A Telcomp defende que o mercado de espectro secundário pode melhorar a competição e incentivar as conexões móveis no interior do País. Em conversa recente com Mobile Time, o novo presidente da associação, Luiz Henrique Barbosa, acredita que a aceleração deste novo mercado o “quanto antes” ajudará a alavancar as redes móveis por meio das PPPs fora dos grandes centros e em segmentos de nicho.
Outros temas abordados na conversa foram: o futuro, a agenda e as novas bandeiras da Telcomp na era digital; a proposta de modelo híbrido para MVNOs; a consolidação de espectro com a compra da Oi por Claro, Tim e Vivo; a necessidade de clarificar a rede privativa do governo; o imbróglio entre concessionárias rodoviárias e o setor de telecom no direito de passagem; além dos ajustes e desajustes do leilão do 5G.
Confira a entrevista completa abaixo:
Mobile Time – Qual sua missão como presidente executivo da Telcomp?
Luiz Henrique Barbosa – As empresas de telecom estão se transformando rapidamente. Apresentam-se como empresas de tecnologia. A missão que recebi é dar uma reformulada na associação. Vamos contratar uma empresa para dar suporte de planejamento estratégico para traçar a missão da associação para os próximos anos. No ano passado, a Telcomp completou 20 anos. Nós temos papel importante, de incentivo à competição e transformação do setor, sempre fomos uma voz ativa. A missão é realmente fazer uma mudança na associação para atender novas requisições das empresas. A Telcomp vai levantar bandeiras novas em tecnologia e no mundo de dados. Claro que tem discussão que permanece, como infraestrutura, por exemplo. Mas queremos entrar em outras áreas, como o grupo de segurança cibernética da Anatel – boas práticas, melhores padrões, adoção de soluções.
Pode dar um exemplo dessa nova jornada?
Hoje, as empresas de telecomunicações se posicionam muito mais como empresas de tecnologia. As companhias não querem só vender conectividade. Estamos indo para a cadeia de produção e consumo, o que tem implicações. E as nossas associadas têm atributos para prestar serviço e servir de plataforma de cliente. Um exemplo é vender conectividade, fazer a integração e ajudar o cliente a gerir os dados, como no universo da LGPD. É uma agenda que vamos avançar nos próximos anos. Mas vamos continuar fazendo o nosso trabalho em infraestrutura nos últimos anos. Poste, antena, ERBs ainda importam e temos um trabalho institucional e judicial a ser feito. O 5G está batendo na porta e você não consegue antenas. Veja a discussão da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao questionar a legalidade da Lei Geral de Antenas, feita há cinco anos. É algo que será julgado no dia de 10 de fevereiro e que preocupa muito. É uma lei muita boa, mas cujo questionamento pode inviabilizar a construção de redes.
Neste novo formato, vocês pretendem conquistar mais associados?
Sim. Temos uma base bem sólida em empresas de médio porte. Esses participantes são diferentes das operadoras de grande porte (quatro grandes grupos). Temos empresas de centenas de milhões e de bilhões de reais, de grande porte, e ainda assim são tratadas como PPPs. Mas são diferentes dos pequenos provedores, como por exemplo Datora, CenturyLink e BT. Todos têm produtos sofisticados e demandas regulatórios. Vamos revisar nossa missão. A ideia é criar uma missão de três anos e trabalhar nela. É o que faremos nesse começo de gestão.
Como vai funcionar a dinâmica com o presidente do conselho, Tomas Fuchs?
São setenta empresas associadas e temos o conselho com conselheiros móveis (com eleição bienal). Foram eleitos ano passado, igual a um board de empresa. O Tomas (Fuchs) é o presidente do conselho. O relacionamento é ótimo, não poderia ser melhor. É um board bem representativo de modo que atenda a todas as demandas. Neste conselho tem operadora regional, a Wirelink, Um Telecom, Vogel, Algar, Vero Internet, Ascenty, Lumen Technologies, Datora, Megatelecom. Temos quatro MVNOs com diferentes perfis. Tem as empresas de infraestrutura que defendem direito de passagem, MVNO que defende a agenda de incentivo, mercado secundário de frequência que permite aplicações para IoT e prestação de serviços onde as teles grandes demoram mais a chegar.
Falando em MVNOs e MVNAs, e a proposta de modelo híbrido?
Está no radar o modelo híbrido. À medida que a tecnologia vai evoluindo, os serviços vão evoluindo. No começo, a receita de voz era importante. Hoje são os dados que importam. Então tem aprimoramentos que precisam ser feitos. Esse é um tema que está sendo debatido no CPPP (Comitê das prestadoras de pequeno porte) da Anatel. A Abramulti é relatora desse tema dentro do conselho. Estamos acompanhando e dando as nossas sugestões. Em breve queremos colocar alguns temas que sugerimos de aprimoramento das MVNOs.
Como você vê este momento de mercado com consolidação e o leilão de 5G?
