A aprovação na última quinta-feira, 5, do texto que pretende ser a base do marco da regulação de inteligência artificial foi fruto de um árduo esforço para se encontrar um consenso entre a base governista e a oposição, e seu texto representa até onde foi possível chegar.
Mas o consenso é também de que o texto está longe de agradar ambos os lados. Especialistas no tema ouvidos por Mobile Time acreditam que muita água passará pela ponte da IA até o texto ser aprovado definitivamente no Congresso. E três pontos estão sob os holofotes de ambos os lados: os direitos autorais, a proteção à integridade da informação e o fato de que moderação e a recomendação de conteúdo nas redes sociais não são mais um item considerado de alto risco.
A poucos dias da votação do PL 2338/23 no Senado – ficou para a próxima terça-feira, 10 –, os dois grupos se movem nos bastidores para conseguir fazer vencer o seu ponto de vista. Do lado da oposição, as indústrias, empresas e plataformas digitais, fazem um lobby forte entre os parlamentares.
Direitos autorais
Representantes da indústria querem retirar do texto a possibilidade de se remunerar os autores de conteúdo – como artistas, jornalistas, entre outras categorias de profissionais – em defesa da impossibilidade de se remunerar todos durante o treinamento de sistemas de inteligência artificial.
“Nos preocupa bastante a vocalização que foi feita pela indústria, mas principalmente aquela representada pela CNI, sobre o tópico da remuneração de conteúdos protegidos por direito de autor no texto. Este capítulo segue, mas foi vocalizado pelo senador Marcos Rogerio (PL-RO) de que é um ponto de discordância e que ele não deveria estar no texto”, explica a este noticiário Bia Barbosa, coordenadora de incidência do Repórteres Sem Fronteiras na América Latina,
A representante do Repórteres sem Fronteiras diz que é importante defender a manutenção do artigo para que se garantam direitos mínimos para aqueles que investem recursos humanos e financeiros para a produção de conteúdo, seja ele de entretenimento, artístico, audiovisual ou jornalístico.
“Nada mais justo que garantir este direito para quem produz esses conteúdos e vê esses mesmos conteúdos sendo usados de maneira indiscriminada pelos sistemas de IA, sem ao menos saber que sua produção está sendo utilizada. Estaremos atentos a isso”, afirma Barbosa.
Já Luis Fernando Prado, sócio fundador do escritório Prado Vidigal, especializado em direito digital, privacidade e proteção de dados, vê a questão dos direitos autorais como um ponto que precisa de um “maior debate”.
O advogado avalia sob a perspectiva das empresas:
“Tem dois setores pautando as discussões. Um deles são os detentores de direitos autorais e direitos conexos. Eles têm uma posição que a regulação deve ser bastante rígida em relação aos direitos autorais. Por outro lado, temos um debate muito interessante de quem desenvolve e usa IA no Brasil que diz que precisa de acesso a dados, acesso a conteúdo para treinar modelos e desenvolver sistemas. Equilibrar a balança entre direitos autorais e o treinamento e o desenvolvimento de sistemas de IA vai ser o grande desafio do PL na sua tramitação daqui para frente”, avalia.
Recentemente, 13 entidades assinaram uma carta enviada aos senadores pedindo alteração do trecho que trata a questão de direitos autorais e pedem “regras equilibradas”, mas sem renunciar à proteção de direitos e que “estimulem a inovação e o desenvolvimento” de diferentes setores.
Dizem ainda que a redação atual “inviabiliza o treinamento de sistemas de inteligência artificial sempre que houver finalidade comercial ao exigir o pagamento pelo aprendizado computacional de conteúdos” e a divulgação dos dados nos quais os sistemas de IA foram treinados.
Os signatários da carta acreditam que o texto inviabiliza o treinamento de novos modelos e o aprimoramento daqueles já existentes.
Os pontos divergentes
Entre as mudanças em relação ao texto aprovado na terça-feira está a exclusão de artigos que tratavam da proteção da integridade da informação. A proteção à integridade da informação continua nos fundamentos da lei, há uma definição sobre o termo e uma previsão. Porém, ela não está mais presente em artigos como o que trata da necessidade de se haver uma análise antes que os sistemas de IA generativa sejam apresentados ao grande público (antigo artigo 31 do texto de terça-feira).
O texto descreve integridade da informação como o “resultado de um ecossistema informacional que viabiliza e disponibiliza informações e conhecimento confiáveis, diversos e precisos, em tempo hábil para promoção da liberdade de expressão”.
Outro ponto foi a introdução do artigo 77 no novo texto que exime as redes sociais de responsabilidade sobre o uso de modelos de IA para a moderação e recomendação de conteúdo.
O texto diz: “A regulação de aspectos associados à circulação de um conteúdo online e que possa afetar a liberdade de expressão, inclusive o uso de IA para a moderação e recomendação de conteúdo, somente poderá ser feita por meio de legislação específica”. A sugestão foi do Senador Marcos Rogério (PL-RO). Vale lembrar que os sistemas de IA de moderação e recomendação de conteúdo foram retirados na versão apresentada na terça-feira.
IA: amadurecido, mas o texto possível
Para Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, sócio fundador do Pellon de Lima Advogados e consultor jurídico do MEF, o texto, embora resultado de “alguns consensos possíveis”, ainda está complexo e precisa ser amadurecido. Para o especialista, o ideal seria começar uma regulação enxuta, voltada para casos de uso de alto risco para que a própria tecnologia pudesse amadurecer com o tempo, já que ela ainda é insipiente.
“A regulação de casos de uso claramente perigosos seria mais saudável quando todo o mundo civilizado busca desenvolver produtos e condições para novos negócios e inovação com IA, onde o Brasil tem que competir com os Brics e países latino-americanos para não ser relegado à condição de mero consumidor de plataformas de tecnologia”, diz.
Pellon lembra da política estratégica do Brasil, positiva, de ser um observador de legislações para depois fazer a sua própria.
“Se o Brasil sempre teve a vantagem de aguardar as iniciativas regulatórias do norte global para verificar e escolher seus próprios caminhos, avançar em uma regulação impositiva e burocrática neste momento só nos prejudica”, resume.
Por sua vez, Prado lembra que o texto que sai da CTIA foi aquele possível e que sofreu um amadurecimento enquanto esteve na Comissão Temporária. Mais setores e stakeholders foram ouvidos – desde grandes empresas até as pequenas, passando pela sociedade civil.
“O texto não é perfeito, longe disso, mas conta com um grau de amadurecimento maior, além de ter ouvido mais organizações que serão diretamente impactadas por essas obrigações. Não adianta fazer as obrigações sem ouvir as empresas porque aí são letras mortas. Não serão factíveis de serem cumpridas”, completa.