A resposta é simples: quando se trata de uma tecnologia em constante (e rápida) evolução, uma regulação prematura significa a limitação do seu desenvolvimento.
A IA está na sua primeira infância. Somos surpreendidos frequentemente com novos usos e aplicações, inimagináveis alguns meses antes. E com tamanha evolução, naturalmente surgem questões sobre seu impacto, riscos e uso ético e responsável, que precisam ser inicialmente endereçadas com diretrizes e padrões. Por mais que pareça tentador responder a essas questões com uma regulação rígida e até mesmo abrangente, ela será prematura e obsoleta em um curto período de tempo.
Voltando à alusão à criança, podemos considerar o Estado – na sua função regulatória – como os pais, que guiam e ensinam os limites para a vida em sociedade, e apenas quando os filhos crescem são capazes de assumir sozinhos as responsabilidades civis pelos seus atos. Parece então prudente, partindo dessa pueril alusão, aguardar a maturidade da IA, esperar que ela esteja mais bem estabelecida, quando será possível compreender melhor suas implicações, seu impacto na sociedade e seus riscos; e termos, assim, mais elementos para regularmos seu uso de forma eficaz e justa.
Assim como na nossa educação, os pais primeiro ensinam os valores e princípios aos seus filhos, que serão, no futuro, a fundação para a personalidade e o caráter. Sem essas balizas não podemos esperar certos comportamentos básicos na vida em sociedade, como respeito ao próximo, por exemplo. O mesmo pode se falar de uma tecnologia em treinamento, alimentada por dados, que aprende com seus erros, e que é sujeita à revisão para mitigação de vieses e riscos para melhorar a cada dia. Sem princípios éticos desde sua concepção, não temos como falar de responsabilidade.
Os desafios regulatórios são comuns a muitos países. Considerando que a IA é global e que nossas empresas atuam em múltiplos mercados, não parece perspicaz afastar o Brasil dos debates com outros países e organismos internacionais para o desenvolvimento de uma regulação coerente, que considere o fator global e que seja eficaz para a IA – além de inserir o País na cadeia global de valor e atrair mais investimentos.
Justamente pela mocidade da IA, não há ainda um consenso global sobre a melhor forma de regular o uso da tecnologia. Neste contexto, os convido para a leitura do estudo elaborado pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), no fim do ano passado, com benchmarking sobre regulação de IA em cinco países: Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e União Europeia. A conclusão dos pesquisadores da ENAP aponta para um elo comum a todos os países: uma estratégia nacional de IA pensada com o objetivo de fomentar o desenvolvimento da tecnologia, enquanto amadurecem, de forma orquestrada, sua estrutura regulatória.
No estudo são apresentados exemplos que certamente apoiarão o Brasil na definição de políticas públicas para endereçar o assunto, usufruindo do olhar global e se aproveitando de melhores práticas. Destaco o caso do Japão, que adota uma estrutura colaborativa com atores públicos, privados e academia, em que o papel do governo é oferecer diretrizes para o desenvolvimento da IA responsável, com governança ágil para atração de investimentos e com foco em inovação, sem (ainda) nenhuma indicação de regulação específica.
Em vez de limitar o avanço e desenvolvimento da IA no Brasil com uma regulação densa e prematura, faz sentido primeiro falarmos de princípios e diretrizes para o desenvolvimento responsável da IA, amparados em nosso arcabouço legal e na Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, enquanto os possíveis impactos são mais bem compreendidos, tanto pela sociedade, quanto pelas empresas.
Como brilhantemente aponta o estudo da ENAP, diversos países estão debatendo como e quando regular a IA, enquanto políticas públicas de apoio ao desenvolvimento e pesquisa, capacitação e inovação são implementadas. Ser o primeiro país a regular a IA, sem olhar para essas outras frentes, pode acabar por engessar nossa capacidade de crescer, de se desenvolver economicamente e de atrair investimentos para o desenvolvimento da tecnologia no Brasil.
A bem da verdade, deveríamos estar correndo para ser o primeiro país na lista dos que investem em capacitação, pesquisa, desenvolvimento e inovação; com um olhar de longo prazo para as oportunidades que a tecnologia tem a nos oferecer como sociedade e, assim, posicionar o Brasil dentre os melhores países para se viver e fazer negócios. Essa sim é uma corrida que vale a pena ganhar.