Desde 2015, meu celular principal é um iPhone. Nessa quase uma década, acompanhei com atenção os movimentos da única alternativa viável, o Android do Google. Em que pese minha preferência pelo iOS, há boas ideias do lado de lá que eu gostaria que fossem copiadas pela Apple.
Algumas delas estão sendo aplicadas no iOS, ainda que apenas na União Europeia. O Regulamento Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês) forçou a Apple a abrir mais o iOS, criando buracos no famoso “jardim murado” que construiu em torno do seu ecossistema e que deixa à margem o que vai contra seus interesses.
Em público, executivos da Apple argumentam que as limitações artificiais do iOS são para o bem e a segurança dos usuários. É uma afirmação paternalista e, em grande medida, infundada. E talvez excessiva, visto que as soluções da Apple são competitivas por si só, independentemente das vantagens desleais que a empresa impõe em seus domínios.
Vide, por exemplo, o mercado de navegadores. Desenvolvedores web adoram detestar o WebKit, motor de renderização do Safari que, no iOS, é obrigatório a todos os outros navegadores.
Em um mundo em que somente três motores coexistem — além do WebKit, Blink (Google/Chrome) e Gecko (Mozilla/Firefox) —, o WebKit é bom o bastante e, no ecossistema da Apple, o Safari é o navegador que entrega a melhor integração e trato da bateria no iPhone e nos MacBooks.
Uma das exigências da União Europeia é que a Apple aceite navegadores com motores próprios, tal qual o Android e sistemas operacionais para computadores. Essa é uma das medidas mais fiéis ao espírito da lei, de fomentar a competição nos mercados digitais. Sempre que abro o Firefox no meu Android de testes, com suas extensões e o motor Gecko, lembro da versão do iOS — muito inferior, quase inutilizável sem tais características.
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Outra frente em que a Apple teve que fazer concessões foi na exclusividade na distribuição de aplicativos, até então restrita à App Store. No velho mundo, o iOS agora pode receber lojas de aplicativos alternativas e até instaladores de aplicativos baixados de sites.
Apesar da hegemonia da Play Store do Google, no Android sempre foi possível instalar lojas de aplicativos alternativas. Grandes fabricantes, como a Amazon e a Samsung, têm as suas. Na outra ponta, pequenos grupos de entusiastas, como o F-Droid, também.
A F-Droid é o que já chamei de “a loja de apps de um mundo ideal”. Ela é composta apenas por aplicativos livres, com uma curadoria fina e um “ethos” não comercial único. Outra peculiaridade da F-Droid é seu funcionamento similar ao de gerenciadores de pacotes Linux, ou seja, é possível adicionar repositórios de terceiros para estender o índice de aplicativos baixáveis.
Quando estou com um Android na mão, consigo (e prefiro) baixar a maioria dos apps do dia a dia da F-Droid. Seria maravilhoso ter uma equivalente no iOS.
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Embora o iOS esteja mais bem servido de bons aplicativos, alguns exclusivos do Android fazem falta. O mais frustrante é que eles só não existem no dispositivo da Apple por limitações artificiais do próprio iOS, e não por falta de demanda ou de gente disposta a criá-los.
O melhor exemplo é o Syncthing, um sistema que mantém arquivos de um diretório comum a dois ou mais dispositivos sincronizados — como serviços de nuvem (Dropbox e afins), só que sem a nuvem… entende?
Até existe um aplicativo para iOS, o Möbius Sync, mas as limitações do iOS tornam a experiência muito aquém da disponível no Android, com o aplicativo oficial ou variações deste.
Não seria um exagero imaginar que essas e outras limitações do iOS só estejam ali para não afetar os negócios da Apple. Se as pessoas pudessem sincronizar arquivos diretamente entre dispositivos, talvez trocassem uma assinatura mais cara do iCloud por um SSD maior no computador.
Para finalizar esta lista não exaustiva, uma característica presente no Android, ausente do iOS, que me parece ainda mais motivada por interesses comerciais, é a capacidade de transformar o celular em um micro computador.
Já faz alguns anos que a Samsung oferece o DeX, um sistema que adapta o Android dos celulares Galaxy topo de linha para telas grandes ao conectá-los a teclado, mouse e monitor externo.
Os chips super poderosos da Apple, o iPadOS e o Stage Manager são as peças perfeitas para viabilizar o cenário mágico em que poderíamos ter apenas um dispositivo: no bolso, ele seria o iPhone que todos conhecemos; ao conectá-lo a uma dock ou hub USB-C, ele viraria um iPadOS, ou um macOS simplificado.
Talvez pudesse existir até uma tela oca para encaixar o iPhone e transformá-lo em um iPad, como a Asus tentou fazer com o Padfone Infinity, sem sucesso, há uma década.
Só que aí a Apple venderia apenas um em vez de três dispositivos, e… bem, vou parar por aqui para não adentrar teorias da conspiração.
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Android e iOS partiram de locais muito distintos no final dos anos 2000 e, durante um bom tempo, escolher um deles implicava abrir mão de certos recursos. Essas diferenças diminuíram um bocado com o passar do tempo, mas ainda existem — a minha “listinha da inveja”, acima, serve como um bom exemplo.
Fica a torcida, então, para que as determinações da União Europeia sejam um ponto de virada, inspirem outras jurisdições e se disseminem mundo afora. Apesar do discurso aterrorizante da Apple, no final quem ganha somos nós, consumidores.