Nesta terça-feira, 2, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, determinou que os presidentes, ou representantes equivalentes no Brasil, de Google, Meta, Spotify e Brasil Paralelo prestem depoimento à Polícia Federal (PF), em até cinco dias. Eles devem esclarecer as razões para terem autorizado a utilização de mecanismos que podem, em tese, constituir abuso de poder econômico, assim como caracterizar contribuição ilícita à desinformação praticada por milícias digitais nas redes sociais, a respeito do Projeto de Lei 2630/2020, ou PL das Fake News.

No despacho, Moraes, que preside inquérito do STF sobre desinformação, determinou também que as quatro plataformas removam, em no máximo uma hora, todos os anúncios, textos e informações veiculados, propagados e impulsionados a partir do blog oficial do Google com ataques ao PL 2630. A pena é de R$ 150 mil por hora de descumprimento, por cada anúncio.

O ministro deu prazo de 48 horas para que as empresas apresentem relatórios sobre anúncios realizados e valores investidos, além de apontar e explicar os métodos e algoritmos de impulsionamento e induzimento à busca sobre “PL da Censura”. As empresas devem informar as providências que realizam para prevenir, mitigar e retirar práticas ilícitas nos seus serviços e de combate à desinformação de conteúdos gerados por terceiros.

MPF

As mesmas empresas também foram citadas pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP), em inquérito civil público aberto na última segunda-feira, 1º, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão. Google, Meta, Spotify e Brasil Paralelo devem prestar esclarecimentos, no prazo de 10 dias, sobre suposto favorecimento de publicações contra a votação do PL das Fake News.

O MPF cita um relatório do NetLab, publicado na segunda-feira, 1, também mencionado por Moraes. O centro independente de pesquisa interdisciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que algumas dessas empresas chegaram a violar seus próprios termos de uso, ao veicular anúncios contra o PL 2630.

Em 1º de maio de 2023, a página inicial do Google exibia um link, em que se lia: “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. O usuário era levado a um texto de 27 de abril de 2023, de autoria de Marcelo Lacerda, diretor de relações governamentais e políticas públicas do Google Brasil, em que defende melhorias no texto do PL. Ele também menciona outro artigo de sua autoria, “Como o PL 2630 pode piorar a sua Internet”.

Anúncio na página inicial do Google redirecionava a texto contra PL das Fake News. (Crédito: reprodução)

O NetLab reuniu evidências de que o Google apresentou resultados de busca enviesados a usuários que pesquisam por termos relacionados ao projeto de lei. Ao buscar  por “PL 2630” no Google, no dia 1º de maio de 2023, as pessoas se deparavam com um anúncio da própria plataforma, cujo título se refere ao projeto como “PL da Censura”, nome usado pela oposição contra a regulamentação.

Os dados levantados pelo grupo mostram que o Google vem sugerindo que os usuários pesquisem por “PL da Censura”, usando os resultados de busca para influenciar negativamente a percepção de usuários sobre a proposta. As pesquisas sugeridas na busca indicam perguntas comumente feitas por usuários. No entanto, uma consulta à plataforma SemRush, que oferece estatísticas sobre ferramentas de busca, revelou que as perguntas mais comuns feitas pelos usuários no Google relacionadas a PL 2630 não utilizam o termo PL da Censura, como sugeria a ferramenta de busca.

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Anúncio patrocinado pelo próprio Google (crédito: reprodução/Netlab)

Como não há transparência sobre conteúdos pagos que não sejam publicados por candidatos e partidos políticos, não é possível saber quantos anúncios como este foram veiculados, os valores investidos, a segmentação do anúncio nem o número de usuários atingidos. Nos testes de busca, o blog do Google apareceu entre os principais resultados orgânicos, junto com sites de notícias sobre o PL 2630 e sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado.

“Estas diferentes estratégias sugerem que o Google vem se aproveitando de sua posição de liderança no mercado de buscas para propagar suas ideias e influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o projeto de lei em prol de seus interesses comerciais, o que pode configurar abuso de poder econômico”, diz o relatório.

