A partir de fevereiro de 2022 o WhatsApp (Android, iOS) vai mudar o modelo de cobrança para o uso da sua API. Em vez de cobrar por notificação, vai fazê-lo por conversa, mesmo quando iniciada pelo usuário final. A novidade obriga a uma revisão de contratos e de estratégias de boa parte dos BSPs (provedores de soluções de negócios, na tradução da sigla para o português), como são chamados os parceiros oficiais do WhatsApp que estão conectados à sua API. Da mesma forma, marcas que utilizam o WhatsApp como canal de comunicação com seus consumidores estão fazendo as contas para entender como serão impactadas. Mobile Time apresenta a seguir a repercussão da novidade a partir de entrevistas com diversos atores do mercado nacional de bots.
Antes de analisar o impacto do novo modelo, é importante contextualizar a importância do WhatsApp na comunicação entre marcas e consumidores no Brasil. O aplicativo é o mais popular do País, instalado em 99% dos smartphones nacionais, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box. É também aquele com maior frequência de uso: 95% dos seus usuários declaram abri-lo todo dia ou quase todo dia. Essa hegemonia existe há mais de cinco anos, apontam dados do mesmo relatório. As operadoras móveis, que no passado enxergavam o WhatsApp como inimigo, se viram obrigadas a se unir a ele, oferecendo a seus assinantes acesso ao aplicativo sem desconto na franquia de dados, o chamado “zero rating”, o que fortaleceu ainda mais o aplicativo no Brasil.
Naturalmente, o WhatsApp levou empresas de todos os portes e de todas as verticais a usá-lo como meio de comunicação com seus clientes e também entre seus colaboradores. Inicialmente isso era feito ao arrepio dos termos de serviço do WhatsApp, que até alguns anos atrás proibia o uso do app para fins comerciais. Somente em agosto de 2018 o aplicativo finalmente lançou a sua API e concedeu a um pequeno grupo de empresas ao redor do mundo o direito de acessá-la – os já mencionados BSPs, cuja lista vem aumentando desde então, mas de forma bastante controlada e criteriosa por parte do WhatsApp, que escolhe a dedo seus parceiros para garantir a qualidade no uso do canal.
Na sua abertura para uso comercial, três anos atrás, o WhatsApp adotou um modelo de cobrança baseado em notificação. Quando uma empresa inicia uma conversa com um usuário pelo WhatsApp, é cobrada uma tarifa que dá direito a manter uma sessão de até 24 horas após uma resposta do usuário. Obviamente, é exigido que a empresa tenha a devida autorização (opt-in) por parte do cliente para contactá-lo. Além disso, o WhatsApp faz questão de aprovar todos os modelos de mensagens de notificação, novamente para garantir uma experiência de qualidade. E campanhas meramente publicitárias são proibidas.
No modelo por notificação, se a conversa é iniciada pelo cliente, o WhatsApp não cobra nada. Isso foi um fator determinante para o crescimento do uso do aplicativo como um canal de atendimento ao consumidor. Diante do alto custo dos call centers e da onipresença do WhatsApp nos smartphones brasileiros, as marcas não titubearam em adotar soluções de atendimento automatizado no aplicativo de mensageria, usando robôs de conversação para as solicitações mais frequentes, e reservando os humanos para aquelas mais complexas. Para estimular o uso do canal, o contato de WhatsApp de cada marca passou a ser divulgado em diversos locais, de websites até a embalagens de produtos.
Paralelamente, apareceram várias empresas oferecendo soluções de bots, que o WhatsApp chama de ISVs (vendedores independentes de software, na tradução da sigla para português). Os ISVs acessam a API do WhatsApp Business através dos BSPs. E assim um sofisticado ecossistema de empresas que atuam com chatbots e voice bots foi construído ao longo dos últimos três anos no Brasil, tendo o WhatsApp como principal polo de atração no período. Hoje, 94% dos desenvolvedores de bots presentes no País já produziram algum robô de conversação para WhatsApp e praticamente metade deles (49%) afirmam que esse app de mensageria é o canal onde têm mais bots ativos no momento, informa a edição deste ano do Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots, relatório produzido por Mobile Time.
