Se o cenário do leilão do 5G é incerto, com empresas disputando 140 lotes de frequências entre blocos regionais e nacionais, o pós-leilão é ainda mais duvidoso. A macroeconomia, a alta na taxa Selic para 7,75%, a escalada no câmbio, a falta de terminais e de dispositivos de redes com a crise de semicondutores/supply chain e a polarização da política nacional são os fatores que podem afetar o desenvolvimento da quinta geração das redes móveis a partir de 2022, segundo analistas ouvidos por Mobile Time.
Esta é a segunda matéria de um especial produzido sobre o leilão do 5G com analistas do segmento de telecom, mídia e tecnologia (TMT). Ao todo, 11 profissionais do setor foram ouvidos por este veículo para falar dos cenários antes e depois do leilão de frequências, que está agendado para a próxima quinta-feira, 4.
Desafios de primeira hora
Ari Lopes, gerente sênior da Omdia, atenta que, pelo cronograma da Anatel, as empresas de telecomunicações que instalarem as primeiras redes nas grandes cidades em julho de 2022 terão os primeiros lucros a partir do final de 2022. Ele atenta que os ganhadores terão diversas dificuldades até obterem retorno sob investimento (ROI, na sigla em inglês).
“O primeiro desafio será a questão de cobertura das grandes cidades, até julho de 2022. Para as grandes operadoras isso é básico. Para os ISPs será um grande desafio porque eles não têm rede nem marca nos grandes centros, pois ficam mais no interior. Tem a questão da limpeza da faixa e do órgão que vai organizar o TVRO. Você tem a questão da rede do Amazonas e da rede federal (rede privativa, de segurança pública), as rodovias (vide matéria da Teletime) e a conectividade das escolas na obrigação do 26 GHz”, detalha Lopes.
“Existe um aporte de recurso que será feito só no começo, mas a receita mesmo só virá no final de 2022. Tem essa dificuldade de fazer esse encaixe financeiro, em tempo curto, e sem ganhar receita durante o ano. Na verdade, essas dificuldades favorecem os bids de consórcio e que querem oferecer serviços de redes neutras. Obrigações e dificuldades tiraram alguns players, mas viabilizaram outros, como Highline, Consórcio 5G e Copel”, complementa.
Alberto Boaventura, gerente sênior da Deloitte, acredita que os 15 interessados que apresentaram propostas avançaram em seus estudos e traçaram todos os cenários possíveis, desde a questão de desenvolvimento de mercado, supply chain na crise de eletrônicos, obrigações da Anatel e do calendário. Mas não será diferente do restante do mundo. O leilão abre novos modelos de negócios, como empresas de infra, redes privadas e novos serviços de baixa latência. Tem um universo de oportunidades e a evolução natural.
Selic
A recente alta da taxa Selic de 1,5 ponto percentual, para 7,75% – uma taxa que está diretamente ligada às linhas de créditos ofertadas por bancos às operadoras – pode afetar o cenário do crescimento do 5G. Geraldo Araújo, consultor sênior da Accenture, afirma que as condições seriam melhores se o leilão fosse seis meses atrás. Ainda assim, ele lembra que o fato de não ser um investimento de curto prazo permite que as proponentes do certame diluam os valores aportados no longo prazo.
“Qual o comportamento dos bancos e fundos de investimentos? É correr atrás do ROI. A velocidade que estamos vendo a adoção do 5G é alta no exterior. Nós falamos com mais de 2,5 mil empresas early adopters de 5G. Elas tiveram uma receita 2,5 vezes maior na comparação com as companhias que não foram early adopters. A nossa visão é que o retorno será rápido. Mas não é curto”, diz o colega de Araújo, Paulo Tavares, diretor da Accenture.
Embora a Selic aperte o calo das empresas, uma vez que há projeções da Suno Research para chegar a 10% até o final de 2021, André Alencar, gerente executivo sênior na Capgemini, explica que a macroeconomia não trará tanto impacto, pois o investimento no 5G é de longo prazo.
Vale lembrar que este cenário com a alta da Selic afetando o setor de infraestrutura de telecom foi apontado pela Feninfra em agosto deste ano.
Smart money
Em um cenário com alta na taxa Selic, na inflação e no câmbio, o papel dos bancos e fundos de investimento é vital para o desenvolvimento do 5G no País, como exemplifica Lopes, da Omdia: “Sem estrutura de investimento e investidores, não dá nem para pensar em 5G. O lado bom é que eles olham que, mesmo na crise, nós crescemos muito em conectividade. Em uma análise que fiz há alguns meses, de todos os países do mundo em 2020, a China adicionou 30 milhões de conexões em fibra e o Brasil fez 6 milhões, em segundo”, exemplifica, ao estimar que o ROI total deve vir em dez anos.
