Não basta aprovar uma lei sobre inteligência artificial ou de qualquer outro tema que envolva tecnologia. É preciso acompanhar as mudanças e fazer atualizações periódicas nas regulações, acredita Carlos Affonso Souza, diretor do ITS Rio e professor de direito da UERJ. Em sua fala durante evento promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro, nesta quarta-feira, 8, o especialista deu como exemplo de legislação que precisa ser atualizada o Marco Civil da Internet e a de inteligência artificial como uma futura regulação que provavelmente cairá no mesmo grupo do “lei aprovada, feito”.

“Se tem uma lição que a gente aprendeu com a regulação de novas tecnologias é que não basta passar uma lei e achar que o problema está resolvido. Mas, de certa maneira, não adianta a gente imaginar que uma fala no Congresso resolve os problemas no longo prazo. Não resolve. Tecnologia vai nos trazer desafios que vão demandar controle progressivo, para fazer a calibragem de forma mais periódica. E me parece que o desenho regulatório que a gente tirar para a inteligência artificial vai precisar fazer essas calibragens de maneira periódica porque regulação também é uma tecnologia, também pode ser aperfeiçoada e precisa de constante atualização. Precisaremos baixar vários patches para a nossa tecnologia regulatória ser atualizada. E com sorte não terão vírus, códigos maliciosos”, comentou Souza.

Marco Civil da Internet e inteligência artificial

O professor lembrou que o Marco Civil da Internet fez recentemente 10 anos e que ele influenciou a regulação na Itália e gerou um efeito cascata – já que a lei italiana serviu de inspiração para a francesa. A lei brasileira serviu de exemplo sobre como se fazem leis relacionadas à tecnologia, com debates intensos e com participação de diferentes segmentos da sociedade, mas também seu texto principiológico.

O problema é que ele não acompanhou as novas discussões como moderação de conteúdo, desinformação e temas ligados à concorrência. “É necessário se debruçar sobre o Marco Civil da Internet para atualizá-lo”, complementou Souza.

O acadêmico se preocupa com a forma como o Brasil lida com suas regulações – como a do MCI, e da Lei Geral de Proteção de Dados – e teme que o mesmo aconteça com a inteligência artificial: cria-se uma legislação para depois paralisar e não mexer mais nela. Algo como “ok, missão cumprida”. Mas a aprovação de uma lei é apenas um passo, segundo Souza, e reforça a importância de se revisitar as regras, atualizando-as para os dias atuais.

“O Marco Civil da Internet foi uma lei principiológica; não se propôs em ser o início, o meio e o fim da regulação da Internet no Brasil”, afirmou. “Temas que se tornaram prevalecentes nesta última década não estão presentes no MCI. Seria preciso um novo olhar regulatório sobre esses tópicos, o que não aconteceu. E é isso que me preocupa muito quando a gente passa para a regulação de inteligência artificial”, complementou.

O professor lembra que a “culpa” pela não atualização das regulações no Brasil não é da lei em si, mas dos legisladores e das autoridades que deveriam olhar para esses novos temas que surgem.

“Em tempos de polarização, parece haver de um lado o pessoal que defende o Marco Civil e de outro, a turma que defende uma nova regulação. E eu não vejo isso como uma polarização. Os dois são possíveis. É preciso que a gente tenha uma atualização do Marco Civil da Internet. E muito do que a gente vive hoje é decorrente da ausência dessa atualização. O que vai acabar acontecendo é que teremos decisões esparsas do Supremo Tribunal Federal sobre o caso ao invés de uma regulação que olhe de alguma maneira mais ampla e orgânica para esse debate. E temo que o mesmo aconteça com a inteligência artificial porque fico com a impressão de que o Congresso dirá: ‘passamos o marco civil, missão cumprida’, e tire o pé do acelerador”, disse.

Foto: Carlos Souza, diretor do ITS Rio durante sua palestra em evento promovido pela Associação Brasileira de Ciências. Crédito: Isabel Butcher/Mobile Time

 

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