A Abecs antecipou uma medida que seria tomada pelo Ministério da Fazenda para entrar em vigor em janeiro de 2025 e anunciou a proibição do uso de cartões de crédito para o pagamento de apostas e jogos online – as bets. Iniciativa entra em vigor de imediato. Outra ação que foi informada nesta quarta-feira, 2, é a de que o TCU vai acompanhar as propostas realizadas pelo governo federal relacionadas às bets. As duas ações se somam àquelas orquestradas pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que, na última terça-feira, 1, anunciou as plataformas habilitadas para operar no Brasil. Com isso, estima-se que entre 500 e 600 bets deixarão de operar por estarem irregulares.
Especialistas ouvidos por Mobile Time na área de jogos online e economia acreditam que a regulação é algo importante para o mercado. Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), por exemplo, aplaude as iniciativas e vê com bons olhos as últimas medidas do Ministério da Fazenda, ao listar as plataformas de apostas que poderão atuar e separá-las daquelas que não atenderam aos critérios da secretaria, “além de limitar o uso de recursos do Bolsa Família para apostas”. Filho, em nome do IDV, explicou a este noticiário que essas medidas são necessárias para que esse mercado fique regulado e não prejudique tanto a economia.
“A decisão da Abecs de restringir o uso de cartões de crédito para essas transações também é uma ação necessária para ajudar nessa regulação. Entendemos que outras medidas ainda serão implementadas para alcançar uma regulação mais efetiva, com menos impacto negativo sobre a economia e a sociedade”, escreveu em seu comunicado.
Surpresa para o mercado
Segundo Felipe Crisafulli, sócio do Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo e Jogo Responsável, o mercado se surpreendeu com a medida do Ministério da Fazenda em bloquear as plataformas que ainda não tinham cumprido as determinações das portarias e estão impossibilitadas de atuarem no País até 31 de dezembro.
“Isso foi algo que surpreendeu o mercado e temos algumas discussões quanto à legalidade da medida. Para o ano que vem, sim, isso já estava no radar, até porque a legislação e as portarias assim previam, mas até o final deste ano, não. Do ponto de vista legal, a medida não faz muito sentido porque tinha a previsão de 180 dias para se ajustarem às determinações das portarias. E esse prazo foi alterado no meio do caminho”, explica o especialista.
Os desafios da regulação
Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, também aponta que a regulação precisará se adaptar “pela velocidade de alteração dos domínios dessas empresas numa regulação constante e permanente”. Para ela, o ponto central está na maneira como o cliente transfere o dinheiro às plataformas. Caso seja por meio de Pix – como acontece na maioria das operações – a empresa ilegal precisaria de um correspondente para poder atuar e receber no Brasil. “Então, se não bloquear a forma de pagamento, será muito difícil e teremos que correr atrás do prejuízo”, afirma.
Beni também acredita que a vigilância constante por parte da secretaria responsável será imprescindível para que as bets sejam bem reguladas. Não à toa, é importante definir qual será o órgão responsável pela regulação. “A outra questão é o foco em cima das transferências, porque a questão toda está no meio de pagamento usado para fazer as operações. Então, bloquear cartão de crédito, bloquear Pix é importante. Até porque, todo Pix tem um registro”, diz.
De toda forma, Crisafulli entende que o mercado de apostas por quota fixa será beneficiado com a regulamentação.
“Do ponto de vista do consumidor é uma ótima medida porque garante que o apostador que porventura tenha algum direito seu lesado ou sujeito à lesão – como não conseguiu sacar algum valor – consiga se valer do judiciário brasileiro para exercer os seus direitos. E, do ponto de vista da União, é receita nova garantida através da regulamentação. E o bloqueio das bets que não estejam cumprindo com a regulamentação é bom para quem o tenha feito. Quem seguiu as determinações legais e regulamentares é beneficiado e quem não fez é excluído do mercado”, pontuou Crisafulli.
Segundo uma fonte ouvida por Mobile Time, o Ministério da Fazenda está revisando a lista, pois algumas bets que não entraram poderiam estar na lista, uma vez que cumpriram com os requisitos. Em off, a mesma fonte informa que houve um erro por parte do ministério e não necessariamente a culpa é da empresa.
Publicidade das bets
Para Beni, é importante definir o tipo de campanha publicitária que as bets reguladas terão direito, inclusive restringir algumas estratégias de marketing.
Vale lembrar que o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) apresentou o projeto de lei 3563/24 que veda a publicidade, o patrocínio e a promoção de apostas esportivas e jogos online, bem como apostas que envolvam resultados de eleições.
A economista não vê como prever se haverá redução do valor das apostas com a diminuição do número de bets. De acordo com a lógica do mercado, ao diminuir a oferta de plataformas, a tendência é haver menor quantidade de apostadores. “Mas precisaríamos conferir mais para frente qual vai ser a redução eventual nesse total dos R$ 20 bilhões por mês”, conta.
Com o bloqueio haverá redução das apostas e do endividamento?
A medida da Abecs em proibir o uso de cartões de crédito para o pagamento de apostas acontece por acreditar que as apostas podem gerar “impactos significativos no endividamento e no consumo relacionado ao varejo e ao setor de serviços.” Mas, segundo a associação, o uso das tarjetas nas bets é inexpressivo.
De acordo com Layon Lopes, CEO e sócio do Silva Lopes Advogados, em primeira análise, haverá maior concentração de apostas naquelas bets que estiverem autorizadas. “Mas é provável também que tenha uma queda no volume total de apostas, já que não necessariamente quem aposta em uma plataforma que não está mais em funcionamento vá para outra que esteja.”
Porém, no médio e longo prazo, o total de apostas deverá aumentar, “pois entrou muito no gosto da população”, comenta. Mas Lopes teme que o governo crie “políticas de desincentivo” futuramente “já que está acontecendo um alto impacto na saúde financeira da população de menor renda”, completa.
Lopes também prevê que haverá um mercado de bets clandestino, com o uso de VPNs, mas há outras questões.
“Certamente haverá, mas é importante destacar que grande parte do volume de apostas está em uma camada da população de baixa renda. Sendo que essa camada não possui grandes conhecimentos em tecnologia e sequer conhece o que é uma VPN. Vejo que a tendência é uma maior concentração das apostas nas plataformas que são autorizadas, pois facilita muito o acesso pelos usuários”, avalia.
No curto prazo, o advogado acredita que até pode haver redução do endividamento, já que haverá uma redução das ofertas disponíveis no mercado. Mas, no médio e longo, somente políticas de desincentivo a apostas poderão reduzir o endividamento. Entre as sugestões dadas estão, por exemplo, limitação de valores a serem apostados por cada pessoa, semelhante ao aplicado nos superendividamentos nos empréstimos consignados; educação financeira da população brasileira; e limitação ainda maior da oferta e das modalidades de apostas disponíveis.
Já Crisafulli acredita que, em um primeiro momento, pode ser que o fato de haver sites inabilitados para operar no País leve à redução do volume de apostas, pois os usuários de determinados sites talvez não migrem para aqueles que estão autorizados a operar e acabem simplesmente optando por não mais apostar. “De todo modo, é igualmente possível que esses apostadores apenas e tão somente migrem de operador e, em vez de apostarem no site X em que estavam acostumados, passem a fazê-lo no site Y, dado este estar autorizado a funcionar no Brasil. Portanto, somente com o passar dos dias será possível observar como o mercado se comportará”, avalia.