“O aumento na Selic pode atrapalhar. Até se olhar nos últimos dias, tem contrato futuro que cogita de 11% a 12% ano que vem. O dinheiro fica mais caro. Mas devemos lembrar que é um setor em crescimento”, completa.
Para Raul Colcher, presidente da Questera e membro do IEEE, o leilão de 5G têm dois cenários de busca por investimentos:
- O pré-leilão – os proponentes têm benefícios em linhas estrangeiras de capital para as frequências, em especial Vivo, TIM e Claro;
- E o pós-leilão – uma “briga muito diferente” com busca de capital para infraestrutura.
“O 5G exige muito mais antenas e infraestrutura (que são custeadas em dólar). Pensando com a mente de um CFO de grande operadora, imagino que teremos players batendo no BNDES para pedir crédito”, prevê o analista.
Vinicius Castelo, principal da Oliver Wyman, reitera que os investimentos para essa tecnologia serão muito superiores em relação aos feitos apenas com o leilão, cuja estimativa da Anatel é de R$ 49,7 bilhões, sendo que parte deste montante será usado para conectar regiões mais rurais do País. Porém, a infraestrutura demandará mais aporte de capital, o que deixa as operadoras ainda mais cautelosas e isso pode, sim, impactar os cronogramas de instalações da quinta geração de redes celulares.
Lopes e Colcher lembram que o investimento de 4G das operadoras ainda não está amortizado. E Castelo atentou que ainda não há um ‘killer-app’ (uma aplicação definitiva, na tradução livre do inglês) que renda retorno de imediato para o 5G.
“Os desafios são enormes. Estamos falando de investimentos altos. Não tem killer-app no varejo, temos novos players participando desse bid. Eles terão que ser criativos e pensar em diferentes modelos de negócios para ter retorno. Nas grandes cidades, o valor do aluguel (para colocar torres e antenas) é altíssimo. É preciso escolher muito bem, onde levar, priorizar regiões e ajustar a velocidade. Essas serão as grandes preocupações”, disse o analista da Oliver Wyman.
Compartilhamento
Um consenso dos analistas é que o compartilhamento de rede (RAN Sharing) será o caminho para desenvolver novas redes. Inclusive, Paulo Tavares, da Accenture, prevê que os ganhadores possam buscar oportunidade de negócios por meio de leasing de espectro e ofertas para MVNO, uma vez que a quinta geração é um jogo de ecossistema.
“No 5G, é preciso pensar em estratégia, entender o segmento que você quer atender. Se você quer FWA você vai ‘bidar’ na 26 GHz. As empresas que focam em cobertura vão para o 700 MHz. Elas precisam discutir estratégia, alinhar com o negócio”, completa o diretor da Accenture, ao dizer que há projetos engatilhados com 5G e indústria ao término do leilão, vide a recente parceria com TIM e Stellantis.
Entre os negócios que podem aparecer estão parcerias de outras operadoras com a Highline (via rede neutra) – a mais destacada por Lopes – ou entrar com capital em um dos consórcios, o Iniciativa 5G Brasil ou consórcio 5G Sul, os mais citados como opções pelos analistas. Ou seja, são dinâmicas que passam por alugar infraestrutura de rede para terceiros.
“Veremos MVNOs turbinadas. Outro aspecto interessante é que os ISPs devem replicar o impacto da nova tecnologia em outras regiões. Apesar das questões das obrigações, as médias e pequenas empresas podem aplicar a interiorização do 5G”, afirma o analista da Omdia. “A entrada dessas empresas traz uma dinâmica nova e positiva. O 5G deve aparecer no interior do Brasil mais rapidamente do que o 4G. E teremos mais MVNOs entrando no mercado, hoje elas não chegam a 1,5% (da base de linhas em serviço)”, visualiza.
Serviços
Alencar, da Capgemini, acredita que os ganhadores das grandes faixas (700 MHz e 3,5 GHz) devem se estruturar e planejar casos de uso com base no cronograma do leilão. “A empresa ganha e já corre atrás dos prazos”, diz. Para a companhia que não ganhar ou ficar de fora do leilão, há oportunidades de parcerias e expansão, mas terão que acelerar suas propostas. “O desafio no pós-leilão será gerir uma quantidade enorme de fornecedores. E entender os maiores casos de uso”, complementa.
Para Luciano Saboia, gerente de pesquisas da IDC Brasil, a quantidade de proponentes (15) e a maneira que o regulador desenhou o leilão (beauty contest, ou seja, o foco é na distribuição da rede e não na arrecadação) permite que outras operadoras possam explorar os serviços de forma competitiva.
