Paulo Lima, CEO da iMusica, é um raro exemplo de executivo cuja história de vida está profundamente ligada ao produto que sua companhia vende. Hoje à frente de uma das maiores empresas brasileiras de música digital, Lima foi por muito tempo um engenheiro de som renomado, que gravou artistas como Milton Nascimento e Titãs e acumulou passagens por várias grandes gravadoras do País. Em seu escritório, no centro do Rio de Janeiro, exibe orgulhoso nas estantes alguns dos troféus Grammy que ganhou pelos discos que gravou ao longo de sua carreira.
Seu desafio agora é muito diferente de editar uma bateria ou equalizar uma voz. Lima precisa manter a iMusica crescendo, enquanto acompanha o dinâmico mercado de música digital. Para isso, a empresa atua em várias frentes: licencia conteúdo para download e streaming a quase todos os players em atividade no Brasil, de operadoras móveis a OTTs (over the tops), como Deezer e Rdio, passando por portais web, como Yahoo!; fornece e gerencia a plataforma de música digital da América Móvil em toda a América Latina; provê soluções de music branding, como a rádio da Coca-cola na web; e presta o serviço de clearing de direitos autorais. No ano passado, o faturamento bruto da iMusica atingiu R$ 40 milhões. Desse total, nada menos que 45% provém de ringback tones, ou "sons de chamada", serviço vendido pelas operadoras celulares.
Confirmado entre os palestrantes da edição deste ano do Tela Viva Móvel, em um painel sobre streaming de música, Lima concedeu entrevista para MOBILE TIME. Segue abaixo o bate-papo com o executivo.
Mobile Time – Vários serviços de streaming de música estão chegando no Brasil. Você acha que o streaming vai matar o download de música?
Paulo Lima – O primeiro desafio da indústria é convencer o consumidor a não ter mais o hábito de comprar uma música e, sim, de acessar um banco de músicas. E quando pensamos em streaming, é preciso esclarecer em qual dispositivo estamos falando. Se for no computador, o streaming já é realidade. No celular há o problema de banda e de usabilidade. Acredito que a aceitação do streaming será melhor quando houver uma penetração de smartphone maior e um preço mais baixo de pacotes de dados das operadoras. Com esses dois fatores a gente vai ter um killer application no mercado. Outro dia saiu uma matéria comigo dizendo que o futuro é o streaming. Na verdade, acho que o futuro é uma convergência entre streaming e download. O streaming offline é um download ilimitado: você baixa músicas para escutar onde estiver, com ou sem conexão.
E o download "a la carte" de música?
Acho que ele vai continuar existindo para um nicho de mercado, como sempre existiu. O download vai perdurar muito tempo até por questões de classe social. Haverá gente sem smartphone e que vai querer ter a música do momento guardada no seu celular. E por outro lado haverá o caminho contrário: empresas disponibilizando músicas com uma qualidade de áudio superior para download. Eu, como engenheiro de áudio na minha vida inteira, ainda sofro para ouvir streaming por um problema de qualidade de áudio, que é proporcional à banda. Para ter mais qualidade, precisa ter mais banda. Quando resolverem o problema de banda, talvez não precise mais do download "a la carte" para os usuários que querem qualidade. Se eu quero ouvir de verdade uma música, preciso baixa-la com um bit rate maior.
Redes 4G então farão diferença para esse mercado?
Sim. Sem dúvida. LTE e Wi-Fi são fundamentais para que a penetração do streaming aconteça.
Como analisa o mercado brasileiro de música digital no momento?
