Anunciado como um subproduto do GPT-3 no final de 2022, o “ChatGPT”, lançado pela OpenAI está com o seu momento iPhone e vem ganhando grande relevância no mundo da tecnologia, como foi o caso do icônico smartphone lançado pela Apple em 2007. Ainda é muito cedo para falar alguma coisa, mas certamente o ChatGPT será apontado como um dos principais catalisadores da adoção em massa das tecnologias de inteligência artificial generativa nos próximos anos.
Em tradução livre, o ChatGPT é uma aplicação baseada em texto que utiliza o modelo de Transformador Generativo Pré-Treinado 3 (GPT-3) e tem o funcionamento muito semelhante ao de um chatbot, não é à toa que o nome é Chat + GPT. Foi lançado pela OpenAI como uma nova versão do seu Modelo de Linguagem Grande (LLM, na sigla em inglês), e é um dos serviços disponíveis na plataforma, junto a outros que podem produzir imagens e até trechos de códigos de programação.
A grande novidade do ChatGPT é a capacidade de o modelo produzir diálogos com uma linguagem “muito próxima da humana” e com uma dinâmica de conversa via chat: criando questões, admitindo erros, e até se recusando a falar sobre determinados assuntos. Perceba: não utilizei “humanizada” de propósito, pois o modelo analisa várias fontes de dados e até conta com uma ajuda humana para produzir as respostas de forma 100% automatizada.
Apesar do modelo nem sempre responder corretamente, seja utilizando de fatos desatualizados ou referências equivocadas, as conversas abertas e a riqueza de detalhes impressionam. Por isso que, nas últimas semanas, o ChatGPT se tornou um dos assuntos mais comentados e vem ganhando cada vez mais espaço nas comunidades de tecnologia mundo afora.
Colocando esse interesse global em números, o ChatGPT teve um crescimento do zero a um número superior a um milhão de pessoas usuárias em apenas cinco dias. Além disso, há rumores de que a Microsoft tem interesse em investir US$ 10 bilhões de dólares na OpenAI e está com planos de adicionar funcionalidades semelhantes ao ChatGPT em seus produtos –, recentemente a Microsoft disponibilizou o Azure OpenAI Service.
Com inúmeras aplicações e casos de uso, também surgiram novas formas de colaborar com essa ferramenta no processo de criação de chatbots, podendo auxiliar tanto na escrita de conversas como também na curadoria.
Não é o caso de substituir profissionais da área, mas é uma ferramenta que pode empoderar e ajudar a abrir a mente para novas ideias e adicionar agilidade no processo como um todo – assim como é o uso do Google Docs que utilizo para escrever esse texto: me ajuda a corrigir pequenos erros, escrever e a compartilhar minhas ideias com agilidade; caso contrário, teria que escrever à mão ou enviar minhas anotações por correios.
Como funciona o ChatGPT?
Tudo acontece através da inteligência artificial e de suas subáreas, como os modelos de aprendizagem de máquina e aprendizagem profunda. No caso do ChatGPT, o modelo base é chamado de LLM, do inglês Large Language Model, e a sua aplicação prática é uma derivação do Processamento de Linguagem Natural (NLP).
Em uma simples comparação: enquanto o NLP é uma ferramenta que ajuda a interpretar mensagens e transformá-la em uma forma estruturada de dados para análise ou geração de texto, o LLM é uma forma de se gerar textos e extrair informações de uma grande base de dados a partir do NLP.
Para isso funcionar na prática, é necessário uma “grande” base de dados para realizar o treinamento do modelo, que é refinado, utilizando uma técnicas de Aprendizagem de Reforço com Feedback Humano (RLHF). Aí entra o famoso GPT-3, que nesse caso é uma adaptação do modelo chamado GPT-3.5.
Na teoria é algo complexo e até você receber as suas respostas, a mágica acontece em três etapas:
- Coleta dados de demonstração e treinamentos com uma política supervisionada;
- Coleta dados de comparação e treinamentos com um modelo de recompensa;
- Otimização de uma política em relação ao modelo de recompensa usando a Otimização de Política Proximal.
