O mercado brasileiro de bots continua em ritmo de expansão no Brasil. É o que aponta o estudo mais recente da Mobile Time sobre o “Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots”. Os números são impressionantes e continuam crescendo desde 2017 (início da pesquisa):

  • 317 mil bots foram produzidos em 2022
  • Dos quais, 58 mil bots ainda continuam ativos
  • E com uma média mensal de 4,5 bilhões de mensagens por mês
  • Atendendo uma média de 78 mil pessoas por mês

O mercado de bots e mensageria como um todo continua crescendo não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro e com novas oportunidades no horizonte.

Considere o Google RCS como um exemplo; o novo protocolo de comunicação parecido com o SMS, mas cheio de interatividade e novas mídias, que está sendo desenvolvido pelo Google em parcerias com as operadoras ao redor do mundo.

Um estudo da Juniper Research aponta que a adoção do Google RCS e a incorporação desse protocolo em produtos da Apple vão incentivar o crescimento da mensageria no setor corporativo em até 63%. A expectativa é crescer o valor de mercado desse segmento de US$ 48 bilhões em 2022 para US$ 78 bilhões de dólares até 2027.

É um número gigantesco relacionado apenas a um novo protocolo de mensageria ligado a um canal específico (o antigo SMS). Contudo, apesar da baixa demanda no Brasil, os demais canais (WhatsApp, Instagram, Chats online, e mais) crescem em escala através do conceito de Mensageria para Negócios.

Com tanta expectativa de crescimento e investimento na área, é normal que surjam dúvidas em relação às estratégias corporativas e às melhores práticas para implementar um projeto na área.

Neste artigo compartilho dicas como “estratégias de sucesso” com alguns comentários sobre o que pode ser feito e evitado em um projeto conversacional.

Pilares de uma implementação de um chatbot com sucesso

De caso de uso com centricidade em clientes até um bom design de conversas, aqui estão alguns pilares importantes para desenvolver um chatbot com sucesso:

1) Caso de uso bem definido e centricidade em clientes

Por mais óbvio que pareça, nem sempre as empresas definem bem um caso de uso para um chatbot. Como caso de uso, considere qualquer ação ou proposta de valor que o projeto visa impactar ou dar suporte. Nesse sentido, considere desde realizar uma tarefa específica até atender as pessoas estrategicamente através de um canal.

A definição do caso de uso também pode ser sobre aprender mais sobre o contexto ou o que as pessoas consumidoras desejam naquele canal, mas para isso é preciso desenvolver a conversa para que essas oportunidades possam surgir organicamente.

Para ilustrar essa situação, imagine que você tem interesse em adquirir crédito para a compra de um imóvel e você se depara com duas situações:

  1. Ao chegar numa agência bancária, orientam você a falar com uma pessoa para ela orientar você sobre os próximos passos;
  2. Ao chegar numa agência bancária, orientam você a falar com uma pessoa especialista de investimentos de crédito para imóveis.

Você pode até argumentar que a opção (2) terá mais conversões e será uma jornada mais curta, mas provavelmente ela não coletará tantos dados orgânicos como a opção (1). Afinal, as pessoas falam o que desejam e esperam esclarecer nesse contato. Para isso dar certo, todo o design da conversa precisa guiar a experiência bem como ser uma oportunidade para coletar dados orgânicos.

Nesse sentido, ambas opções são válidas e podem ser consideradas pontos de partida de um projeto:

  • A opção (2) é mais curta e objetiva, mas precisa ser mais bem desenhada e validada (com um maior investimento de pesquisa, refinamento e desenvolvimento).
  • A opção (1) é mais indicada em etapas de descobertas e podem ajudar a refinar a jornada futura (é o caminho mais enxuto).

Quando não tiver certeza sobre o que fazer, comece pela opção 1 e evolua para opção 2. É muito comum encontrarmos hoje projetos que começaram com apenas um caso de uso, e hoje contemplam várias outras funcionalidades (ou skills) internas dentro do seu projeto.

O que não pode acontecer é a sua equipe idealizar algo parecido como a opção (1), e não ter pensado em como coletar esses dados ou guiar a conversa para um caminho sem-fim. Isso gera uma experiência frustrante para todas as partes, especialmente para o usuário final, pois não consegue encontrar o mínimo de informação necessária para seguir adiante.

Definição de “dados orgânicos”: por dados orgânicos, entenda todo tipo de dado que pode ser gerado organicamente por uma pessoa através de uma mensagem de texto, áudio ou até mesmo imagem. A pessoa na sua mensagem de texto pode dar muito mais detalhes sobre o porque ela está buscando aquela solução e vai muito além de um log de clique em um botão (saber mais).

Definição de “enxuto”: enxuto deriva da expressão “Lean” e é muito usada em desenvolvimentos de produtos ou inovação; há várias variações Lean UX, Lean Startup, etc. Nesse caso, uso como base o livro Lean Inception, autoria do Paulo Caroli: o conceito ajuda times a alinhar pessoas (partes interessadas/stakeholders) a construir o produto certo.

