Inimiga pública número 1 da vez, a Netflix tem comido o pão que o diabo amassou com a cauda por conta de uma mudança de procedimento: resolveu cobrar por conta “emprestada”, ou seja, pelo compartilhamento de senha entre usuários. Acionada por órgãos de defesa do consumidor Brasil afora e cancelada nas mídias sociais, a empresa luta para garantir que os usuários não cedam seus logins; ao mesmo tempo, enxerga na ação uma possibilidade de ampliar o número de assinantes.

A medida é polêmica. Afinal, estamos vivendo a era das multitelas, ou seja, nem sempre o compartilhamento é com outras pessoas; se logamos na SmartTV, no celular e no computador, já são três acessos para um só usuário – e,  neste caso, o próprio assinante é o beneficiário. E está exatamente aqui a maior confusão da medida anunciada pela empresa: não está claro como a Netflix vai diferenciar o compartilhamento do uso regular pelos mesmos usuários em diferentes aparelhos.

O custo mensal adicional de R$ 12,90 incidirá quando o assinante dividir a plataforma com outras pessoas fora da residência, o que pode acabar prejudicando aqueles que, por exemplo, viajem e desejem logar suas contas em TVs de Airbnbs ou de hotéis. Ou até mesmo aqueles que trocam de tela dependendo da circunstância – assistem na plataforma que melhor atender às necessidades do momento.

Os órgãos de defesa do consumidor lançam luz sobre outra questão que vale a pena ser ressaltada: estaria a Netflix indo contra sua própria propaganda e a forma como tem comercializado seus serviços nos últimos anos: o que vende está intimamente ligado à liberdade: “assista onde você estiver” e “onde quiser”. Impactados pela propagada mobilidade, seus usuários se acostumaram com a possibilidade de “carregar” consigo seus logins de acesso. Assim, por se tratar de serviço móvel (o uso pelo celular é majoritário em serviços de streaming), a cobrança adicional vai contra o que a própria empresa prega.

Fato é que o usuário de internet, outrora chamado de “internauta”, não gosta muito de pagar por serviços. Toda vez que uma empresa pontocom ameaça cobrar, a chiadeira é geral e o termômetro acaba sendo o Twitter, a rede onde há mais ódio por pixel quadrado da internet. 

Para os devoradores de bytes, o mundo digital tem que ser “di grátis”. Mas quem paga a conta, afinal?

Esse padrão de comportamento vem de longe: quando lançado no Brasil, o serviço que permitia o upload de fotos e comentários Fotolog, criado em 2002 e espécie de avô do Instagram, enfrentou a ira dos usuários – particularmente dos brasileiros – quando decidiu cobrar pelos seus serviços.

Para tentar convencer os usuários a abrirem as carteiras, o Fotolog passou a comercializar planos pagos que davam acesso à personalização da página e habilitação de comentários. Também tentou sobreviver com exibição de anúncios. Aqui, um parêntese necessário: além de não querer pagar com dinheiro por serviços digitais, internautas tendem a não querer “arcar” pelos serviços gratuitos assistindo a alguns segundos de anúncio.

Reza a lenda que o Fotolog chegou a alcançar 33 milhões de usuários, porém os dados não são oficiais. Fato é o que o Brasil foi uma grande pedra no sapato do vovô do Instagram: o site chegou a limitar o número de novos cadastros no país, durante um tempo, porque os usuários não só não queriam pagar como insistiam em burlar o sistema, ao alterar os endereços de IP dos computadores para conseguir criar uma conta, como se fossem de um outro lugar do mundo.

Outro exemplo da dificuldade de cobrar por serviços digitais é o uso do famoso paywall por empresas de conteúdo. Quando estimulados (forçados, ok) a contratarem os planos que dão acesso ao conteúdo, a maioria pula fora ou acaba aderindo a serviços “alternativos” como o falecido Outline, que permitia “furar” a parede de cobrança.

Afinal, o que deseja o usuário de plataformas digitais? Com certeza, serviços de qualidade rápidos, estáveis e que satisfaçam suas necessidades de comunicação e entretenimento. E, de preferência, gratuitos e sem expor anúncios desagradáveis. Mas, cá entre nós, essa conta fecha? E depois da Netflix, as outras plataformas de streaming farão a mesma coisa?