O ringback tone tem puxado a indústria da música, exatamente porque não tem download e atende a toda a base de aparelhos. O fulltrack "a la carte" enfrenta uma tendência de queda, enquanto o modelo de assinatura de fulltrack vem na ascendente. E há o modelo de streaming… Houve a parceria entre Oi e Rdio, que aparentemente não deu muito certo. A Claro lançou o Ideias Musik, cujo foco ainda é usuários pré-pagos com assinatura de download, e este ano vamos focar em streaming, com lançamentos de HTML5 e aplicativos. A Vivo ainda não se posicionou e a TIM lançou com a Muve (leia matéria de MOBILE TIME sobre o tema). Os players de streaming neste momento no Brasil são Rdio e Deezer. E o mercado está esperando Spotify, Xbox Music… Além de Amazon e Apple, que ainda não se posicionaram com streaming. Acho que em 2013 ainda vai perdurar ringback tone e download por assinatura para o mobile, além desses grandes players internacionais de streaming chegando no Brasil.
E quando falamos de streaming não podemos esquecer o maior player da indústria, que é o YouTube. A própria iMusica tem parceria com o YouTube para monetizar as gravadoras com quem temos direito de licenciamento de conteúdo. Estamos crescendo muito com os videoclipes musicais do YouTube. O mercado de música digital vai ser dividido entre esses players e o iTunes, que tem hoje uma experiência de uso para download incrível. E mais as operadoras de telefonia com a venda de ringback tones e fulltrack download.
A maioria desses players que você citou são OTTs. Alguns podem até fazer parcerias com as operadoras, mas todos dependem das redes delas. Qual vai ser o papel das operadoras nesse mercado no futuro? Tirando o ringback tone, que só as teles podem oferecer mesmo, há espaço para elas em outros serviços de música? Será que esse mercado vai ser dominado pelas OTTs?
Essa é uma grande dúvida. Cada vez mais serviços de valor agregado serão importantes para as operadoras. Isso se percebe pela própria iniciativa da América Móvil de ter a sua loja, com marca própria, se posicionando como um player nesse mercado. Outro exemplo é a TIM, com a TIM Music. Acho que os OTTs é que terão um desafio grande de se posicionar sem ter o billing de uma operadora. O custo de aquisição de um usuário para um cara desses é alto. A vantagem da operadora é ter uma base de usuários muito grande. Se ela lança um serviço de qualidade, no momento certo, com um modelo certo, é matador. Ela já tem o usuário na base para cobrar. O desafio de Spotify, Deezer ou Rdio é criar uma base de consumidores com pagamento de cartão de crédito, que é outra barreira. Não podemos esquecer que na América Latina a penetração de cartão de crédito é muito baixa. As operadoras são favorecidas porque vendem há muito tempo esse conceito de serviço de valor agregado, de conteúdo pago. Na web é o contrário. A pirataria foi forte no início da Internet porque tudo era de graça. É um problema cultural que todos esses players precisam enfrentar.
Como fica o DRM no streaming? Não precisa mais?
O streaming é dividido em online e offline. No online não tem DRM. No offline, sim, existe um DRM para proteger aquelas músicas. Elas só podem ser ouvidas no player daquele aplicativo e enquanto o usuário estiver adimplente. Quando para de pagar a assinatura, para de escutar as suas playlists.
E no download a tendência é acabar com o DRM?
No download já não existe mais. Nossa plataforma na Claro é dual delivery com DRM free na web e DRM apenas no celular. As gravadoras ainda exigem DRM no celular por conta da facilidade de se passar uma música por Bluetooth.
Como anda o investimento em infraestrutura no iMusica para suportar o crescimento do mercado?
Está tudo dentro do planejado. E vamos crescendo de acordo com a quantidade de usuários, sem dar nenhum passo maior que as pernas. Faturamos R$ 40 milhões ano passado vendendo música digital. Nunca fomos um provedor de um único modelo ou plataforma. Temos vários modelos de negócios distintos. Se ringback tone é muito forte no Brasil, então temos esse modelo. Atuamos como plataforma da América Móvil na América Latina. Ser a plataforma da Samsung também é espetacular. Somos a plataforma da Coca-cola de webradio. Montamos vários modelos de negócios para termos sustentabilidade. Nossa missão é gerenciar e distribuir conteúdo de música digital na web e no celular de forma escalável e monetizando a indústria da música.
Uma última curiosidade: desse faturamento, quanto é ringback tone?
Mais ou menos 45%.