2) Desenvolvimento incremental e estratégico com base em dados

Diante de um projeto conversacional, os dados são muito mais orgânicos e podem servir como insumos para vários tipos de análises. Como em outros produtos e serviços digitais, é comum lidar com dados de viés operacional, performance, negócios, e outros do tipo conversacional.

As métricas precisam gerar inteligência para o caso de uso definido em (1) e as evoluções do produto também visam atender esse objetivo. As métricas podem ser sobre

  • Indicadores de sucesso: algumas formas de mensurar e analisar esses dados incluem frameworks como OKRs (objetivos e resultados chave), H.E.A.R.T (abordagem para escolher as principais métricas que ajudam a melhorar a experiência) e até uma Estrela do Norte (métrica principal do projeto que influencia em toda a evolução do projeto)
  • Métricas operacionais: alguns exemplos de diferentes tipos de métricas que podem ser analisadas em um projeto conversacional: volumetria, taxa de abandono, retenção, taxa de transbordo humano, taxa de completude de jornadas, satisfação, acurácia, precisão, etc. 

De toda forma, o dado por si só não gera informação. Ele precisa ser processado ou cruzado com outras fontes de dados para criar inteligência e gerar aprendizados. Além disso, a análise do dado orgânico dentro de um projeto conversacional pode ser muito mais rico que outros dados.

Tome, por exemplo, os dados que podem ser analisados através do Google Analytics (GA); ferramenta desenvolvida pelo Google e amplamente utilizada na indústria de produtos e serviços digitais. O GA indica dados de acesso, dados demográficos e até apresenta fluxos de conversão dentro de um site ou app. Contudo, uma conversa com um chatbot pode indicar o que a pessoa deseja saber ou realizar naquele site a partir da sua mensagem – o que é bem diferente de analisar cliques ou dados demográficos de acesso.

Dependendo do tipo do bot, se é receptivo (atendimento) ou de qualificação de leads (marketing), ele pode ter toda a sua conversa analisada para ajudar a priorizar os principais assuntos.

No processo de revisão de curadoria ou até mesmo a análise de performance do projeto, se bem implementada e com o uso de ferramentas que auxiliem esse trabalho, rapidamente conseguimos identificar desde os principais objetivos de iniciar a conversa até os principais tópicos. Dessa forma, podemos seguir com a tomada de decisão e ir “enriquecendo” a base para tornar o bot mais robusto, de forma que possa atender o maior número de pessoas naquele canal.

Por isso é muito comum alguns bots conseguirem evoluir e adquirir novas habilidades com o passar do tempo. O que deveria ser evitado em um projeto conversacional é ignorar esses dados e o processo de curadoria como um todo.

Os dados são poderosos guias e fontes de inteligência para um projeto conversacional. E um projeto conversacional sempre está evoluindo.

3) Estabelecer confiança no canal

Embora esse pilar seja o mais simples, certamente ele é um dos mais complexos. Estabelecer ou criar confiança em um determinado canal é fazer com que as pessoas se sintam seguras e tenham preferência por optar por um canal específico.

No caso de um projeto de chatbot, é torná-lo o principal meio de contato com clientes de uma determinada marca para realizar uma determinada tarefa. Vimos isso acontecendo com o lançamento de vários assistentes virtuais das empresas nos últimos anos, mas nem todos ficaram por muito tempo.

Na teoria é fazer o que se promete ser feito no canal. Na prática, é tornar um canal como o principal ponto de contato de comunicação de clientes de uma determinada marca para atender uma determinada necessidade.

Não estou dizendo que todos os contatos de uma marca precisam acontecer através de um único canal, mas naqueles canais que a marca se diz presente e capaz de atender as pessoas, ela precisa garantir que isso seja feito com excelência. Não é o tema desse artigo, mas esse conceito vai muito além dessa frase e entra na área de omnicanalidade (vale a pena dar uma pesquisada).

Aqui no Brasil vemos algumas marcas que se destacam nesse sentido, com projetos que vão evoluindo com o tempo e ganhando corpo com o tempo. O Banco do Brasil, por exemplo, concedeu R$ 10 milhões de empréstimo via WhatsApp em dois meses com uma funcionalidade nova de empréstimo e em média atende 10 milhões de pessoas no WhatsApp por trimestre.

Em suma, estabelecer confiança em um canal é um sinal de adoção e um bom trabalho de evolução de um projeto conversacional.

4) Crescimento de pontos de entradas e estratégias de crescimento de adoção

Outro fator crucial para o sucesso do seu projeto é o crescimento da base e do uso do chatbot. Não basta apenas desenvolver o projeto: é necessário pensar em ações e outros tipos de engajamento que direcionem as pessoas para o seu chatbot.

Nesse sentido, entram os experimentos da área de crescimento/growth e geração de demanda. Enquanto o primeiro analisa toda a jornada e pensa em formas de aumentar a conversão de pessoas ao longo do ciclo de vida/funis, o segundo foca mais na conversão em um determinado ponto do funil.

