A pressão para que o Brasil siga o mesmo caminho dos EUA e proíba o uso de equipamentos de telecomunicações da chinesa Huawei coloca o governo Bolsonaro em uma situação delicada. Na opinião do cientista político e professor do departamento de relações internacionais da UERJ, Maurício Santoro, “não é politicamente fácil para o governo brasileiro excluir a Huawei”.
“A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2020, mais de um terço das exportações brasileiras foram para a China. Os EUA, que são o segundo maior parceiro do Brasil, representam um pouco menos de 10%. É uma discrepância grande. E essas exportações para a China estão concentradas em setores que são bastante influentes no governo Bolsonaro, como os de mineração, agronegócio e petróleo”, argumentou Santoro, em conversa com Mobile Time.
“Há uma grande incógnita do que o Brasil fará no leilão de 5G. No que dependesse da opinião pessoal do presidente, a Huawei estaria proibida, como aconteceu em outros países. Mas há pressão do setor privado brasileiro para que a Huawei participe. É uma empresa muito importante no setor de telecomunicações nacional e parceira de todas as grandes teles. Até o jornal O Globo publicou dois editoriais defendendo a participação da Huawei nas redes 5G. E a Huawei é também parceira de empresas do agronegócio brasileiro”, comentou o cientista político.
Sobre a recente inclusão do Brasil na lista de países que apoiam a iniciativa Clean Network, Santoro acredita que isso talvez ainda seja revertido, pois entende não ser uma posição consolidada dentro do governo e que poderia gerar problemas na relação com a China.
Apps banidos
A respeito da decisão de Donald Trump de banir oito apps chineses, Santoro entende se tratar apenas do capítulo mais recente da série de disputas políticas e comerciais entre EUA e China, “cujo âmago é o conflito em torno das novas tecnologias que vão definir a quarta revolução industrial, dentre as quais estão a inteligência artificial, a Internet das Coisas e o 5G”.
Santoro entende que é possível que apps chineses forneçam dados para o governo asiático, mas ressaltou que não há qualquer comprovação disso. E lembrou que há suspeitas similares envolvendo empresas de tecnologia e governos ocidentais.
Biden
A troca de governo nos EUA não deve melhorar a relação do país com a China, prevê Santoro. “Republicanos e democratas discordam de tudo em políticas públicas. A única exceção é a China. Os dois concordam cada vez mais que a ascensão chinesa é uma ameaça aos interesses nacionais dos EUA. Continuará havendo uma relação conflituosa com a China”, explica.
O que talvez mude, diz Santoro, é a forma como a disputa acontece. Ele prevê que os democratas busquem uma reaproximação com a União Europeia e com órgãos internacionais, como a ONU e a OMC. Além disso, temas caros para os democratas, como direitos humanos e meio ambiente, serão usados na disputa com a China, projeta o cientista político.