Em outras palavras, a partir de uma grande base de dados e algumas regras (GPT-3.5), o modelo realiza várias comparações de respostas e vai refinado até chegar em uma possível resposta. Parece até mágica, pois tudo isso acontece em alguns segundos através de uma conversa via chat. Inclusive, dependendo da mensagem de entrada ou comando (prompt) fornecido para ChatGPT pela pessoa usuária, as respostas podem ser mais elaboradas e ricas em detalhes.
Na prática parece algo muito futurista, mas não é tão novo assim. Por exemplo, para quem utilizou o Google Translate nos últimos anos, saiba que o funcionamento é muito parecido com o ChatGPT e utiliza um LLM para chegar na tradução correta. O funcionamento você já sabe: você fornece exemplos do que precisa ser traduzido, o Google Translate traduz para você por modelos de aproximação e pronto, você sabe o que “How are you?” significa; se julgar necessário, você mesmo pode “refinar” a tradução para uma mais adequada.
No caso do ChatGPT, não é apenas a “tradução”; os casos de uso são muito mais abertos e isso torna a ferramenta muito mais interessante. Ao acessar a ferramenta, logo acima da caixa de mensagens tem algumas características e casos de uso fornecidas pela própria OpenAI:
- Exemplos de prompts: “Explique computação quântica em uma linguagem simples” ou “Como fazer uma requisição HTTP em JavaScript”;
- Capacidades: lembra o que a pessoa usuária falou em uma conversa, permite a correção de texto e também pode se recusar a pedidos inapropriados;
- Limitações: pode ocasionalmente gerar informações incorretas, instruções prejudiciais ou conteúdos tendenciosos, e tem conhecimento limitado do mundo e eventos após 2021;
Diante dessas opções, basta você iniciar digitando o seu comando (prompt) e em segundos você terá a sua resposta. Tudo isso numa dinâmica de conversas via chat, semelhante a um chatbot. Apenas para ilustrar o quão “aberta” pode ser essa conversa, aqui estão alguns exemplos de prompts que você pode utilizar agora (e se impressionar com os resultados):
- O Ayrton Senna é considerado um dos melhores pilotos de F1 de todos os tempos. Escreva dois parágrafos explicando o porquê.
- Faça uma análise das ações da Apple e relacione alguns fatos que indiquem um pico no crescimento das ações com o lançamento dos seus principais produtos.
- Crie uma tabela com os dez maiores jogadores de basquete da história da NBA, na primeira coluna a sua posição, na segunda o seu nome, na terceira coluna os nomes dos times, na quarta o total de pontos da sua carreira, na quinta o total de jogos e na sexta a média de pontos por jogo. Se possível também adicione colunas com as taxas de aproveitamento de arremessos, lance livres e três pontos.
Há quem diga que em um futuro próximo vamos ver profissionais especializados em gerar prompts e já estamos começando a ver uma nova camada de serviços com tecnologias de IA generativa. Ainda é muito cedo para falar algo, mas as oportunidades são muitas e quase todo dia surge algo novo. É justamente por isso, que nas últimas semanas começaram a surgir vários tutoriais de como criar prompts mais criativos para gerar respostas mais relevantes.
No caso dos chatbots, também é possível se beneficiar dessa relação e uso da ferramenta nos processos de criação de textos/conteúdos para as conversas e até mesmo na curadoria. De uma maneira geral, é necessário criar prompts específicos para gerar respostas para essas tarefas e ainda sim, será necessário uma pessoa humana para fazer o refinamento e curadoria das respostas mais relevantes para o trabalho que ela está desenvolvendo.
Como utilizar o ChatGPT na criação de textos para chatbots
O ChatGPT é uma ferramenta poderosa e pode ser utilizada em algumas situações para desbloquear a criatividade ou abrir a mente para novas ideias. Para isso, é necessário gerar prompts (comandos) específicos para que o ChatGPT possa desenvover respostas adequadas para o caso de uso que a pessoa está trabalhando.
