que sair na porrada”, “homem não chora”, “isso é coisa de macho” etc);

– Ensinar é melhor que repreender?—?o mundo está mudando, e nós não temos as respostas, temos que estar abertos a refletir sobre nosso comportamento. Nem todo mundo vai mudar com a mesma velocidade e todos vamos errar em algum momento;

– Uma das coisas que temos que fazer além de só falar com as mulheres perguntando como elas se sentem é realmente aprender sobre o tema, estudar e ir atrás de informação;

– Mulheres ouvem comentários na rua e sentem medo (desde os 14 anos de uniforme da escola);

– Vocês sabiam que as meninas mudam o caminho para não passar em frente de certos lugares, e se têm que passar abaixam a cabeça e passam rápido, sabendo que vão escutar comentários desagradáveis?

2) Dicas práticas:

– Não utilizar expressões como “botar o pau na mesa” ou “abrir as pernas”, como no caso de “fulano abriu as pernas na negociação e aceitou as condições”;

– Não falar que um item de trabalho difícil é “pica”;

– Não é legal comentar sobre a beleza ou atributos físicos das pessoas (e no contexto deste post sobretudo das mulheres), especialmente no ambiente de trabalho e/ou com outras mulheres do seu lado. A regra de ouro sobre o comentário: “você faria esse comentário diretamente para pessoa?”;

– Tomar cuidado com a generalização do coletivo “mulheres”, porque aí pode-se perder a individualidade?—?na verdade não é pensar em como as mulheres gostariam de ser tratadas, mas, sim, como aquela pessoa gostaria de ser tratada.

3) Relatos:

– Já repararam que quando um homem mexe com uma mulher acompanhada, ele pede desculpas para o homem e não para a mulher, como se a mulher fosse propriedade dele? Aconteceu com um dos caras no carnaval e ele pediu para xavequeiro pedir desculpa para a mulher, não pra ele;

– Uma pessoa perguntou para as mulheres do seu time quão machista elas achavam que ele era e elas deram nota 1 em uma escala de 0 a 10; mas sua esposa lhe deu nota 4 porque o conhece melhor e com mais intimidade.

4) Conclusões

– Alguns falaram que nunca tinham pensado nessas coisas e marcaram conversas com as mulheres dos seus times no dia seguinte;

– O ambiente estava tão propício que uma pessoa encerrou a conversa falando sobre sua homossexualidade e que boa parte da violência contra homens homossexuais ocorre pela aparência feminina que é sempre correlacionada à fragilidade, não pela homossexualidade em si.

Vocês imaginam 80 homens tendo essa conversa na empresa de vocês? Seria uma conversa franca com pessoas abertas ou os caras iam achar mimimi e perda de tempo?

Sabemos que a jornada é longa e que esse foi apenas o primeiro passo rumo a um ambiente mais inclusivo, diverso e seguro para todos. Mas temos que celebrar nossas vitórias e foi um tremendo primeiro passo! Fui embora para casa orgulhoso do ambiente e da equipe que temos e considero esse um dos dias mais felizes por aqui.

 

*********************************

Receba gratuitamente a newsletter do Mobile Time e fique bem informado sobre tecnologia móvel e negócios. Cadastre-se aqui!