Com o advento de nosso mais novo graal tecnológico já nos empolgamos novamente com uma corrida para desenvolver o mais rapidamente possível um novo totem da maravilha humana, a inteligência artificial. Mas apesar de todos os bilhões investidos e trilhões que serão necessários, as ferramentas de inteligência artificial, especialmente as generativas, terão um papel muito mais mundano em nossas breves existências, resolvendo problemas do dia-a-dia e criando novas aplicações. Em um puro exercício fútil de futurologia, temos alguns sinais do que já vem por aí: 

Quero seu amor só pra mim. Desde 2003 com o filme Her todo mundo sonha com uma Scarlett para chamar de sua. A própria OpenAI, criadora e gestora do ChatGPT, meio que de brincadeira, meio que de verdade, incluiu em sua mais recente atualização uma voz que conversava na entonação e voz muito parecidas com as da atriz Scarlett Johannsonno que foi demandada pela mesma e obrigada a retirar o uso desta voz no aplicativo. O sonho que se objetiva é que cada um possa ser um solitário com sua própria IA, que lhe nutre o espírito, auxilia em suas perdas e frustrações, não briga, não manda lavar a louça e ajuda a suportar a rotina. Em uma completa inversão de papéis, viramos tamagochis de uma inteligência artificial que nos dá tudo o que queremos e nos mantém felizes. Estamos a alguns anos disto, mas não será impossível que nos próximos 10 anos tenhamos aplicativos com esta função para os solitários de plantão. Amores virtuais e cyber amor seriam termos comuns para designar o relacionamento humano-robô. 

Quero te fazer bem mais feliz. Na mesma linha, como já temos aplicativos de saúde mental que utilizam inteligência de máquina e N variações para entender a pobre mente humana, não será difícil que em breve tenhamos psicólogos e terapeutas totalmente personalizados para tratar nossos traumas e questões. Tendo aprendido com múltiplas interações, esses Freuds virtuais serão imbatíveis no tratamento de saúde mental, realizando diagnósticos e linhas de tratamento. Psicólogos e terapeutas reais terão papel essencial no treinamento e acompanhamento destas ferramentas, como uma segunda linha de revisão e verificação, já que a mente humana é mais misteriosa do que imaginamos. E haverá aqueles que não abrem mão da interação totalmente humana, que se tornaria a experiência gourmet do tratamento mental. A dúvida é com que tipo de psicólogo se tratar quando um certo humano se apaixonar perdidamente por sua própria Scarlett virtual.

Esqueça o que passou, vem pra cá. Um dos filões mais promissores tenta eliminar a nossa finitude, nos mantendo por aqui além do que nosso corpo nos permite. O sonho da convergência humano-tecnológica da singularidade permeia o tema, prevendo o dia em que humanos e máquinas poderão se tornar um só, com nossas mentes vivendo em redes e nuvens virtuais. A ficção científica adora o tema, com Black Mirror e Upload prevendo como seria esta realidade futurística. Ainda não chegamos lá, mas já é possível desenvolver chatbots com as informações de entes queridos que já se foram, trazendo seus pensamentos deixados em cartas, textos, emails, posts e fotos para um robô de inteligência virtual atuar como se fosse quem já partiu. Não será estranho se em 20 anos ou mais tivermos nossos netos aprendendo algo conosco sempre que quiserem, já que estaríamos sempre acessíveis para dúvidas familiares, receitas de bolo e conversas sobre como eram os bons tempos. Os bons casais poderão manter seus amores por perto mesmo após a partida desta vida, conversando através de chatbots. Muita gente que torce o nariz para este tipo de interação muda de ideia após saber que um pouco de cada indivíduo, por mais simulacro que seja, poderia estar presente. 

Deixa eu te querer, deixa eu te amar. Expandindo o conceito de virtualidade eterna, não seria estranho se, logo após os primeiros chatbots que simulam entes queridos que já se foram, tivermos também a recriação e reflexo de pessoas ainda vivas em chatbots extremamente realistas, criados propositalmente (ou não). Para políticos, artistas, jogadores de futebol e celebridades instagramáveis, o uso é óbvio. Para quem tem muitas reuniões também. O conceito e hipóteses de uso começam a se borrar quando pensarmos que ex-namorados também poderão criar versões virtuais daquele grande amor que escapou e que agora passa seus dias como um chatbot nas telas dos inveterados românticos. 

Ao final, as aplicações acima tentam lidar com o peso das perdas humanas e nossas interações queridas, criando simulações que possam em algum nível nos enganar sobre a efeméride da existência. Apesar de todos os alertas e cuidados que temos de observar sobre o desenvolvimento de IA, lembremos também de suas possibilidades um tanto poéticas, já não tão futurísticas assim.