Para quem trabalha na criação de textos ou conteúdos para conversas, um dos primeiros desafios é “iniciar” uma conversa do zero. Mesmo com todo o cenário mapeado e casos de uso, é comum a gente refletir alguns minutos antes de escrever; algo muito semelhante a escrever uma redação, precisamos pensar no que e como escrever. Com o ChatGPT, você pode criar prompts para simular conversas entre duas pessoas e analisar os diferentes caminhos que essa conversa pode tomar, a partir desse exemplo você pode “destravar sua criatividade”.
Se fosse uma peça de teatro, seria o mesmo que analisar uma improvisação entre duas pessoas e ver até aonde a imaginação pode levar a conversa; parece algo distante ou fora da realidade, mas saiba que é muito comum esse tipo de exercício (simular conversas) e há até abordagens mais estruturadas para isso, como é o caso do método Mágico de Oz em UX (Experiência da Pessoa Usuária), muito útil em testes de usabilidade e conceito.
Um exemplo de prompt para “simular uma conversa” pode ser simples e objetivo, como também pode ser bem elaborado e com detalhes – teste o seguinte prompt: “Simule uma conversa entre duas pessoas, onde participante A é uma pessoa universitária, bastante comunicativa e nas casa dos 20 anos, e participante B é um jovem barista que está no seu primeiro dia de trabalho em um café. Pessoa A deseja pedir um Latte com leite vegetal, mas deseja conhecer mais opções antes de pedir. A conversa acaba no momento em que Pessoa B entrega o café para Pessoa A.”
Outra atividade que é muito comum nesse processo de criação é analisar e idealizar fluxos de conversas, seja para casos de erro ou sucesso. Inclusive, boa parte das primeiras versões do design conversacional dão prioridade aos “fluxos felizes” ou fluxos de conversas que são finalizadas com sucesso. Além disso, em um estágio inicial do projeto também é uma boa prática ter alguns fluxos de reparo, ou fluxos de conversas para lidar com situações de erro.
Da mesma forma que podemos usar o ChatGPT para simular conversas abertas, podemos criar prompts para criar fluxos felizes e também de reparo. Aqui estão dois exemplos simples que você pode testar agora:
- Fluxo feliz: Crie um fluxo feliz uma conversa com um chatbot onde a pessoa irá solicitar a segunda via do boleto da sua fatura de cartão
- Fluxo de reparo: Crie um fluxo de reparo para uma conversa com um chatbot onde a pessoa irá solicitar um café expresso, mas no meio do pedido muda de ideia e acaba pedindo um cappucino.
Também é possível usar o ChatGPT para desbloquear a criatividade para escrever variações de textos. Com um simples prompt, você pode solicitar variações com sinônimos ou com um toque de formalidade: Escreva 5 formas de perguntar sobre “você poderia informar o número do seu pedido?” com um tom de voz mais formal e outro mais informal. E se achar que faz sentido, você também pode continuar a conversa e pedir mais variações: “Escreva mais exemplos informais de forma descolada.”
Como utilizar o ChatGPT na curadoria de chatbots
Uma outra utilização poderosa do ChatGPT é na geração de frases exemplos para intenções e sinônimos para entidades. Essa dupla é fundamental no processamento de linguagem natural e ajuda o modelo de inteligência artificial a interpretar as mensagens de forma adequada.
Lembre-se: as intenções são ações ou objetivos que as pessoas expressam em suas mensagens; já as entidades, são valores-chave conhecidos pelo modelo e ajudam a dar contexto às intenções. Por exemplo, quando uma pessoa pergunta para um chatbot “vai chover amanhã em São Paulo?”, podemos inferir que a intenção da pessoa é saber “a previsão do tempo” e as entidades são “amanhã” e “São Paulo” que representam data e local respectivamente.
