A neutralidade de rede e a recente decisão sobre o tema da FCC, órgão regulador norte-americano, é um dos assuntos mais discutidos na edição deste ano do Mobile World Congress. MOBILE TIME conversou em Barcelona com Denelle Dixon, vice-presidente jurídica da Mozilla, sobre isso e também sobre o modelo de negócios da empresa em mobilidade.
MOBILE TIME – Qual a posição da Mozilla sobre a decisão da FCC sobre neutralidade de rede?
Gostamos da decisão da FCC porque dá a ela a autoridade para regular. Gostamos desse aspecto. Em termos das regras em si, para nós é muito simples: gostamos da regra que impede o bloqueio e do fato de que não seja permitido o pagamento por priorização. O fato de o mercado (de Internet) móvel ter sido incluído nos parece o caminho correto. Mas ainda precisamos conhecer os detalhes da decisão. Em um mundo em que todos acreditam nas redes abertas, talvez nem seja necessário uma regulação, mas pode haver um momento em que uma priorização paga represente um desafio para nós, e aí será preciso de uma intervenção. Ainda há desafios em relação a como isso se aplicará ao ambiente móvel, mas o importante é garantir a abertura.
Em Barcelona vimos uma abordagem muito diferente entre a proposta regulatória norte-americana e o rumo que as coisas estão tomando na Europa. Por que?
O que me parece é que a defesa da Internet aberta e da neutralidade é algo fora de debate em qualquer mercado, a pressão nesse sentido é muito grande, até porque essa é uma demanda dos usuários de Internet. Os Estados Unidos ouviram essa pressão, muito mais do que historicamente, e reconheceram que não é possível ouvir apenas as grandes empresas, mas é preciso garantir o espaço para que os pequenos surjam e se desenvolvam. Por isso a FCC fez o que fez. Em outros mercados isso deve se reproduzir em maior ou menor escala, mas a pressão pela Internet aberta é global. Especialmente em mercados emergentes. O Brasil teve uma iniciativa fantástica nesse sentido, considerando o grau de desenvolvimento do mercado, e isso deve ser visto em outros mercado. Mas na Europa o lobby das empresas de telecomunicações é de fato muito forte e terá um peso.
O comissário europeu Günther Oettinger disse que ninguém é contra a Internet aberta, mas é preciso assegurar novos modelos de negócio…
É interessante analisar outros modelos, como o modelo de buscas, em que uma entidade controlando tudo, como foi o caso do Google na Europa, coloca um desafio, que é o fato de ter uma única voz. É importante haver competição, assim como nós buscamos competição em todas as áreas, e quando isso acontece é que se tem a inovação.
E em relação à privacidade dos dados, que é algo não tratado nessa decisão da FCC?
O Firefox OS é basicamente o mesmo Firefox browser em relação a como tratamos a questão da privacidade. É só um tamanho de tela diferente, menor. Nós acreditamos que os dados dos usuários são dados do usuário, e isso é deixado muito claro para nossos parceiros. Os dados são sempre do usuário. Mantemos essa coerência.
É possível gerar receitas sem vender os dados dos usuários?
A monetização é uma parte importante do projeto Firefox, é claro. É isso que nos mantém e que mantém o projeto, mas nossa receita vem basicamente de buscas, que representam um parte importante do total, 80% a 90%. É claro que isso é um desafio porque é um mercado muito competitivo e o Google, por exemplo, é praticamente um monopólio na Europa. Estamos tentando abrir outras fontes de receita, com o provimento de conteúdos, e estamos tentando mostrar para o mercado publicitário que é possível vender publicidade sem desrespeitar a privacidade do usuário.
O business móvel do Firefox OS é o mesmo?
São três modelos potenciais que existem aí: é um browser sem licenciamento, mas também vemos oportunidades com buscas, ainda que isso seja um mercado bem menor, mas é importante; existe o mercado de venda de apps, onde podemos ter uma parcela da receita dos apps vendidos, e o operador também tem uma receita; e há outras oportunidades com conteúdo e publicidade. O que queremos fazer, e foi aí que Apple e Google tiveram sucesso, é criar um grande ecossistema que gere receitas por meio da nossa plataforma.
Vocês passaram a ter alguns dispositivos mais high-end no portfólio. Mudou alguma coisa na estratégia?
Não, é um pedido dos nossos parceiros operadores que queriam e viram uma oportunidade de ter dispositivos mais sofisticados com Firefox OS, e vamos ter mais diversidade. Mas a ideia é que a plataforma funcione bem desde devices low-end até aqueles de mais alta gama.
Alguns fabricantes chineses emergentes, como Xiaomi e OnePlus, têm preferido adaptar o Android para seus sistemas operacionais em lugar de adotar um sistema como o Firefox OS. Por quê?
Não posso te dizer exatamente porque, mas possivelmente tem a ver com o modelode negócios. Não temos como financiar o desenvolvimento de dispositivos nem vamos subsidiar a conquista de usuários. Não posso dizer que seja exatamente isso, mas posso dizer que não temos a mesma força de marketing, com certeza. Mas temos um bom portfólio na Ásia, especialmente onde nem todo mundo pode ter um desktop, porque é caro, mas pode ter a Internet em seu celular, e é isso que estamos fazendo. Vamos trazer muita gente para a Internet simplesmente dando dispositivos mais baratos.
Qual a sua opinião sobre zero rating?
Muita gente discute isso no âmbito da neutralidade… Eu pensei muito sobre isso, e minha visão é que isso pode ser fantástico para algumas pessoas porque oferece um conteúdo que você não teria, mas o problema é que o impacto pode reduzir a competição. Não acho que seja um problema de neutralidade de rede, ainda que muita gente discuta por esse caminho, mas acho que não, porque não é um problema nas bordas, mas no meio do processo. É mais uma questão concorrencial, ainda que o impacto seja similar ao bloqueio. É uma questão muito complicada, pois há muitos benefícios e há muitos riscos. Suspeito que do ponto de vista da FCC eles optem por não abordar esse assunto por enquanto e deverão tratar isso do ponto de vista da regulação concorrencial, ver como essas práticas podem estar afetando o pequeno desenvolvedor. Pelo menos espero que seja por aí.
Vocês não participam de iniciativas zero rating, como o Internet.org, do Facebook?
Alguns parceiros nossos têm parcerias de zero rating e podemos estar envolvidos indiretamente, mas não participamos da iniciativa do Facebook nem temos nenhuma nossa.