Com mais de 1 bilhão de usuários ativos, o TikTok já se consolida como uma das maiores redes sociais do planeta. Arrebanhando usuários de todas as faixas etárias – engana-se que só o público juvenil povoa a plataforma –, a rede acabou impactando não só a sociedade como está conseguindo subverter os planos da concorrência e revolucionar a forma como usamos os canais digitais.
Apesar de ainda não ser a rede mais usada no planeta – perde para YouTube, Facebook e Instagram – a verdade inconteste é que o TikTok está destruindo as redes sociais. Tirando o Facebook, que não conseguiu ainda emplacar com sucesso os Reels e os Stories, e o LinkedIn, rede de networking que não comporta o formato, todos os outros canais, de Twitter a Instagram, passando por Youtube, estão se rendendo à “tiktokização” da vida digital.
O Instagram é o caso mais grave. A rede de fotos está tentando, aos poucos, se transformar em canal de vídeos curtos, numa tentativa desesperada de se igualar ao TikTok. Desde que o CEO da rede social, Adam Mosseri, publicou um vídeo anunciando algumas mudanças na plataforma, percebe-se uma aceleração para a implementação de mudanças que nem sempre são agradáveis para os usuários que usam o IG como rede de fotos e estão descontentes com os rumos que ele tem tomado.
As mudanças têm frustrado os usuários e, agora, os obriga a se render aos vídeos animados, uma vez que tirou as chances de alcance para formatos de imagem (feed imagem única e carrossel), stories e vídeos com maior duração. A busca por se igualar à rede chinesa tem feito o Instagram optar por configurações de usabilidade que podem ser um grande tiro no pé. Com a grita generalizada de personalidades e clientes, o CEO acabou recuando e a implementação das mudanças deve ser feita, a partir de agora, a conta-gotas. Mas chegarão.
Começam a surgir campanhas para que a Meta (empresa-mãe do IG) deixe nas mãos dos usuários a decisão de optar por um feed cronológico e não um que receba, prioritariamente, conteúdo postado por estranhos – lógica aplicada pelo TikTok As mudanças no feed— fluxo de conteúdo da tela — já são perceptíveis. Agora, ele é construído de forma a deixar mais visíveis as recomendações de material produzido por perfis de fora da nossa rede de contatos.
O grande problema é que o Instagram nasceu e alcançou o tamanho que tem sendo uma rede passiva, de conteúdo aspiracional, autoral, simples de usar e que não demandava muito conhecimento técnico – uma vez que bastava ter uma câmera capaz de produzir uma boa foto. Com a hipervalorização dos Reels e dos vídeos animados em geral, passa a obrigar conhecimentos (ainda que mínimos) de edição que podem afastar o cidadão comum. Fora que, assim como o TikTok, passa a privilegiar o trend em vez do conteúdo autoral. Não é à toa que as “dancinhas”, as repetições e as narrações, típicas da rede chinesa, já chegaram com força total ao feed do IG.
O impacto da orientação “tiktoker” das redes sociais é forte e prejudica diretamente os influenciadores, uma vez que o algoritmo da rede privilegia conteúdos virais e não número de seguidores e/ou fidelidade aos perfis. E sabemos muito bem o que são conteúdos virais numa sociedade orientada ao espetáculo, à polêmica, à busca incessante pelo like e pelo compartilhamento. E como redes sociais impactam a sociedade, chamam atenção da imprensa e se transformam em plataforma prioritária de busca por informações, a realidade pode sofrer um impacto que pode ser bastante prejudicial.
Assim, operações policiais, violência, dancinhas, imitações, “reactions”, conteúdo viral de baixa qualidade, movimentos de aliciamento para comportamento de manada (como o recente caso dos jovens indo assistir a “Minions – a origem de Gru” de terno e atrapalhando as sessões) passam a povoar não só o TikTok mas a Internet como um todo.
Óbvio que não estamos dizendo aqui que a rede chinesa é recheada apenas de conteúdo de baixa qualidade. Há muita coisa aproveitável ali, de dicas a conteúdo científico, ações de mobilização em prol de boas causas, comunidades de leitores, resenhas de filmes e livros e por aí vai. Mas muito do que se torna trend é polêmica, aberração e repetição.
Assim como a antes rede de fotos se rende aos vídeos curtos, o YouTube tem demonstrado que não vai ficar de fora da “tendência”. Passa a valorizar mais os Shorts (seu formato de vídeos curtos) e, como bem disse meu colega professor e especialista em conteúdo digital Rafael Rez, “o YouTube começou a dar um destaque desproporcional aos shorts, dando um tiro no próprio pé e forçando os criadores de conteúdo que sempre apostaram em vídeos mais profundos a criar vídeos curtos de entretenimento”.
Rafael tem toda razão: o desespero em se igualar ao TikTok tem feito com que todos os outros canais digitais percam o caráter exclusivo – o YouTube, uma rede de vídeos maiores; o Instagram, uma rede de fotos; o Facebook, uma rede de grupo, conversa e pertencimento; o Twitter, uma rede de informações rápidas e em tempo real. Quando todo mundo for TikTok, o que restará aos usuários que não têm disposição nem vontade de encarar redes sociais apenas como entretenimento?
Onde estarão os conteúdos densos e aprofundados? A Internet não deveria ser encarada apenas como ferramenta de entretenimento, mas de comunicação, de busca por conhecimento, de troca de experiências.