A executiva Meng Wanzhou, CFO da gigante de telecomunicações Huawei e uma das herdeiras do grupo chinês, foi presa no Canadá a pedido dos EUA. As alegações extraoficiais (o governo dos EUA não falou oficialmente sobre o caso) apontam para uma possível quebra das sanções impostas pelos EUA a nações como Irã, Cuba e Síria. O episódio detonou uma pesada resposta do governo chinês, pedindo imediatos esclarecimentos sobre o episódio. Já a Huawei manifestou indignação e disse que cumpre as leis de todos os países onde opera. O episódio, contudo, teve repercussões globais no desempenho do mercado financeiro e intensifica o já elevado temor de uma guerra comercial entre China e EUA. No Brasil, não existem consequências imediatas, mas as coisas podem mudar. O futuro governo Bolsonaro em algumas ocasiões manifestou descontentamento sobre as relações comerciais do Brasil com a China, especialmente na questão da venda de terras. Nesta quinta, 6, o filho de Bolsonaro e deputado federal mais bem votado para a próxima legislatura, Eduardo Bolsonaro, voltou a criticar a China em entrevista ao Valor Econômico e manifestar alinhamento total ao governo norte-americano como parceiro comercial preferencial. Após as eleições, consciente das possíveis dificuldades com o governo Bolsonaro, o governo chinês chegou a convidar uma delegação do PSL (partido de Bolsonaro) para estreitar relações, mas teve o convite recusado.
Não se sabe como e se estas implicações poderão afetar o setor de tecnologia. Vale lembrar que, no Brasil, a Huawei é provavelmente a maior fornecedora de equipamentos de redes de telecomunicações, com presença em todos os grandes operadores em uma vasta linha de produtos fixos e móveis. Além disso, a empresa é uma das principais credoras da Oi, assim como o Banco de Desenvolvimento Chinês, que financiou boa parte dos projetos com equipamentos chineses.
Já no exterior, a situação da Huawei em meio ao xadrez geopolítico e comercial entre EUA e China tem ficado mais complexa. A British Telecom, principal operadora de telecomunicações do Reino Unido, estaria revendo a utilização de equipamentos da Huawei nas redes de transporte DWDM, edge computing e core (inclusive 3G e 4G e futuros contratos de core 5G), segundo reportagem do Financial Times que vem sendo confirmada extraoficialmente a outros veículos, aparentemente em resposta a uma manifestação do governo dos EUA pedindo que as empresas não adotassem tecnologia dos chineses. O fato é curioso porque há cerca de três semanas, no principal evento de banda larga móvel da Huawei, o Global MBB Forum, realizado justamente em Londres, a BT foi uma das principais presenças. Seu chief architect, Neil McRae, chegou inclusive a declarar publicamente que a Huawei seria o “único fabricante 5G de verdade nesse momento” e que os demais teriam ainda que alcançar a fabricante chinesa (“there is only one true 5G supplier right now and that is Huawei — the others need to catch up”, disse ele, na declaração original). A BT tem significativa presença de tecnologia Huawei, herdada da operadora EE após a fusão.
O mesmo caminho de reduzir a presença dos fabricantes chineses já havia sido seguida por operadoras na Austrália e Nova Zelândia. A Huawei já não tem presença nos EUA, e, no começo deste ano, a AT&T cancelou o anúncio de uma parceria para distribuir celulares Huawei a poucas horas do lançamento oficial, contrariando os chineses. Outros movimentos na mesma linha foram sentidos, como a proibição de que a ZTE utilizasse tecnologias norte-americanas por conta das sanções internacionais que supostamente estariam sendo violadas (o que fez com que a empresa suspendesse temporariamente suas atividades globais, retomando apenas depois de um acerto de multa com os EUA). A Broadcom (sediada em Cingapura) foi impedida por Donald Trump de comprar a Qualcomm por mais de US$ 100 bilhões. Curiosamente, esta semana, durante o lançamento de seu primeiro processador para 5G, o Snapdragon 855, no Havaí, a Qualcomm anunciou já ter parcerias com Xiaomi, OnePlus, OPPO, Vivo (fabricante chinesa que opera com a marca BLU) e ZTE, todas chinesas. Apple e Samsung, e a própria Huawei, ainda não figuraram no leque de parceiros da Qualcomm para o Snapdragon 855.