Os tipos de ações variam e os papéis que atuam nesse processo também. Podendo ser desde o uso de anúncios conversacionais para aumentar a conversão de leads através do uso do WhatsApp, como também a promoção em diferentes pontos de contato da empresa para que as pessoas possam optar por usar o chat como principal ponto de entrada.

Ao longo dos últimos anos, sempre nos surpreendemos com formas criativas de iniciar esse tipo de conversa. Imagine ações que vão desde trabalhar com influencers para incentivar um início de conversa até fazer ações promocionais que reforçam o valor de uma marca em relação a um segmento de audiência específico.

O que não deve ser feito nesse momento é induzir as pessoas ou gerar tráfego para uma funcionalidade do bot que ainda não está pronta ou funcionando como esperado. No passado, tivemos alguns anúncios de um assistente de um grande banco na região que sugeria perguntar e pedir coisas para a sua assistente, o resultado foi frustrante, pois nem o que era apresentado no comercial funcionava na prática.

Também tivemos experimentos bem interessantes que hackearam o conceito, como foi a ação promocional da Burger King em 2017 que rendeu um Cannes e as histórias imersivas da Disney no Google Assistant. Outro caso legal foi a divulgação da série Round 6 da Netflix através de um chatbot no WhatsApp, o que faz todo sentido no contexto da série.

A presença mais ativa ao longo da jornada e do relacionamento de uma pessoa com a marca é algo que é esperado aumentar nos próximos anos. A previsão é que em 2027 chatbots serão o principal canal de atendimento para aproximadamente 25% das empresas no mundo. Uma ótima forma de pensar em como estar presente é mapear os pontos de entrada. 

5) Bom design de conversas e curadoria

68% dos bots desenvolvidos no Brasil são híbridos, ou seja, mesclam botões e componentes da interface com diálogos abertos e com inteligência artificial. Esse dado indica a importância de um bom design e curadoria para lidar com todas as adversidades que uma conversa automatizada com um agente digital precisa.

Na medida que aumenta o número de pessoas conversando com o bot, também aumenta o número de mensagens que são trocadas nessa conversa. Em média, um bot trafega 78 mil mensagens por mês, por isso, tanto o design da experiência quanto a curadoria do projeto podem ter impactos diretos no sucesso e custos do projeto.

Como visibilidade sobre os custos: 33% das empresas brasileiras de desenvolvimento de bots têm um modelo de negócios com cobrança por mensagem. Além disso, na parte de curadoria, há um custo para cada diálogo aberto intermediado por processamento de linguagem natural.

Se tanto o design quanto a curadoria forem mal feitas, isso aumentará o número de mensagens total de um projeto, pois naturalmente as pessoas perguntarão mais coisas (uma vez que não encontram as informações ou serviços que procuram). Na teoria soa como algo simples, mas se nem nós, pessoas humanas, nos compreendemos algumas vezes em conversas abertas, imagina quando alguém conversa com um programa de computador.

Por isso, é de suma importância o design das conversas e a curadoria do projeto como um todo. Revisar o fluxo conversacional, (re)escrever o conteúdo das conversas e ter um processo de melhoria contínua na curadoria do projeto devem fazer parte do ritual de qualquer time.

Nesse sentido, as duas áreas, design e curadoria, podem atuar juntas em diferentes partes do projeto:

  • Design do conteúdo e da experiência conversacional: responsável por analisar todos os fluxos e jornadas digitais. Também pensa na experiência do conteúdo e em como utilizá-lo como guia da experiência. Influencia em decisões desde sobre fluxos conversacionais até o tom da conversa e o vocabulário, e pensa em formas de representar a marca;
  • Curadoria: analisa os dados conversacionais, e auxilia no processo de treinamento e retreinamento dos modelos de processamento de linguagem natural. Podendo influenciar no desenho de novos fluxos e propor novas experiências conversacionais a partir da sua análise como também providenciar melhorias de performance que impactam todo o projeto.

Considero essas áreas com grandes chances de crescimento nos próximos anos: design da experiência, design de conteúdo e curadoria. Se pudesse recomendar algo a curto prazo, é educação e conhecimento para o time nessas três áreas.

De toda forma, independentemente do papel, todas as pessoas são responsáveis pela performance do projeto e a evolução do mesmo. Considerando que em um chatbot “a experiência é a conversa”, revisar os fluxos conversacionais e os conteúdos dessa conversa é uma ação que precisa sempre estar em dia. Especialmente para aqueles projetos que desejam evoluir e crescer com o tempo.

Todos esses pilares podem ser mais bem explorados por uma única ou um conjunto de plataformas que os ajudem, tanto a nível tático-operacional quanto a nível estratégico. Esteja a sua empresa desenvolvendo isso internamente ou com a ajuda de alguma empresa parceira, é essencial que a escolha da plataforma de desenvolvimento se torne um fator de enablement e empoderamento para a operação como um todo.

Espero ter contribuído com sua perspectiva e em breve espero poder compartilhar mais artigos com dicas de implementação. As dicas são minha livre interpretação e adaptação (para o ecossistema brasileiro de bots) em relação com base no estudo “Why do Chatbots fail? A Critical Success Factors Analysis”.

 

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