Volto aqui para uma vez mais explorar a satisfação de ter sido convidado pela Mobile-Time para compartilhar algumas ideias sobre o assunto MVNO.

De fato, desde meu primeiro artigo apenas algumas semanas atrás temos assistido a uma série frenética de novas iniciativas no segmento que sinceramente me surpreenderam.

Claro que como Presidente de uma associação de participantes do segmento não posso deixar de ficar muito feliz em ver tanto interesse em nossa pequena lagoa. Mas, por outro lado, me sinto preso a um velho defeito: não consigo defender algo em que não acredite. Deixe-me trazer dois episódios para subsidiar os próximos temas que gostaria de abordar…

Há trinta anos, estávamos dando os primeiros passos para fazer algo grande na chegada da tv a cabo no Brasil através da Multicanal, que depois virou NET e depois, Claro.

Naquele momento fui procurado por um consultor de uma das grandes empresas de consultoria pedindo para conversar comigo sobre o segmento. Eu disse a ele que não iria atendê-lo, porque acreditava que as conclusões que tínhamos chegado sobre o negocio até ali representavam um valor importante que pretendíamos capturar sem ajudar uma possível concorrência.

Logo em seguida recebi a ligação de um diretor da tal empresa responsável pelo projeto e, às risadas, estava deliciado com minha renúncia mas queria me demover pois acreditava que o estudo que estavam preparando por encomenda de um grande cliente poderia nos beneficiar. De fato foi o que aconteceu, mas não mudei minha posição e não atendi o consultor.

Há cerca de uns três anos recebi uma ligação de dois velhos amigos do setor, gente nova, empreendedora e bem sucedida. Eles tinham sido procurados por um jovem empreendedor que acreditava haver uma ótima oportunidade no modelo “tech MVNO” de softwares empoderadores e autosserviço, e eles queriam minha opinião se deveriam investir na oportunidade ou não.

Disse a eles que não deveriam investir, não. Que o modelo de negócio do MVNO está baseado na lógica do atacado/varejo e depende fundamentalmente dela. E que, enquanto não existisse um mercado de atacado de fato com preços regulados pela Anatel, o negócio continuaria inviável.

Eles me ouviram e não investiram. O empreendedor conseguiu outros investidores e mergulhou de cabeça no modelo que acreditava. Mas teve a sabedoria de reconhecer muito rapidamente que era de fato inviável e abandonar o plano inicial remodelando-o em outra direção longe de MVNO.

Enquanto persistisse a situação de “livre negociação” definida pela Resolução 550 da Anatel que regulamentou o segmento, ele era inviável exceto em situações muito particulares.

Como não sou apenas um dirigente de associação mas estou envolvido diretamente no setor, preciso balancear minha sinceridade e o desejo de contribuir com o segmento sem prejudicar meus próprios planos. Espero continuar a fazer isto e merecer o credito de meus pares e analistas como do Mobile Time.

Há um ex-presidente da Anatel que dizia que se o preço da farinha for superior ao do pão o negocio da padaria é inviável. Isto é de uma obviedade colossal. Mas mais do que isto: quando se fala assim faz soar que o negócio de uma padaria é simples: comprar farinha e vender pão. Pra quem pensa assim sugiro que gaste uma meia hoje dentro de uma das centenas de boas padarias no Brasil e em especial de São Paulo. Se alguém achar que sua gestão é algo simples então não entende de gestão….Pessoal, dezenas de tipos de pães, biscoitos, doces, mesas, café-almoço-jantar, suprimentos, impostos, pessoal, trabalhista, regras sanitárias, custo do ponto e do aluguel: vender pão em um mercado competitivo como este não tem nada de simples.

Da mesma forma é o negócio das MVNOs: se alguém acha que se trata apenas de comprar tráfego no atacado e vender no varejo, está muito enganado. Este setor é o de telefonia móvel celular com toda sua complexidade: qualidade da rede e seus serviços, planos, marca, distribuição, concorrência, serviço ao cliente, churn. É tão complexo quanto o de uma padaria.

No Brasil surgiram os chamados agregadores, que resolvem uma parte importante do problema. Surf, Datora, Telecall, em alguma medida Americanet e agora Algar, vieram ocupar este espaço e permitir que empresas mais voltadas à comercialização possam atuar cuidando apenas de uma parcela da complexidade.

Mas, por outro lado, torna ainda mais grave a questão das margens, que já são apertadíssimas para quem se pendura na MNO tendo alguém (ainda que realizando um trabalho importante) no meio.

Tenho dito também que acredito na presença de varejistas no mercado de MVNOs pois endereçam bem as variáveis ‘marca’ e ‘distribuição’, em especial pela forma como os distribuidores de recarga de pré-pago vêm sendo dizimados pelas operadoras – perspectiva talvez atenuada pelos graves problemas que o varejo em geral o Brasil atravessa, pelo menos no curto prazo.

As movimentações recentes da Algar, que é grande quando comparada aos demais players que não são operadoras, e presumindo que acertou seu modelo regulatório, deve oferecer novidades.

Mas o grande evento a oferecer alguma esperança foi a exigência das ORPAS de MVNO colocadas pelo CADE como condição para aprovação da venda da Oi. Este foi o primeiro divisor de águas importante desde a Resolução 550, mas ainda não é suficiente.

Os aumentos coordenados de preços praticados pelas operadoras e o crescimento de seus lucros logo após a compra da Oi favoreceram a iniciativa determinada da Anatel de propor a inclusão do MVNO no PGMC (Plano Geral de Metas de Competição), cuja revisão está em suas etapas finais – e o segmento MVNO espera confiante que seja aprovada.

Aí ficará a questão final e definitiva: preços reais de atacado nas ORPAs das operadoras. Os preços definidos nas ORPAs inicias são absolutamente inviáveis e irreais. Esta é a grande batalha que se aproxima ainda neste ano e, a meu ver, definirá se o segmento é de fato viável e capaz de cumprir sua missão de oferecer competição real em beneficio do consumidor brasileiro!  Ou se iremos continuar a deixá-lo à mercê de um pequeno cartel.

Vencida esta batalha poderemos focarr em atacar outros problemas urgentes: a revenda ilegal de serviços, os falsos SVAs, os falsos contratos corporativos, as Cooperativas….tem muita coisa acontecendo à margem da legislação que precisamos fazer com que a agência de fato atue para sanear esta parcela relevante do mercado.

 

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