O uso de inteligência artificial (IA) não é mais uma coisa próxima, é a realidade. A IA está presente em atividades rotineiras, domésticas e no campo profissional. Muitos já experimentam as comodidades oferecidas por aparelhos como assistentes de voz, smartphones e smart TVs. Entretanto, seu proveito na indústria ainda é visto com alguma cisma. É comum ouvir que os robôs estão substituindo a força de trabalho humana, mas a realidade é que mesmo que a presença de tecnologia possa afetar algumas atividades, o ser humano continua indispensável para o mercado de trabalho.

No segmento corporativo, a automatização dos processos pode agilizar a produção e garantir maior eficiência. Isso porque, com a apropriação destes recursos, em especial a inteligência artificial, tarefas que levariam dias ou até semanas podem ser realizadas em questão de minutos. Assim como em todas as mudanças, existem aspectos positivos e negativos do uso destas ferramentas. Por isso, é importante promover uma ampla discussão para entender os limites éticos e operacionais que permeiam a relação entre humanos e IA.

Um caso recente pode deixar mais clara a necessidade de compreender a capacidade e delimitar o uso desta tecnologia. Uma música criada por IA emulando as vozes e outros sucessos dos artistas Drake e The Weeknd foi lançada como se fosse real e obteve mais de 250 mil acessos antes de ser removida das plataformas de streaming. O motivo: os intérpretes desconheciam a composição, alegando não serem os autores e sim vítimas, por terem suas vozes simuladas artificialmente. O processo inteiro, concepção da letra, melodia e interpretação foram feitos por meio de inteligência artificial, sem que sequer os artistas tivessem conhecimento. Este caso joga luz à necessidade de discussão sobre o uso destas ferramentas.

Trazendo para os livros, que são o meu campo de atuação, como essa tecnologia pode ser bem empregada? Quais as vantagens que ela pode trazer, tanto para a indústria quanto para o público? Quais são os perigos? O ser-humano vai ser substituído na criação de histórias?

Para dar início às respostas trago uma projeção sobre o mercado editorial, para o período entre 2022 e 2026, presente na Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2022-2026, realizada pela PwC Brasil. Neste período, o prognóstico é que o crescimento seja de 2,5%, passando de R$ 2,252 bilhões para R$ 2,544 bilhões. Além disso, a evolução de vendas de exemplares impressos (2,4%) e digitais (3%) demonstra que há fôlego para a produção de literatura. Este é um ponto em que o uso de IA pode ajudar: ampliar a oferta de obras de qualidade – escritas por humanos. Principalmente quando falamos de livros digitais (ebooks e audiobooks) e com custos mais acessíveis.

Imagine, por exemplo, uma pequena editora. Em geral uma pessoa é responsável por diversas funções: selecionar conteúdos, elaborar contratos e estratégias, divulgar, produzir materiais etc. Neste cenário, a aplicação de recursos tecnológicos que automatizam parte destes processos potencializará a eficiência do profissional e da empresa. IA pode liberar as pessoas para os processos criativos, agilizando os que são automatizáveis.

Um quadro similar pode ser desenhado na produção de audiobooks. O uso de voz sintética é um dos fatores que podem revolucionar a velocidade e a capacidade de produção deste mercado, pois barateia e agiliza o processo de produção de uma obra. Um audiolivro com oito horas finalizadas, por exemplo, leva cerca de quatro semanas para ser produzido, com um custo médio de R$ 10 a R$ 12 mil, em razão das inúmeras horas de estúdio e edição. Ao lançar mão do uso desta tecnologia, o tempo de produção cai para metade e o custo reduz aproximadamente 75%, segundo os primeiros testes que nós e outros players do mercado têm realizado com conteúdo de não ficção. O alto custo de produção é um dos motivos pelo baixo número de títulos nos catálogos de audiobooks. 

A ideia não é excluir da equação o indivíduo, e sim prover seu trabalho com informações e agilidade, ou até mesmo direcionar o esforço humano para atividades mais estratégicas, deixando que a IA faça o trabalho mecânico. Empregar a IA para levantar dados é uma alternativa que visa economizar tempo. Com algumas breves perguntas é possível traçar um cenário para avaliar os melhores pontos para venda de um determinado título, em qual região um gênero tem melhor aceitação e identificar tendências de consumo, por exemplo.

O público também se beneficia deste processo

Informações contidas na pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pela Instituição Pró-Livro, em 2019, apontam que apenas 52% da população leu ao menos um livro completo nos três meses anteriores ao estudo. Alguns indícios da razão são o preço das obras, a baixa escolaridade e a renda familiar, que impactam diretamente no consumo de literatura. Quanto maior a renda e a escolaridade, mais livros são lidos.

São altos os custos envolvidos na produção de um livro, avaliação do material, edição, revisão, impressão, marketing, logística, entre outras coisas. Além disso, as cópias não autorizadas que são disponibilizadas na internet minam o investimento que é feito para colocar as obras nas prateleiras, sejam elas físicas ou digitais. Aplicar IA pode contribuir para a redução de custos das empresas do setor, aumentar a escala de produção – principalmente quando falamos de livros digitais – além de distribuir os produtos diretamente em praças onde haja maior aceitação. As estratégias de marketing e logística também podem ser beneficiadas pela agilidade e assertividade, por meio da análise de dados.

Enfim, não é o futuro… já é o presente e estamos no meio desse processo. Ou melhor, estamos imersos nele. E ele está acontecendo quer queiram ou não. Cabe a nós, humanos que usamos essas máquinas de inteligência artificial, identificar suas funções e adotá-las com responsabilidade e ética. Precisamos liderar esse caminho, nós da indústria criativa, para que a IA não venha para substituir a criatividade e o esforço humanos, e sim para oferecer ferramentas que potencializam a atuação destes e nos liberem para a atividades criativas, as atividades humanas.

Vamos juntos conhecer e aprender até que ponto é legal utilizar inteligência artificial nos processos literários e comerciais do ramo.

 

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