Apesar da Inteligência Artificial ter um poder computacional incrível, ela não é muito inteligente. O seu conhecimento é limitado a sua base de conhecimento e os exemplos que compõem o modelo. Por isso que o trabalho da curadoria é fundamental para alimentar e ajudar o modelo a expandir o seu conhecimento sobre um determinado tema. É um trabalho que nunca acaba e assim como nós, humanos, vamos ter coisas novas para aprender com o passar do tempo.
Como o ChatGPT pode ser utilizado para auxiliar no processo criativo, não é diferente para o caso da curadoria que também exige muita criatividade. Podemos utilizar essa ferramenta para nos ajudar a pensar formas diferentes de perguntar ou falar sobre algo.
Nesse sentido, podemos pedir para o ChatGPT nos ajudar com:
- Geração de exemplos para intenções: liste 10 maneiras de alguém dizer “quero solicitar uma segunda via do boleto”
- Geração de sinônimos para entidades: Liste 20 sinônimos ou formas diferentes de dizer “quarto de solteiro”
- Criar casos de teste: Liste 10 exemplos ou início de conversas referentes a “aumentar o crédito do meu cartão de crédito”
Apesar de semelhantes, nem sempre essas atividades são realizadas pela mesma pessoa. Algumas empresas têm times dedicados para lidar apenas com o design conversacional e outro com a curadoria, há algumas exceções que são a mesma pessoa. Por isso, o ChatGPT vem crescendo muito pois ele ajuda diferentes pessoas com diferentes necessidades.
O que vem por aí?
Toda essa empolgação com o ChatGPT faz muito sentido, pois realmente as aplicações e casos de uso são impressionantes e diversos. Contudo, ainda estamos nos primeiros dias dessa nova tecnologia e temos muito o que aprender, tanto os casos de uso bons como também os ruins.
Um dos principais problemas que devemos enfrentar a curto prazo será em relação ao uso responsável e ético dessa tecnologia: isso por parte de quem usa e de quem cria através dessas tecnologias generativas. Apenas para introduzir o cenário, pense nas seguintes situações:
- Imagine que uma pessoa estudante precisa realizar um trabalho da faculdade, mas ao invés disso pede para o ChatGPT escrever a sua dissertação.
- Imagine uma pessoa artista que tem uma ideia em mente e tem um estilo artístico específico, ao invés de desenhar essa pessoa simplesmente usa o DALL-E para criar várias peças de arte.
No caso da pessoa estudante, será que a dissertação está com os fatos e dados corretos? Ou melhor, será que é ético por parte do estudante simplesmente entregar a redação sem dar os devidos créditos para o ChatGPT? Curiosamente, isso é o que uma escolas em Nova Iorque e Seattle estão tentando resolver. Por enquanto, ChatGPT está proibido nessas escolas e tem um bloqueio pela internet das instituições. Por outro lado, há quem diga que ao invés de banir, devemos ensinar as crianças a colaborar com essas tecnologias do futuro, afinal essa nova geração será o nosso futuro.
No caso da pessoa artista, é uma discussão bem interessante, pois no processo criativo precisamos nos inspirar em algo ou partir de algum ponto de partida. Nesse caso, procurar por fontes de inspiração não é o grande problema aqui. O problema está nos dados de outras obras de artes e artistas que são utilizadas como inspiração pelo DALL-E para gerar esse novo tipo de arte generativa. Será que esses modelos estão usando esses dados corretamente ou creditando suas inspirações?
Por enquanto só tenho as perguntas, as respostas vamos aprender com o tempo e com as cenas dos próximos capítulos. Uma coisa é certa: vamos ver novas tecnologias para lidar com essas tecnologias de IA generativas; já temos um breve exemplo de um estudante que criou o GPTZero para identificar textos generativos.
Ainda estamos nos primeiros dias de uma nova era de serviços e tecnologias e esse crescimento está bem acelerado. Por exemplo, em menos de um mês o ChatGPT saiu de um lançamento para ser parte de um anúncio no YouTube estrelado por ninguém menos que o ator global Ryan Reynolds. Quanto tempo vai levar para uma criança ou alguém menos tecnológico utilizar uma tecnologia generativa perto de você?