Durante a pandemia, milhões de pessoas na América Latina abriram pela primeira vez uma conta bancária digital, muitas delas para receber auxílios governamentais. Mas para essa bancarização se sustentar é necessário que venha acompanhada de serviços financeiros digitais e da construção de um ecossistema de pagamentos que inclua o pequeno comércio, de maneira que as pessoas não tenham necessidade de sacar o que recebem. Esta é a visão de Marcelo Gonzalez, CEO e cofundador da VeriTran, empresa argentina que chegou este ano ao Brasil trazendo uma plataforma de desenvolvimento low-code para apps que é muito utilizada por instituições financeiras. Gonzalez conversou por telefone com Mobile Time sobre a expansão internacional da VeriTran e sobre tendências que observa no mercado de serviços financeiros digitais. 

Mobile Time – A VeriTran chegou no Brasil no meio de uma crise econômica e de uma pandemia. O que atraiu a empresa para cá neste momento?

Marcelo Gonzalez – Sabemos que as crises passam. Temos um plano estratégico de crescimento e precisamos cumpri-lo. O Brasil tem uma população equivalente ao resto da América do Sul. Acreditamos nas oportunidades no Brasil, inclusive nesse contexto em que há demanda enorme por uma transformação digital. Entendemos que mercados estão ávidos por soluções como a nossa, de plataforma low-code, com a qual as empresas podem construir rapidamente seus produtos e ter sucesso.

A regulação do open banking no Brasil foi um dos fatores para a VeriTran vir para cá?

Sim. Tínhamos planejado entrar no mercado brasileiro entre 2020 e 2021, e o open banking acelerou nossa vinda. Será uma revolução na indústria financeira. O open banking não tem o mesmo efeito quando acontece num mercado saturado, em que 100% da população está bancarizada. É diferente quando se trata de um mercado em que existe uma demanda grande de boa parte da população por serviços financeiros de baixo custo, como no Brasil.

Com o pagamento do auxílio emergencial, houve uma bancarização em massa no Brasil. Dezenas de milhões de pessoas ganharam pela primeira vez uma conta digital, na Caixa Econômica…

Sim, mas é importante que a bancarização seja acompanhada por serviços, para que não seja apenas uma conta para depositar dinheiro e retirar rapidamente. Hoje as pessoas precisam de dinheiro em espécie para gastar onde costumam consumir. É preciso construir um ecossistema de pagamentos digitais.

Tivemos uma experiência similar na Argentina com a “billetera digital”. Em seis meses, foram 2,5 milhões de usuários. E as pessoas ficaram (na conta digital) porque viram valor nela. Não pode servir apenas para cash-in, mas ser uma nova forma de se pagar. Senão o dinheiro entra e sai.

Hoje o cliente nasce digital e, a partir daí, para operar com o banco, para fazer saques, depósitos, pagamentos, não precisa de cartão físico. Tudo é feito a partir de dispositivos móveis que associam o cartão, sem a necessidade do cartão físico. Assim conseguem atender amplos setores da população, conseguem inclusão financeira. Isso vale não apenas para grandes lojas, mas para comércios de bairro. E criam-se sistemas de pagamento de baixo custo. Essa transformação está na cabeça de todas as instituições financeiras. Na Argentina, hoje, entre as 100 aplicações mais baixadas estão os bancos, incluindo os pequenos bancos digitais, que se intercalam entre os grandes.

Marcelo Gonzales

Marcelo González: “É importante que a bancarização seja acompanhada por serviços, para que não seja apenas uma conta para depositar dinheiro e retirar rapidamente”

Quais são suas expectativas para a operação no Brasil?

A expectativa para 2021 é termos nosso primeiro cliente no Brasil. Hoje temos 50 ao todo no mundo, que somam 20 milhões de usuários e 20 bilhões de transações ao ano. São clientes massivos, com muito volume.

Mas seu foco são os bancos tradicionais ou novos entrantes?

Nossa solução serve tanto para bancos tradicionais como para novos digitais. Temos clientes com 6 a 7 milhões de usuários e outros com 3 mil. Nossa tecnologia se adapta ao modelo de negócios do cliente. Para aqueles que já têm um app, nossa solução pode servir para incorporar algumas ferramentas específicas, como onboarding digital, ou carteira digital etc, sem a necessidade de descartar o que já tem. Isso permite que a transformação digital seja mais rápida que o normal, sem jogar fora os investimentos anteriores. 

Sentem algum tipo de resistência por parte das equipes de TI das empresas em adotar uma plataforma low-code como a da VeriTran?

 Há resistência, sim, mas não dos bancos em si, mas de algumas pessoas que temem perder o controle do que se pode construir. Nossa plataforma é aberta. Se a pessoa gosta de inovar e de criar códigos, pode utilizar nossa plataforma para fazer a parte chata da tecnologia e focar seu tempo na parte inovadora. Nesse sentido, embora possa haver resistência inicial, impulsionamos tecnologia, tiramos a carga pesada de construir ferramentas tradicionais e focar em inovação tecnológica, para criar experiências inovadoras e disruptivas.

O que acha do retorno das operadoras móveis ao setor financeiro?

Antes as teles queriam cobrar pela intermediação financeira porque tinham a tecnologia, o SMS etc. A visão era de que o negócio passava por ali e que tinham os clientes. Mas a verdade é que não tinham clientes, mas números de telefone. Para ter negócio financeiro precisa conhecer muito bem o cliente, porque por trás (de um produto financeiro) está o risco. Atuamos há 15 anos nesse mercado: sabíamos que as telcos iam perder essa batalha. Mas agora elas têm a oportunidade de firmar parcerias com as instituições financeiras, que ficam encarregadas de medir o risco. Com poder de marketing das telcos e com carteira digital no telefone, o potencial é grande para chegar a milhões de pessoas. As telcos terão um papel importante no futuro (do setor financeiro).

Além do Brasil, para quais outros mercados a VeriTran está se expandindo?

Entramos nos EUA no ano passado. Já temos um cliente lá. E temos a abertura da Espanha neste ano. Em 2021 iremos para o Canadá. Assim completaremos as Américas. Na Europa temos um soft landing em Barcelona. Depois vamos para Reino Unido, Alemanha, França, Suíça. Mas são planos para 2022 e 2023.

Qual é seu maior mercado atualmente?

O México é nosso maior mercado. E o Brasil tem potencial gigante. Temos muita expectativa de desenvolver o mercado no Brasil. Acreditamos que junto com EUA serão os nossos principais.

Serão abertos novos centros de pesquisa e desenvolvimento?

Temos um centro na Colômbia, com 150 pessoas. Temos outro em Buenos Aires. A ideia é criar centros menores de desenvolvimento em cidades da América Latina. Queremos abrir um no Brasil, mas não decidimos em qual cidade.

Como foi o crescimento da empresa em 2020 até agora?

Houve um crescimento muito forte nos meses de abril, maio, junho e julho. E agora está voltando à normalidade. Historicamente nosso crescimento é de 20% a 30% ao ano. Em 2020 devemos crescer 50% por causa do pico de abril a julho. Temos clientes com 300% de crescimento.

Pensam em abrir capital?

Como temos um produto inovador, achamos mais provável aparecer um comprador estratégico, que enxergue na nossa ferramenta low-code um potencial forte.

Pretendem passar por alguma rodada de investimentos em breve? 

2020 não foi bom para buscar investimentos. Os fundos estão ocupados com suas carteiras, estão distraídos. Creio que 2021 será um ano em que passaremos por uma rodada de investimentos, se o cenário estiver normalizado. Seria a nossa primeira rodada. Até agora só recebemos capital semente e anjo.

 

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