Estamos em um momento de inflexão importante que vai definir o futuro de telecom nos próximos anos. Tudo tem que ser avaliado de forma conjunta: o leilão do 5G e a concentração da Oi nas três operadoras – que gera uma concentração de espectro muito grande. Por um lado, toda essa cadeia de operadoras competitivas tornaram esse mercado muito dinâmico. 20% do mercado três anos atrás, 40% hoje. O mobile também tem esse potencial de participação das (operadoras) competitivas, assim como o mercado de Internet fixa. Elas atendem os clientes com pacotes mais prontos, atendem mercados de nicho que as grandes não conseguem (agro, logística, cidades inteligentes – junto aos grandes grupos – e estão fora do grande centro. A Telcomp quer atuar para criar incentivo adequado para que serviços possam ser prestados usando radiofrequência no País todo. Estamos atentos ao regulamento de uso de espectro (RUE), mercado secundário de uso de espectro com regiões que estão subutilizadas. Queremos todo mundo competindo e cooperando: integradores, operadores e mercado secundário.
Estamos muito atrasados no 5G?
O leilão está no tempo adequado, vai ocorrer em 2021. Me preocupam regras de uso de mercado secundário que podem surgir só daqui a quatro anos. Vamos trabalhar e pressionar para criar isso já. A média de crescimento na década dos países emergentes é de 40%, enquanto Brasil cresceu 2%. Para recuperar o tempo perdido é preciso investir em tecnologia. Trazer eficiência de produção, consumo, tecnologia verde, menos poluição. Telecomunicações é um meio para realizar tudo isso. O 5G está envolvido nas mais importantes cadeias de competição. Antes era só conectividade, hoje tem aplicações, streaming, telemedicina. Isso é uma mudança na sociedade.
A divisão dos blocos e o cronograma do leilão agradam os associados da Telcomp?
A Anatel fez um desenho bom dos blocos. O cronograma parece longo, mas cria e incentiva implementação rápida, além de impulsionar a concorrência com os regionais. Neste sentido, o desenho é interessante. Para cidades pequenas e pequenos centros, o desenho é inteligente. As operadoras competitivas entram como suporte para telefonia móvel, com backbone. Há tantas operadoras, arranjos e competidores, que é uma agenda importante para todo o setor cooperar. O cara que tem fibra, vai fibrar as ERBs, haverá espaço para todos, e isso cria um ambiente concorrencial e saudável.
Qual a posição sobre a rede privativa e o possível impedimento da Huawei, como adiantado pelo conselheiro Baigorri?
É uma política pública. O governo pode colocar o que acha e que deve (em sua visão). Precisa ter um esclarecimento melhor do escopo e da especificação da rede. Mostrar o que vai ter e onde estará, pois isso vai na conta de todo mundo para participação do leilão. Tem que ter um pouco mais de detalhes. É algo que faz parte do jogo. Acredito que Anatel e Minicom estão trabalhando para ter os cálculos e mostrar onde estará a rede. O leilão não arrecadatório é saudável, sempre lutamos por isso desde outros leilões. Isso trará mais receita para o País do que a receita do leilão, no médio prazo.
Telcomp é única que apoia expressamente o Release 16? Vocês manterão isso?
As empresas buscam por eficiência. Definir tecnologia (pelo regulador) não é algo bom. Mas a nossa manifestação sobre isso é apoiando o release 16. É uma rede de core 5G mesmo. Não é uma evolução de 4G e LTE-A e concorrencialmente neutro. Todo mundo parte da mesma base. Como é um leilão não arrecadatório, nos parece razoável pela parte do relator. Criou-se uma expectativa em relação ao 5G, à latência, e para isso, o core de rede importa. Cabe às empresas trazer uma tecnologia nova e fazer um modelo de negócios para trazer o melhor para o Brasil.
Isso pode atrapalhar o leilão do 5G de alguma forma?
Vai ter uma discussão. E as vistas do conselheiro Leonardo envolvem um pouco isso (disputas de mercado). A Anatel está ouvindo os dois lados. Para nós, é algo saudável. Neutro para o País. Mas é comum ter divergências entre as operadoras.
Qual a posição da Telcomp sobre direito de passagem?
Para construir redes nas rodovias paulistas, é preciso, hoje (uma operadora), gastar R$ 35 mil a R$ 40 mil por km em direito de passagem. Isso não se paga, o business plan não fecha. Para eles, grande parte da receita vai para o tarifário das rodovias. Mas isso podia ser revisto. Chega a ser míope a visão de alguns setores. As rodovias cumprem o contrato e preveem a receita acessória. Mas o modo como está hoje inviabiliza a construção de infraestrutura para levar a conectividade para o interior e inviabiliza que as pessoas que moram mais afastadas tenham conectividade. Agora, se tiver conectividade no interior, melhora a qualidade de vida e as pessoas podem sair dos grandes centros para morar no interior. Com isso, as concessionárias podem ter mais receita de pedágio, por exemplo. Isso em um momento que estamos falando de trabalho remoto.
Em resumo, quais as expectativas da Telcomp para o ano?
2021 é um ano que tem uma boa expectativa para o setor. A pandemia trouxe oportunidades, mostrou como telecom é importante. Foi um dos poucos setores que cresceram em 2020. Esperamos mais oportunidades para empresas de telecom e TI, pela dinâmica do mercado. Vamos trabalhar próximo do Congresso e da Anatel. Temos uma agenda e estamos em um começo de trabalho.