“Temos a responsabilidade de proteger seus dados e, se não conseguirmos, não merecemos servi-los”, disse Mark Zuckerberg em um post no Facebook quase uma semana depois que surgiram relatos de que a empresa de consultoria Cambridge Analytica (CA) colheu dados de mais de 50 milhões de perfis no Facebook, no maior escândalo de dados da história.
O número depois subiu para 87 milhões. Enquanto as discussões iniciais focaram principalmente em como a CA conseguiu obter essas informações, o foco do debate rapidamente se ampliou para como o Facebook gerencia os dados dos usuários. Zuckerberg já testemunhou no Congresso dos EUA e o Facebook também foi notificado pelo governo brasileiro para se explicar, já que quase meio milhão de brasileiros foram afetados pelo escândalo.
Em uma pesquisa feita apenas com brasileiros pela Toluna, empresa internacional de pesquisas, 54% dos entrevistados atualizaram suas configurações de privacidade, e 5% disseram ter encerrado suas contas. Os números são imensos: de acordo com o Facebook, 102 milhões de brasileiros o usam. Se 5% desistiram, a perda foi de cinco milhões de clientes.
Até agora o Facebook sentiu o peso das críticas quando Mark Zuckerberg testemunhou para o Congresso e a campanha “#DeleteFacebook” ganhou força rapidamente quando o astro de Hollywood Will Ferrell, Elon Musk e o fundador do WhatsApp, Brian Acton, inspiraram seus seguidores a deletar seus perfis. Não muito tempo depois, a situação do Facebook piorou ainda mais quando surgiram notícias de que a plataforma minera as mensagens dos usuários, e outro cofundador do WhatsApp, Jan Koum, deixou a empresa após uma disputa sobre anúncios.
Por mais que a audiência do Congresso tenha causado um aumento do valor das ações do Facebook e o impacto do movimento feito no Twitter (se é que podemos chamá-lo de “movimento”) foi limitado, o escândalo trouxe a questão da privacidade e dos dados dos usuários para os holofotes. Além disso, o já mencionado drama com os executivos do WhatsApp fez com que o foco se estendesse também aos aplicativos de mensagens.
Aqui deve-se notar que não é apenas o Facebook que rompe a confiança de seus usuários ao manipular incorretamente seus dados. Desde que foi comprado pelo Facebook em 2014, o WhatsApp, aplicativo de mensagens mais usado do mundo, foi multado várias vezes em toda a Europa por violar leis de privacidade. O novo Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR), que entrou em vigor em 25 de maio, é um grande passo na direção certa para a privacidade dos usuários europeus. No entanto, o resto do mundo, incluindo o Brasil, continuará sujeito a uma infinidade de práticas invasivas de mineração de dados para fins comerciais pelo Facebook e WhatsApp. Outros aplicativos de mensagens tradicionais, como o Viber e o Snapchat, também executam essas práticas.
Em um mundo de incertezas e com a crescente desconfiança sobre as mídias sociais e as plataformas de mensagens, é essencial que a próxima geração de startups de tecnologia e serviços de mensagens seja um exemplo e implemente não apenas uma política robusta de privacidade acerca dos dados dos usuários, mas também tome ações tangíveis. Cabe aos novos e emergentes aplicativos de mensagens fornecer aos usuários de smartphones em todo o mundo alternativas seguras e não-exploratórias para mudar o paradigma e começar a ver seus usuários como parceiros, e não como clientes que podem “ordenhar”.
Uma alternativa que tem sido cada vez mais popular é o Signal. A Signal Foundation já deu ótimos passos na direção certa ao fornecer um aplicativo de mensagens de mineração de dados totalmente criptografado, seguro e sem uso de dados. Milhões de pessoas que valorizam sua privacidade já fizeram a transição. No entanto, no Brasil o Signal não é usado por muitos. Isso pode ser explicado pelo fato de que o Signal dificulta a criação de bate-papos em grupo e não permite que os usuários sejam criativos. O app é, portanto, considerado menos divertido. Também é usado menos no Brasil do que o Snapchat ou o WhatsApp, apesar de ser significativamente mais seguro. O Telegram é semelhante ao Signal nesse sentido, mas armazena mensagens em seu servidor.
O mundo está rapidamente entendendo o que acontece com plataformas de mídia social e as práticas de aplicativos de mensagens que mineram dados, e não demorará muito para que os usuários deem as costas para elas. Assim como no MySpace, eles eventualmente procurarão alternativas superiores (e mais seguras).