A facilidade de se justificar um voto através do app e-Título (Android, iOS) incentiva, na prática, o voto facultativo no Brasil. Essa é a opinião de João Francisco Meira, cientista político, diretor do instituto de pesquisas Vox Populi, e especialista nos estudos das relações entre conectividade e participação política. Ao todo, o TSE recebeu 3,4 milhões de justificativas de abstenção através do aplicativo nas eleições deste ano, revela Mobile Time.
Com o aplicativo criado pelo TSE, justificar a ausência na votação custa, no máximo, três cliques – isso sem pagar nada, nem ao menos levantar do sofá. Já quem sai de casa para votar sabe que terá um gasto maior. “O custo de se abster da votação com o e-Título, ficou menor do que o custo de participar. Do ponto de vista normativo, basicamente, isso reduz o poder do lado obrigatório do voto. Ou seja, com o tempo, o e-Título pode, de maneira informal, estabelecer o voto facultativo”, afirma Meira, em conversa com Mobile Time.
Em um país em que o voto é obrigatório, é compreensível que uma facilidade como o e-Título possa ser usada como um ponto importante na decisão do eleitor de não comparecer nas urnas. “Pode acontecer naturalmente essa redução do peso da participação eleitoral no País. O eleitor, para ir até as urnas, teria que acreditar que o voto dele pode fazer a diferença – isso é algo muito subjetivo, difícil de mostrar, uma vez que o voto individual não aparece, não é visível. O que aparece é o voto da massa”, diz.
O processo eleitoral de 2020 apresentou taxas de abstenções acima da média. No segundo turno, 29,5% dos eleitores habilitados optaram por não comparecer às urnas. No primeiro turno, esta taxa foi de 23,09%. Em pleitos anteriores (2018, 2016 e 2014), este índice ficou em torno de 21%.
O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, em pronunciamento oficial, afirmou que o número de abstenções foi maior que o desejado, mas não chegou a preocupar. “Quando iniciou-se o processo eleitoral, temia-se uma abstenção colossal devido à pandemia, e não foi o que ocorreu”, afirmou.
Segundo Meira, ainda que a facilidade do e-Título possa incentivar abstenções em municípios com boa conectividade, o principal fator dessa “alienação eleitoral” não deve ser atribuído à tecnologia. “As taxas de abstenção variaram muito de cidade para cidade. No Rio de Janeiro, houve 35,45% de abstenção, com tecnologia em grande escala. Em Recife, com tecnologia igualmente disponível, a abstenção foi de 21,3%. Em Goiânia, foi 36,7%. Não se trata apenas de acesso ao e-Título”, completou.