E quando percebemos já estamos quase 30 anos adentro do século XXI. Não há carros voando nem andando sozinhos, não há tênis que se amarra nem jaqueta que se seca e os problemas dos últimos séculos nos perseguem com a teimosia de serem consequências de nossa falha natureza humana.
Mas há esperança. E robôs. Não na forma de exterminadores, robocops ou transformers, quem dera, mas como elementos de software que resolvem nossas vidas, automatizam as chatices do cotidiano e nos trazem um imediatismo que faz o tédio ser um sentimento por oras desconhecido. Ah sim, você está aí ainda, tédio? Não foi embora por que?
Com toda a inovação do software e suas vertentes no machine learning, deep learning e a mais querida inteligência artificial, muitos já pensam quando é que a Scarlet Johansson vai começar a falar conosco, porque só com Siri não temos tido muito sucesso, não.
Os algoritmos de inteligência artificial são nossa melhor aposta em um futuro automatizado, justo, rico e idealizado. É nossa aposta para resolver os ruídos no relacionamento social, eliminar o problema de ser humano, já que robôs não sofreriam de preconceito, exaustão, falta de saco ou qualquer outro motivo para parar de trabalhar corretamente. Robôs seriam o melhor que nós, pobres e reles mortais, conseguimos fazer para pararmos de viver em um mundo condenado a nossas falhas.
Só que para que este cenário se materialize, precisamos resolver diversas questões de base. Uma é que não, robôs não são perfeitos. O termo machine bias já virou jargão, por exemplo, demonstrando que a alimentação e o treinamento das maquinetas com bases de dados falhas e sem toda a diversidade de visões, cores, cheiros e ângulos humanos levará fatalmente a robôs com visões limitadas da sociedade, prejudicando minorias nas decisões que vier a tomar.
Por conta disto, inclusive, a nossa Lei Geral de Proteção de Dados copia e mantém da GDPR europeia o direito de revisão humana de decisões tomadas por algoritmos, especialmente quando houver tratamento automatizado, ou seja, quando apenas o robozinho decidir que seu crédito não é bom pra comprar o novo iPhone. Não há, contudo, obrigação de qualquer nível de governo ser obrigado a revisar ou deixar auditar algoritmos que utilize para suas decisões, o que mesmo assim já se prova falho, como alguns artigos acadêmicos já atestam. Revisar como os algoritmos atuam nem sempre é possível, e não seremos nós, reles sapiens, que vamos entender tudo isso, ou seja, em algum momento teremos que definir o quanto de automação e robôs queremos em nossas vidas e o quanto de benefícios teremos em troca da possibilidade de erros que fatalmente virão.
Além disto, mas não menos importante, teremos que definir quem são os robôs nesta nossa sociedade “futurística”. Há pouco mais de 500 anos, quando tivemos as grandes navegações, com seus imensos riscos e recompensas, foi preciso inventar formas de separar as empreitadas de seus capitães e comandantes. Surgia a figura da pessoa jurídica, inventada pelos holandeses, para evitar e limitar a possibilidade de perdas de quem viesse a patrocinar as aventuras. Esta ficção jurídica, fruto da imaginação coletiva de milhões de nós, permitiu o desenvolvimento econômico multinacional dos últimos séculos e a globalização.
Uma das teses acadêmicas é que os robôs e algoritmos representam uma nova inflexão humana, que também necessitará de uma separação jurídica, ou seja, os robôs em algum momento precisarão ser titulares de direitos e responsabilidades, tanto quanto eu, você e o seu cachorro.
Por ora, ainda há muita polêmica – seja jurídica – impedindo que robôs sejam titulares de direitos sobre aquilo que criaram – ou cultural, torcendo o nariz quando robôs são reconhecidos por sua maestria em alguns campos da criatividade. Com o advento de robôs como Dall-E2 e todo o revolucionário impacto que este traz para as artes criativas, não nos falta muito para chegar a este momento.
Juridicamente, as melhores teses apresentadas nos recomendam o direito de escolha e consentimento sobre a atuação dos robôs e os tipos de decisões que tomarem, o que será útil quando tivermos robôs controlando nossos veículos, financiamentos e economias, auxiliando em nosso dia a dia de trabalho e rotinas. Definir de antemão o máximo possível como queremos que robôs atuem nos será essencial para termos uma relação fluida com este mundo do futuro.