| Publicada no Teletime | A Receita Federal (RFB) publicou nesta sexta-feira, 3, portaria na qual aprova o sistema Compartilha Receita Federal, que estabelece regras para o fornecimento a terceiros de dados e informações dos contribuintes brasileiros. O sistema servirá tanto para pessoas jurídicas quanto para pessoas físicas e a Receita não se responsabilizará por nenhum tratamento aplicado pelo terceiro que tiver acesso após o envio dos dados e das informações específicas pelo titular.
O compartilhamento será feito pelos titulares dos dados que estão na RFB. Eles poderão cancelar, a qualquer tempo, os compartilhamentos realizados no sistema; especificar os dados e as informações a serem compartilhados; indicar o terceiro que poderá receber os dados e as informações especificados; e definir o período de vigência do compartilhamento. A portaria diz ainda que o uso do sistema Compartilha Receita Federal é facultativo e sem ônus para os titulares dos dados e das informações a serem compartilhados. Ou seja, o compartilhamento dos dados não será obrigatório e nem será uma condição para que o cidadão usufrua dos serviços.
Renato Valença, especialista em LGPD do Peixoto & Cury Advogados, ressalta a forma facultada do sistema. “Parece que o atrativo principal dessa ferramenta é possibilitar o compartilhamento de informações (que estejam na base de dados da Receita Federal) com terceiros, escolhidos e indicados pelo próprio dono da informação”, explica o advogado.
“Por exemplo, uma pessoa que está pleiteando um financiamento junto a uma instituição financeira e precisa apresentar sua declaração de Imposto de Renda pode disponibilizar essa informação pessoal direto da fonte, através da plataforma digital do próprio governo, de forma oficial, rápida, controlada e segura. Isso evita que a pessoa tenha de produzir uma cópia física ou um PDF para entregar ao banco, ou enviar ao banco por email, o que acaba gerando múltiplas cópias da informação, com risco de armazenamento em lugares desprotegidos, ou até o encaminhamento da informação para múltiplos e-mails (ou seja, com maior risco de vazamento)”, disse Valença. Ele avalia que a iniciativa da Receita Federal está em linha com as boas práticas de segurança da informação.
Outro especialista ouvido pelo Teletime diz que, à priori, as orientações previstas na portaria da RFB publicada nesta sexta-feira estão de acordo com o art. 27 da Lei Geral de Proteção de Dados, que prevê a possibilidade de compartilhamento público-privado mediante consentimento. O consentimento do uso de dados pessoais, para ser válido, deve ser livre, informado e inequívoco, que são condições que nem sempre estão presentes na relação entre cidadão e estado. Ou seja, um consentimento como condição para a prestação de serviços públicos invalida qualquer autorização para uso de dados pessoais que estão de posse do poder público.
Já para a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, especialista em direitos digitais e integrante do Intervozes, a portaria acirra a vulnerabilidade e insegurança dos titulares dos dados. “É mais uma iniciativa do Governo Federal tentando transformar os dados de milhões de brasileiros em negócio ao propiciar a transferência de dados de milhões de brasileiros e empresas a terceiros, ainda que essa transferência deva ocorrer com o consentimento do titular dos dados. Isto porque o consentimento deverá ser obtido como está expresso no inciso. II, do art. 3º. Ou seja, já vai haver a transferência dos dados antes mesmo do consentimento”, ressalta a advogada.
Para Lis Amaral, sócia-diretora e fundadora do núcleo de Privacidade e Proteção de Dados da Nelson Wilians Advogados, é muito importante avaliar esta portaria sob a ótica da LGPD, uma vez que a autorização se assemelha ao consentimento e o titular de dados possui o direito de revogá-lo a qualquer momento.
A advogada especialista na Lei Geral de Proteção de Dados na NWADV, Marcia Ferreira, esclarece que esta revogação encontra-se amparada no artigo 2°, I, da portaria. Porém, ela diz que será importante que a RFB realize a gestão deste consentimento para o fiel cumprimento da Lei, garantindo que todo o tratamento seja interrompido, caso solicitado pelo titular.