pix automático

Trecho da campanha de débito automático de uma grande concessionária de energia, 25 anos atrás

Há cerca de 25 anos, enfrentei um desafio eletrizante como responsável pela gestão comercial de uma das maiores concessionárias de energia elétrica do Brasil: ampliar a adesão ao pagamento em débito automático das contas de luz. Para isso, contava com um orçamento tão generoso que poderia iluminar os olhos de qualquer um: um carro zero quilômetro por semana seria sorteado entre os clientes que já utilizavam ou aderissem ao débito automático, durante dois meses. Por trás dessa generosidade havia uma lógica financeira implacável. Os bancos planejavam reajustar em mais de 100% a tarifa cobrada da concessionária por cada conta paga no caixa. Na negociação, conseguimos o improvável: adiar a aplicação do novo valor por um ano, em troca da promessa de uma grande campanha para incentivar o débito automático. O custo dos carros novos era uma fração do que gastaríamos com o aumento das tarifas bancárias.

O resultado da campanha, no entanto, foi tão surpreendente quanto um apagão em dia de tempestade. Da base de quase 17% dos clientes que tinham o débito automático antes da campanha, o percentual reduziu para 16%! A explicação para esse fenômeno era tão clara quanto a luz do sol: raríssimos clientes tinham seu fornecimento de energia cortado por falta de pagamento. Afinal, para que existem os famosos “gatos” (furtos de energia) se não para manter as luzes acesas e as contas no escuro? E o mais intrigante: ninguém era negativado por essa prática. Hoje, muita coisa mudou. As concessionárias modernizaram seus sistemas, a fiscalização tornou-se mais rigorosa e a conscientização sobre o uso responsável da energia cresceu. No entanto, infelizmente, a prática dos “gatos” continua a se proliferar, como se fosse uma espécie resiliente em um ecossistema elétrico. Mas isso já é assunto para outro artigo.

O débito automático sempre foi incentivado no setor de utilities, mas nunca recebeu campanhas específicas em áreas como condomínios, escolas e planos de saúde. Os clientes que usam o débito automático para pagar contas de concessionárias e faturas de cartão de crédito enfrentam desafios consideráveis. E se vier um lançamento errado? Pague primeiro, reclame depois? Ninguém gosta dessa ideia. Um dos principais problemas é a falta de transparência e controle sobre as cobranças, já que muitas vezes o valor debitado pode ser diferente do esperado devido a ajustes tarifários ou cobranças indevidas. Além disso, o cancelamento do débito automático pode ser um processo burocrático, exigindo contato direto com a concessionária ou instituição financeira. Outro ponto crítico é o risco de falha na compensação do pagamento por motivos como erro bancário ou saldo insuficiente, o que pode resultar em juros e multas inesperadas para o consumidor. O lançamento do DDA (Débito Direto Autorizado) em 2009 trouxe um avanço, permitindo que clientes recebessem boletos digitalmente, sem papelada e com menos risco de fraudes. Mas, ao contrário do débito automático, o DDA exige que o cliente autorize cada pagamento, apesar de alguns bancos terem otimizado esse processo.

Porém, desde o lançamento do Pix, em 2020, o sistema bancário nacional passou por uma transformação sem precedentes, com impactos diretos sobre empresas, consumidores e a própria infraestrutura financeira. Agora, uma nova funcionalidade promete substituir de vez um dos métodos mais tradicionais de pagamento recorrente: o Pix Automático. Previsto para junho de 2025, representa uma revolução nos pagamentos recorrentes no Brasil. Combinando a eficiência do sistema instantâneo com mecanismos de autorização permanente, esta modalidade promete redefinir as relações financeiras entre consumidores e empresas através de quatro pilares: simplicidade operacional, centralização bancária, liquidação imediata e gratuidade para usuários finais.

O modelo permite que empresas de qualquer porte realizem cobranças automáticas mediante autorização única do cliente. A adesão ocorre via aplicativos bancários ou QR Code, com possibilidade de cancelamento imediato a qualquer momento pelo pagador, sendo que a autorização é concedida uma única vez e foi pensado para ser intuitivo e seguro. Diferentemente do débito automático tradicional, que exige convênios bilaterais entre bancos e empresas, o Pix Automático opera na infraestrutura unificada do Pix, eliminando intermediários e reduzindo custos operacionais para as empresas. Para consumidores, a experiência se assemelha à praticidade de assinaturas por cartão de crédito, mas sem taxas ocultas ou dependência de limites de crédito.

Estima-se que o Pix Automático possa movimentar US$ 30 bilhões nos primeiros dois anos, impactando diretamente setores que dependem de cobranças recorrentes. Além de beneficiar consumidores que não têm cartão de crédito, ele desafia as instituições financeiras a repensarem suas estratégias. Os grandes bancos, que tradicionalmente lucram com tarifas de cartão e convênios de débito automático, precisarão se adaptar a essa nova realidade. Alguns já estão se movimentando, com testes em andamento para serviços semelhantes e previsão de novos produtos que integrem essa funcionalidade de forma estratégica.

Embora o Pix Automático seja inovador no Brasil, há iniciativas semelhantes em outros países. O “Direct Debit” no Reino Unido e na União Europeia permite que consumidores autorizem pagamentos recorrentes diretamente de suas contas bancárias, sem a necessidade de cartões de crédito. Nos Estados Unidos, o sistema de “ACH Payments” (Automated Clearing House) também possibilita a realização de pagamentos recorrentes eletrônicos, amplamente utilizados para contas e assinaturas. Outra iniciativa que merece destaque é o “UPI AutoPay” na Índia, que faz parte do sistema de pagamentos instantâneos Unified Payments Interface (UPI). Ele permite que usuários configurem pagamentos recorrentes de maneira simples e eficiente, diretamente pelo aplicativo do banco ou de provedores de pagamento. Na América Latina, alguns países já possuem soluções semelhantes em desenvolvimento. No México, o sistema “CoDi” (Cobros Digitales) permite pagamentos instantâneos via QR Code, e há planos para incluir funcionalidades de pagamentos recorrentes no futuro. Na Argentina, o sistema “DEBIN” (Débito Inmediato) possibilita transações diretas entre contas bancárias, funcionando como uma alternativa ao débito automático tradicional. O Chile tem avançado no desenvolvimento de um sistema de pagamentos instantâneos, as Cámaras de Pagos de Bajo Valor (CPBV), uma infraestrutura financeira projetada para transações de pequeno porte e pagamentos programados. Embora ainda em fase inicial, o sistema inclui funcionalidades para débitos diretos e recorrências, com foco em interoperabilidade entre instituições financeiras.

Apesar das vantagens, a implementação do Pix Automático pode trazer desafios, entre eles a adoção e educação do consumidor. O fracasso da campanha de adesão ao débito automático, mostrada no início deste texto, mesmo com sorteios de carros, mostra que simplesmente oferecer um serviço inovador não garante sua adoção em massa. Mesmo sendo um Pix.

O Pix Automático tem potencial para ser um divisor de águas no mercado de pagamentos no Brasil. Seu modelo simplificado, acessível e de baixo custo representa um passo significativo na evolução dos serviços financeiros digitais, trazendo maior eficiência para consumidores e empresas. Ainda que desafios existam, sua implementação bem-sucedida pode consolidar o Brasil, mais uma vez, como referência global em inovação de pagamentos e acelerar a substituição de sistemas tradicionais, tornando o ecossistema financeiro mais ágil, competitivo e conectado com as necessidades da era digital.

 

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