Para quem foi criado nos anos 1980, 2015 era o futuro, até porque assistíamos Marty e o professor sempre por lá com seus carros voadores e tênis que se amarravam sozinhos. Para quem acreditava que 2015 era o futuro, 2025 era mesmo o futuro. Quando chegamos a ele, rapidamente descobrimos que a versão do futuro onde estamos não é tanto a dos carros voadores. Estamos mais para o cassino do Biff, com direito até ao cabelo laranja. E no cardápio há BigTechies nos sabores X/twitter e Metaburger.
Afinal, mal o ano começou e, para quem ainda não desconfiava, ficou claro que, ao chegar à maturidade, Markinho não procura mais uma ideologia para viver, tendo aprendido que em uma cyber tecnocracia o pragmatismo é o que lhe mantém. E assim entramos na última fase do grande ciclo de inovação que se iniciou nos anos 1960 com a criação dos bits e bytes, onde as corporações que venceram, se ajustaram e cresceram no ciclo de rápida inovação dos últimos 25 anos colhem os resultados de sua dominância e capturam os políticos e as bandeiras nacionais para que lhes defendam em seus territórios, dando início a uma balcanização do tabuleiro global, onde cada macro região aos poucos se fecha em si própria e suas riquezas, dificultando a entrada de concorrentes que lhe ameacem, em uma nova configuração geopolítica tecnológica. A última fronteira para a relevância geopolítica da indústria tecnológica foi ultrapassada, substituindo o óleo negro como motivador de decisões estratégicas no campo político.
O resultado disto são oligopólios que se apoiam e se retroalimentam de seus países e consumidores. O preço do ingresso para Markinho nesta pequena mesa de senhores cyberfeudais foi a liberdade, ainda que tardia, para os trolls do extremismo. A desejada praça comunal de conversas e conexão humana se tornou a Praça da Sé à noite, onde Rick e seus zumbis se degladiam. Mais uma dose, é claro que estou afim.
E nesta configuração de peças, restou aos meros mortais aprender a conviver com conteúdos sintéticos, falsos, golpistas e em uma realidade onde nada é o que parece e tudo pode ser manipulado. Para quem reclamou dos infindáveis banners nos anos 2000, preparem-se para a versão ao quadrado da hipotenusa, com as ferramentas de inteligência artificial explodindo conteúdos sintéticos até que todos se cansem e peguem um livro pra ler, ou se desliguem no modo zumbi, como tem sido cada vez mais comum nas ruas pelo mundo. Até que o rapaz da moto lhe tome o celular. A saída para o brainrot é o assalto.
Mas não se desalentem. Como em todo movimento de mudança extrema, há distância entre o fato e a reação. A liberdade absoluta e limitada apenas pelas notas da comunidade tende a motivar reações igualmente apaixonadas para tentar preservar o pouco de discurso democrático online que nos restou. Por conta disto, os movimentos regulatórios na Europa, Brasil, Índia, Indonésia e outros grandes centros de usuários mundiais tendem a ganhar força. A aposta de Markinho é que, em seu virtual monopólio das plataformas online em metade do planeta, político ou juiz algum, com ou sem capa preta, vai derrubar o acesso de milhões aos seus shots diários de dopamina. Será que ele sabe que o brasileiro desenrola e pula pra próxima plataforma?
Igualmente esperada será a reação dos mercados publicitários, ávidos por manter os globos oculares nas propriedades de Markinho. Considerando o cenário do que ocorreu com o Twitter (X é o de picanha, que também nos falta), a tendência é que nada de relevante ocorra, pelo simples fato de que enquanto a audiência lá estiver, também estarão os que se beneficiam dela. Se houver uma perda mínima de audiência em alguns trimestres, logo ela se recupera com poucos ajustes em políticas de discurso e conteúdos. A relevância dos malfadados influencers também se mantém neste cenário, onde aqueles que conseguem se conectar com a massa (funkeira) desfrutam de bons orçamentos, já que atuam como curadores da vida sintética em que queremos viver. O metaverso vive, você só não sabe que já está nele.
Talvez, por fim, o maior impacto desta mudança em médio prazo seja a conclusão, triste, mas necessária, de que as redes sociais podem se tornar um vício mental, com a imposição de selos de pacote de cigarro e a proibição de uso por menores até que cheguem à adolescência. Nos EUA alguns estados como Utah e Flórida já criaram leis específicas para limitar a entrada de jovens nas plataformas. A evolução desta tendência não seria improvável.
E chegamos ao futuro. Pena que os meus tênis ainda não se amarrem sozinhos e o DeLorean ainda não passou pra nos tirar dessa versão do multiverso.