Foi instalada no Senado, em março de 2022, a comissão de juristas que vai elaborar um projeto de regulação de inteligência artificial (IA) no Brasil, programado para ser entregue em dezembro. No entanto, na visão da pesquisadora Miriam Wimmer, cujo mandato na diretoria da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) terminou no último domingo, 6, não há como saber o momento certo de se regular o tema. Mas ela defende que no Brasil seja considerada uma abordagem descentralizada nesse debate.
Existe hoje um movimento global de discussão sobre os impactos da IA. O que se reconhece é “a necessidade de reflexão e estruturação do debate regulatório”. Nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, normas estão sendo pensadas em diferentes modelos. Há alguns anos, Wimmer enxerga a tendência de declarações sobre o tema, como da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Unesco. No Brasil, normalmente o caminho trilhado é com declarações vagas, que ganham contornos mais concretos por medidas jurídico-regulatórias ou iniciativas autorregulatórias e corregulatórias.
Ela citou o dilema de Collinridge, pelo qual se entende que é difícil saber o momento certo para regular uma tecnologia. “Se nós regulamos muito cedo, geramos potenciais impactos negativos sobre a inovação e o desenvolvimento tecnológico. Se esperamos demais, o fato já está consumado, e não há mais possibilidade de intervenção”, explicou Wimmer, na Abes Conference, nesta segunda-feira, 7. “É algo que também se verifica aqui no Brasil, ao mesmo tempo em que já existem muitas normas setoriais ou mesmo transversais que de alguma maneira impactam essa tecnologia”, afirmou a especialista, elencando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Lei Antitruste e outras normas de abrangência horizontal.
Para a pesquisadora, no Brasil, caminha-se em direção ao consenso de reconhecer que existem graus de risco de diferentes aplicações de IA e entender também que o nível de incidência regulatória deve ser diferenciado em função desses riscos. Há um debate sobre seguir um arranjo institucional centralizado ou descentralizado de regulação, com diferentes órgãos setoriais atuando em conjunto.
“Não dá para desconsiderar o que já vem sendo feito. É uma ilusão imaginar que, se criar um novo órgão amanhã, vai todo mundo parar imediatamente de fazer o que já está fazendo. Não é dessa forma que funciona. Eu falo isso a partir da experiência de ter participado ao longo dos dois últimos anos da criação de um novo órgão, a ANPD”, opinou. “O desafio é parecido: como se articular com um sistema muito complexo e fragmentado, em que existem dezenas de órgãos reguladores setoriais, dotados de competências também transversais”, explicou Wimmer, que participa da comissão no Senado.
A pesquisadora acredita que o debate sobre o arranjo institucional a ser utilizado depende de opções legislativas, levando em consideração o risco e a necessidade de se trazer segurança jurídica. E esse diálogo precisa ser aberto entre os diferentes atores envolvidos com o tema, como a indústria, sociedade civil, academia e o Congresso Nacional, recomenda.
Ela defende que sejam consideradas múltiplas abordagens regulatórias. “Não é apenas a regulação centralizada no Estado que tem o condão de transformar a realidade ou de promover a proteção de direitos”, disse. “Essa lógica de regulação descentralizada, que decorre também de mecanismos auto e corregulatórios, das potencialidades da própria tecnologia, são elementos que devem ser levados em consideração quando discutimos eventuais arranjos institucionais e abordagens legislativas.”