Anúncios

Irregularidades em uma série de anúncios feitos pelo Google em outras plataformas também são apontadas pelo NetLab. Foram encontrados três anúncios iguais do Google na biblioteca de anúncios da Meta, controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp, veiculados entre 20 e 26 de abril, em que a empresa afirmava que o projeto não estaria pronto para ser votado. Eles levavam ao artigo publicado pelo diretor de relações governamentais e políticas públicas.

Veiculado entre os dias 27 e 28 de abril, outro anúncio convocava a população a “falar com seu deputado nas redes sociais”, a fim de pressionar parlamentares por melhorias no texto. O anúncio também direcionava a outro texto de Lacerda, em que ele argumenta que o projeto borra os limites entre a verdade e a mentira.

O Google não sinalizou nenhum anúncio como sendo sensível, como deveria, por se tratar de um tema político. No único anúncio categorizado corretamente que consta na biblioteca, foi identificado alcance de pelo menos 1 milhão de impressões em apenas um dia de veiculação, entre 27 e 28 de abril de 2023.

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Anúncio do Google, disponível na biblioteca de anúncios da Meta (crédito: reprodução/InternetLab)

O Netlab também mostrou que o Google, por meio do YouTube, pressionou criadores de conteúdo no painel interno da plataforma destinados a eles, o YouTube Studio, com um alerta no qual diz que a aprovação do PL 2630 poderá prejudicá-los. Um banner, com dizer de “urgente”, redirecionava o criador de conteúdo para um texto publicado no dia 25 de abril, em que a plataforma se posiciona contra o que julga ser uma “legislação apressada”.

O Spotify veiculou anúncios do Google contra o PL 2630. Porém, nos seus termos de uso, a própria plataforma de streaming diz que não permite conteúdos pagos que tratem de temas políticos. O Spotify não possui biblioteca de anúncios ou relatório de transparência sobre publicidade. Por isso, não é possível saber o número de veiculação, os valores gastos e o público impactado pelo anúncio.

Posicionamentos

Leia na íntegra posicionamento do Google sobre o tema:

“Apoiamos discussões sobre medidas para combater o fenômeno da desinformação. Todos os brasileiros têm o direito de fazer parte dessa conversa e, por isso, estamos empenhados em comunicar as nossas preocupações sobre o Projeto de Lei 2630 de forma pública e transparente. Destacamos essas preocupações em campanhas de marketing em mídia tradicional e digital, incluindo em nossas plataformas.

Também reforçamos este posicionamento no blog oficial do Google e na página inicial da Busca, por meio de uma mensagem com link sobre o PL 2630. São recursos que já utilizamos em diversas ocasiões, incluindo para estimular a vacinação durante a pandemia e o voto informado nas eleições.

É importante ressaltar que nunca alteramos manualmente as listas de resultados para favorecer a posição de uma página de web específica. Não ampliamos o alcance de páginas com conteúdos contrários ao PL 2630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis. Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas, incluindo aquelas administradas pelo Google.

Acreditamos que o projeto de lei e seus impactos devem ser debatidos de forma mais ampla com toda sociedade. Assim como diversos grupos e associações que se manifestaram a favor do adiamento da votação, entendemos que é preciso mais tempo para que o texto seja aprimorado e seguimos à disposição de parlamentares e autoridades públicas para esclarecer quaisquer dúvidas sobre como nossos produtos funcionam.”

O Spotify também mandou seu posicionamento. Segue na íntegra:

“Pelos termos e condições de publicidade do Spotify, não aceitamos anúncios políticos em nossa plataforma no Brasil. Um anúncio de terceiros foi veiculado por engano e removido assim que o erro foi detectado.”

A Meta informou que não vai comentar sobre o assunto. Brasil Paralelo foi procurado pela reportagem, mas não retornou os questionamentos.

 

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