O sistema bancário vem atravessando mudanças significativas na última década devido ao avanço das tecnologias, especialmente aquelas aplicadas ao universo mobile. Após a chegada do Pix, um sistema que permite transações financeiras gratuitas e instantâneas 24 horas por dia, sete dias por semana, outro serviço que tem sido alvo de grande antecipação (e também de algumas dúvidas) é o open banking (Sistema Financeiro Aberto). De maneira complementar, as duas novidades promovem uma transformação que tem impacto na privacidade e na segurança dos dados de pessoas e instituições. Consumidores e empresas estão preparados para lidar com esse novo modelo? O nível atual de educação e conscientização para o uso de tecnologias dá conta de garantir a segurança de todos os envolvidos?
Em um contexto de inovação digital e entrada de novos players no mercado, o open banking surge com o objetivo de compartilhar dados, produtos e serviços por uma plataforma unificada. Segundo o Banco Central, a ideia por trás do open banking é “promover um ambiente de negócios mais inclusivo e competitivo”, ou seja, permitir que mais fintechs entrem no mercado e passem a concorrer com grandes bancos (e que estes concorram entre si), beneficiando os consumidores com um leque variado de opções. Em outras palavras, facilita-se a migração do cliente de um banco para outro, uma vez que as informações dele, quando autorizado, poderão ser compartilhadas entre instituições financeiras credenciadas.
Um fator inesperado que acelerou a digitalização bancária foi a pandemia da Covid-19. Um levantamento da FICO, empresa global de análise preditiva, aponta que 65% dos brasileiros estão mais dispostos a abrir uma conta bancária de forma on-line. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ainda não tem os números de 2020, mas informou que foram abertas 7,4 milhões de contas digitais no Brasil em 2019, sendo 6,5 milhões por dispositivos móveis e 935 mil por meio do internet banking. Isso representa uma alta de 72% no número total de contas abertas, em relação ao ano anterior.
Poderia eu, dessa forma, concluir que há um caminho pavimentado para a implementação do open banking, correto? Errado. O número de desbancarizados no Brasil ainda é altíssimo. Dados de estudo do Instituto Locomotiva, referentes a janeiro de 2021, mostram que 10% dos brasileiros não tinham conta em banco, enquanto outros 11% não movimentaram a conta no mês anterior. Esses 21% movimentam por ano cerca de R$ 347 bilhões, o que corresponde a 8% da massa de rendas no País. É um mundo novo, que abre uma gama de oportunidades de bancarizar uma enorme parcela da população ainda fora do ecossistema financeiro: a almejada classe C. Tidos como bons pagadores, e carentes de crédito, esses brasileiros vêm sendo alvo de investidas do setor financeiro. Essa empreitada traz consigo uma gama de oportunidades de geração de negócios, mas também desafios, em especial com relação à segurança digital, que precisam ser levados em consideração. Aproveitar esse momento e vencer os obstáculos que se imporão depende em grande parte de um elemento: educação. Caberá também às empresas educar essa parcela da população para que ela se insira no ecossistema digital da forma mais segura possível.
Certa vez, fiz um trabalho para uma instituição financeira, que havia identificado um grande potencial de consumo em uma comunidade que contava com um intenso movimento comercial local. A ideia era oferecer cashback – programa de recompensa em compras online em que uma parte do valor é ressarcida ao cliente. Surgiu então o primeiro desafio, que não estava no radar: identificamos que os celulares dos moradores não eram dos mais modernos, com recursos que permitissem transações online. Muitas vezes não tinham sequer câmera frontal, necessária para identificação digital via selfie para cadastramento, exigido por diversas instituições financeiras. Além disso, muitos não tinham acesso a planos de dados, outros compartilhavam o celular com a família, não tinham Internet em casa dependendo de sistemas de Wi-Fi públicos, o que é extremamente arriscado para operações financeiras, do ponto de vista da cibersegurança.
Por que estou relembrando este caso? Porque ele é emblemático ao deixar evidente algo que muitas vezes governos e empresas não se dão conta: a interdependência. Um avanço tecnológico, por mais disruptivo que seja em sua essência, não será efetivado sem as tecnologias necessárias para lhe dar suporte. É o que aconteceu com as TVs que tiveram de ser trocadas por modelos atualizados para capturarem o HD emitido pelo sinal digital que substituiu de uma vez por todas o analógico. É um pouco do drama que vivem as fabricantes de hardware e estrutura de rede da cadeia de 5G. A tecnologia de ponta está desenvolvida e até disponível. Mas sem a efetiva implementação do leilão para alocar espectro radiofônico e sem os smartphones de última geração disponíveis no mercado, nada se concretizará. No open banking, é a mesma coisa. Se não houver recursos mínimos, o programa será bastante limitado em termos de abrangência.
Além das questões de inclusão tecnológica, vale lembrar que novos players, advindos de segmentos distintos do financeiro, podem começar a atuar nesse novo campo aberto. Farão isso em busca de ampliar portfólio e atuação, mas também porque em troca do serviço prestado poderão ter acesso a uma ampla gama de dados dos clientes, um recurso estratégico para qualquer empresa que navega no universo digital. O consumidor passará a ter acesso a marketplaces de serviços financeiros, com uma série de produtos e serviços à disposição, disponíveis em uma única plataforma. Essas empresas estão se preparando para implantar sistemas de segurança que fazem frente a eventuais vazamentos de dados, por exemplo? Neste caso, quem seria o responsável, considerando que o cliente autorizou o uso de suas informações pessoais? São questões que ainda estão abertas porque é um fenômeno muito recente, mas que precisam ser debatidas com seriedade.
O open banking ainda está na primeira fase de implantação, na qual são compartilhados dados gerais, como tipos de contas e ofertas de produtos financeiros. É ao longo das próximas etapas que a complexidade aumenta pois será necessário padronizar toda uma infraestrutura tecnológica, principalmente no que se refere às chamadas APIs, os padrões de programação dos aplicativos. Por essas APIs, trafegarão dados extremamente sensíveis, o que irá requerer um pensamento profundo sobre segurança e privacidade, de maneira a incorporar esses pilares nos projetos desde o início. A construção de um sistema de open banking sadio e equilibrado dependerá, em grande medida, de um processo educativo no sentido amplo do termo, envolvendo todas as partes. Há um campo fértil pela frente, que promete impulsionar negócios e ampliar ofertas. Para o sucesso dessa empreitada, será fundamental manter o foco na segurança digital.