A Meta vai mudar as práticas de moderação de conteúdo e acabar com o programa de checagem (fact-checking), política iniciada oito anos atrás. A holding de Facebook, Instagram, Messenger e WhatsApp migrará para um modelo baseado em notas da comunidade, utilizado pelo X. A medida começa a ser implementada nos Estados Unidos, como uma adaptação ao novo governo do presidente Donald Trump, mas chegará ao Brasil inevitavelmente. Em vídeo sobre a explicação da novidade, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, disse que começará nos EUA por terem “as proteções constitucionais mais fortes para liberdade de expressão no mundo”. Disse ainda que, a América Latina “têm tribunais secretos que podem ordenar que as empresas retirem as coisas (das redes sociais) silenciosamente”. Disse ainda que a Europa “tem um número cada vez maior de leis institucionalizando a censura e tornando difícil construir qualquer coisa inovadora lá.”

João Brant, secretário de políticas digitais da Secom, escreveu em seu LinkedIn que por “cortes secretas” Zuckerberg referia-se ao STF e que os ataques à União Europeia e outros países “que buscam proteger direitos no ambiente online” como países que promovem a censura foi uma “declaração fortíssima (…) que ataca de maneira absurda os checadores de fatos (dizendo que eles ‘mais destruíram do que construíram confiança’ nas plataformas) e questiona publicamente o viés da própria equipe de Trust and Safety da Meta – numa justificativa para fugir da legislação californiana”.

Meta

João Brant, secretário de políticas digitais da Secretaria de Comunicação Social do governo federal. Imagem: reprodução de vídeo

Para Brant, a Meta vai:

– priorizar o direito de liberdade de expressão individual em detrimento de outros direitos, individuais ou coletivos;

– estimular o discurso da extrema-direita, permitindo o uso das plataformas digitais para ações políticas;

– asfixiar as empresas de checagem de fatos, afetando suas operações;

– atuar internacionalmente de forma articulada com o governo de Trump para combater políticas na Europa, Brasil e outros países que buscam regular as plataformas digitais.

“A declaração é explícita, sinaliza que a empresa não aceita a soberania dos países sobre o funcionamento do ambiente digital e soa como antecipação de ações que serão tomadas pelo governo Trump”, escreveu Brant.

Na prática, as “notas de comunidade”, usadas pelo X, consistem em internautas deixarem esclarecimentos em qualquer publicação nas plataformas. Se o número suficiente de pessoas com opiniões diversas classificar o comentário como “útil”, ele será exibido junto com o post. Ou seja, não há discussão sobre o fato, mas, sim, a opinião das pessoas sobre aquele fato.

Em sua declaração, Zuckerberg disse que os checadores terceirizados tinham vieses políticos “muito fortes”. O CEO alegou que a mudança visa reduzir os erros e a censura.

Para Fernando de Jesus Santana, especialista em direito privado do Wilton Gomes Advogados, a fala de Zuckerberg sobre os “tribunais secretos” na América Latina parece também “explorar uma narrativa de ‘vitimização de grandes plataformas’, associando regulações e decisões judiciais a supostos abusos de poder. Essa crítica ignora a importância das instituições no controle da disseminação de conteúdo nocivo em sociedades onde as redes sociais podem amplificar discursos antidemocráticos. O STF tem atuado com base na Constituição, mas a percepção de ‘tribunais secretos’ pode ser explorada para desacreditar medidas legítimas de proteção ao espaço público”, avaliou.

Santana lembra que o CEO associou a liberdade de expressão à ausência de moderação e fez ameaças a países e instituições. “Com isso, Zuckerberg se coloca em uma posição de confronto com modelos regulatórios que têm como objetivo proteger os cidadãos, bem como, coloca a neutralidade das plataformas em xeque. Mais do que promover a liberdade de expressão, essa postura parece abrir espaço para a desinformação e minar a credibilidade de instituições que atuam na defesa da verdade e da democracia”, comentou.

“Sua fala enfraquece a confiança na capacidade das big techs de operar de forma ética e imparcial. Elas passam a ser vistas como agentes políticos, em vez de provedores de infraestrutura neutra para o debate público”, complementou.

Ministro da Fazenda e AGU

Em entrevista à Globonews, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, mostrou preocupação com a medida.

“Nós vimos o que aconteceu em 2018 com a democracia brasileira com relação às fake news, vimos o que aconteceu depois da eleição de 2022 e dos preparativos não só de um golpe de Estado no Brasil, mas do assassinato de pessoas.”

Para Jorge Messias, advogado-geral da União, eliminar a checagem nas redes sociais é sinal para que o Brasil acelere o debate sobre regulação das plataformas digitais.