“São 15 empresas que não disputam a mesma coisa. Isso mostra como o mercado de telecom brasileiro é interessante e visto com perspectiva de retorno de investimento dentro do cenário global de telecomunicações. É importante observar a criação de redes neutras no Brasil. Essas redes neutras e a quantidade de proponentes são vistas com grande potencial para investidores no mercado global”, explica.
“Serão decisões muito mais pragmáticas do que no aspecto de inovação. Mais que trazer inovação é trazer use cases com cenários efetivos. Além da taxa Selic, tem o dólar, que complica o cenário, pois a maioria dos equipamentos vêm de fora. E o 5G entra disputando pela bolsa de CAPEX das operadoras. Nós vemos, aqui na IDC, os investimentos associados ao pragmatismo mais do que às inovações”, completa.
Casos de uso
Neste cenário mais receoso das operadoras, Saboia acredita que os primeiros casos de uso serão com ofertas de conectividade e serviços para o consumidor final (B2C) e depois para as empresas (B2B) com apostas mais certeiras em grande parte do que já fazem hoje. As tecnologias mais avançadas como IoT, inteligência artificial, realidade aumentada e realidade virtual devem aparecer a partir de 2024.
“Vai muito do que cada player se preparou, nos planos e análises de negócios. Cada um tem a sua especialidade. Uns focaram no B2C, na banda larga, mobilidade, e outros, no B2B, manufatura e agronegócio. A partir do momento que tivermos as definições teremos projetos aplicados em campo e vamos enfrentar desafios regulatórios, deployment, lei das antenas, dificuldade de implantação. Sem contar que falta mão de obra para implementar hardware, sensores, software etc”, afirma.
“Como será o enredo de implantação de 5G? Precisamos de tração nesse ecossistema. São coisas atreladas ao retorno de investimento de 5G. Nós vemos pouco estímulo ao ecossistema que vai se conectar às redes. Tem muito debate do leilão, mas quem vai se conectar a eles? Tem um lado que vai prover e outro que vai consumir (B2B e B2C). Como o consumidor vai usar a rede? Portanto, é necessário um estímulo para incentivar o uso das redes”, questiona Saboia.
B2C x B2B
Boaventura, da Deloitte, acredita que o B2C é quem deve pagar a conta do 5G: “O 5G tem três fatores de sucesso: infra, virtualização e ecossistema de inovação. Não se pode imaginar uma tecnologia nova sem inovação e aplicação. Por isso depende da comunidade. O 5G é tudo e pode desenvolver qualquer tipo de aplicação. Mas, para pagar, vai ser o B2C. Contudo, o 5G pode entrar de maneira mais firme em B2B, como agronegócio e indústria. Sem inovação, não tem oportunidade”.
O executivo explica ainda que não prevê um aumento exponencial nos gastos do consumidor, mas, sim, uma atualização do ciclo de vida tecnológica – em especial na troca de terminal que acontece a cada dois anos. Haverá os early adopters – que pagarão mais caro –, mas também o usuário intermediário. Em custos por Mbps, Boaventura lembra que o custo por ERB continua igual (embora esteja em dólar) e que a tendência é até ter planos de operadoras mais baratos. “Nos Estados Unidos, houve uma tentativa de (a quinta geração) ficar mais cara na Verizon, mas foi por água abaixo. Era um plano US$ 10 mais caro”.
Já André Alencar, da Capgemini, acredita no mix, com operadoras apostando tanto no IoT como nas ofertas do B2C com consumidores migrando para o 5G nas grandes capitais. No segmento empresarial, Alencar acredita que há apetite para aderir ao 5G, uma vez que uma pesquisa local de sua companhia com 1 mil empresas apontou que, em três anos, 64% pensam em utilizar o 5G em escala de ponta e bem abrangente.
“Quando olhamos para grandes produtos e grandes serviços, o leque de opções que vai existir é muito vasto: carro conectado, medicina, agro… É uma nova revolução. É difícil saber por onde começar. Existem certas indústrias em que a conversão é mais forte, como o agro. Isso cobre faixas de grande extensão, em especial de 700 MHz”, explicou Alencar.
Para Colcher, da Questera, a maioria olhará o mercado corporativo com aplicações subespecificadas (ou seja, aplicações que ainda não têm muito espaço no mercado), sendo que a IoT pode ser a bola da vez. Ele cita como exemplo o crescimento exponencial que o setor está em relação ao resto do mundo.
“Na maioria das aplicações e utilizações de telecomunicações, o Brasil sempre está em oitavo. Em IoT é muito abaixo, geralmente na posição 47, quase em 50º. Isso a despeito de ter havido estudo do BNDES e linha de investimento”, comenta o especialista. “Será muito duvidoso ou incerto alavancar nesse mercado quem não contemplar IoT. Os líderes de operadoras vão ter que investir em marketing, suporte e pós-venda para alavancar o IoT”, completa.