Idec

Em nota enviada à imprensa, o Idec manifestou preocupação com as mudanças anunciadas por Zuckerberg nesta terça-feira, 7, que podem contribuir para o aumento da circulação de desinformação, discurso de ódio e conteúdos nocivos nas redes sociais de Meta.

O instituto também alertou que as mudanças “demonstram o poder estrutural da concentração de poder nas mãos de corporações que atuam como árbitros do espaço público digital e privilegiam interesses corporativos em detrimento da segurança e dos direitos dos usuários”.

Trata-se de uma mudança abusiva e que reforça a necessidade de regulação robusta de responsabilização das plataformas digitais por danos causados por seus modelos de negócios.

Desconformidade com o CDC

Flávia LefèvreFlávia Lefèvre, advogada especialista em telecomunicações, direitos do consumidor e digitais, e parte do Conselho Consultivo do NUPEF (Núcleo de Pesquisa, Estudos e Formação), lembra que a Meta está em desconformidade com o  Código do Consumidor brasileiro, que estabelece que todos os fornecedores devem garantir segurança na prestação de serviços.

“Deixar de realizar a moderação de conteúdos e restringir atuação apenas em casos que para a Meta significam violação estrita da lei representa descompromisso com a segurança dos usuários das plataformas, sob o argumento falacioso de respeito à liberdade de expressão. Desinformação, discursos discriminatórios, entre outros, pela legislação brasileira, não estão protegidos pela liberdade de expressão”, disse.

Lefèvre comentou também que acha “fundamental” que o Ministério da Justiça e a Secretaria de Políticas Digitais,  interpelem oficialmente a Meta para que informe se essas novas práticas serão aplicadas aqui no Brasil também.

Incertezas

Meta

Rafael Pellon. Foto: divulgação

Rafael Pellon, sócio-fundador do escritório Pellon de Lima Advogados, reforça que a mudança de como o conteúdo será tratado pela big tech se trata de uma guinada à direita e que segue o resultado das eleições norte-americanas.

“Fica o desafio de entendermos como isso vai repercutir ao longo do ano no Brasil, considerando que esse tipo de decisão tende a reforçar mais do que nunca a necessidade de um judiciário ágil para avaliar aquilo que será colocado à prova no dia a dia da gestão das redes sociais do País”, disse.

O advogado especialista em direito digital lembra que Zuckerberg não comentou nada sobre a agilidade ou alteração de velocidade da retirada do conteúdo que tenha ordem judicial para ser removido.

“O Brasil pode se encaminhar para um cenário similar ao que tivemos com o X em que a ausência de cumprimento imediato de ordens judiciais ocasionou a ameaça de derrubada da rede no Brasil, entre outras questões”, comentou.

Pellon também reforça que o CEO de Meta não explicou em detalhes como acontecerá a “simplificação” das políticas “e se isso vai determinar, em alguma medida, que a gente não tenha uma retirada rápida de conteúdos por ordem judicial ou o não cumprimento de ordens judiciais específicas de retiradas de conteúdo”.

“O que se comenta hoje, nas redes jurídicas, é que isso pode ter diversos impactos como multas, penalizações, ordens de retirada de conteúdo com penalidades maiores, e aí, prejuízo aos usuários brasileiros, mas temos que ver como isso vai chegar na prática no País. Por ora, o que temos foi um alinhamento da Meta à toada atual geopolítica e ideológica que começa nos Estados Unidos junto com o novo governo de Trump”, disse Pellon.

Os impactos da medida de Meta no Brasil

Ainda que não de forma imediata, o fim do programa de checagem de fatos da Meta nos EUA poderá ter reflexos significativos no Brasil Segundo Marcelo Cárgano, especialista em direito digital do Abe Advogados, o País é vulnerável à desinformação, “principalmente devido ao alto uso de redes sociais como fonte de informação e à elevada polarização política”. A substituição de um sistema de checagem mais robusto por um sistema semelhante ao que atualmente é adotado pelo X pode, sim, levar a uma proliferação de desinformação e à disseminação de notícias falsas, especialmente em temas sensíveis como eleições, saúde pública e segurança, acredita o especialista.

“Por outro lado, essa mudança pode impulsionar de forma positiva o debate sobre a necessidade de políticas públicas e regulação mais claras para lidar com a desinformação e evitar a censura excessiva. Mesmo em setores críticos aos republicanos e à futura segunda administração Trump, há discussões se as medidas adotadas no combate à desinformação e discurso de ódio online teriam sido demasiadamente rígidas, levantando a questão de que talvez seja o momento de uma correção de rumos, especialmente após a sua recente derrota eleitoral”, afirmou.

 

*********************************

Receba gratuitamente a newsletter do Mobile Time e fique bem informado sobre tecnologia móvel e negócios. Cadastre-se aqui!