Vale destacar que 65% dos desenvolvedores de bots do Brasil apontam que atendimento ao cliente é a principal finalidade dos seus projetos atualmente, destaca o mesmo relatório. A isenção de cobrança por conversa iniciada pelo cliente no WhatsApp, sem dúvida, estimulou esse caso de uso.
Preços
No modelo de cobrança por conversa, que passará a vigorar em fevereiro, o WhatsApp definiu preços diferentes dependendo de quem inicia a sessão, se a empresa ou o usuário final. O preço para conversa iniciada por este último é sempre mais barato. No Brasil, custa US$ 0,03 quando a conversa é iniciada pelo consumidor e US$ 0,05, quando pela empresa. Os preços variam de país para país. Na Índia, por exemplo, são bem mais baratos, abaixo de um centavo de dólar: US$ 0,004 para conversa iniciada pelo cliente e US$ 0,0066, pela empresa. O WhatsApp não detalha os critérios para a precificação, mas algumas fontes acreditam que o preço do SMS em cada mercado tenha sido levado em conta, o que ajudaria a explicar a diferença entre Brasil e Índia, por exemplo.
“Acho o preço no Brasil caro, especialmente por causa da taxa de câmbio hoje do dólar. E ano que vem, com eleição, só Deus sabe aonde o dólar vai parar. Até dezembro vamos estar em uma roda gigante”, critica o executivo de um ISV.
Para efeito de comparação, no modelo de notificação, o WhatsApp cobra no Brasil US$ 0,047 por mensagem nas primeiras 250 mil mensagens – o valor cai conforme aumenta o volume, chegando a US$ 0,026 por mensagem se superar 25 milhões de mensagens.
Com o novo modelo de cobrança por conversa, as marcas terão que arcar com um custo que até então não estava previsto, ou seja, uma tarifa pelas sessões iniciadas pelo consumidor. Cabe ressalvar que o WhatsApp estabeleceu que não cobrará nada pelas primeiras 1 mil conversas por mês, de forma a preservar as pequenas empresas. Mas para as grandes marcas que concentraram esforços em levar seu SAC para dentro do WhatsApp, o impacto pode ser grande.
“Estamos fazendo cálculos. Todo o meu pessoal ao redor do mundo está preocupado porque pode desincentivar o uso do canal e levar à perda de clientes”, comenta Yuri Fiaschi, vice-presidente global de vendas da Infobip. Pelas suas contas, há clientes para os quais os custos vão quadriplicar após a mudança no modelo de cobrança.
Na opinião de Roberto Oliveira, CEO da Take Blip, as marcas precisam levar em conta o retorno sobre o investimento dos projetos de atendimento via WhatsApp. Se botarem na ponta do lápis, perceberão que o impacto do novo modelo de cobrança, na verdade, será pequeno. E ressalta que para alguns casos de uso que eram focados em notificação, não em atendimento, o custo vai até mesmo cair, já que as primeiras 1 mil conversas passarão a ser gratuitas.
O novo modelo retira a previsibilidade de custos dos projetos de atendimento, alerta Eduardo Henrique, CEO para a América Latina da Sinch. Na cobrança por notificação, a marca sabe exatamente quanto vai gastar com WhatsApp. Mas a partir do momento em que passa a pagar por conversa iniciada pelo consumidor, é preciso fazer uma projeção considerando o alcance das campanhas de divulgação do seu contato no WhatsApp. Inúmeros fatores podem levar a picos de acesso dos consumidores ao canal, elevando o custo.
De todo modo, o executivo da Sinch pondera que o WhatsApp tem todo o direito de definir o modelo que preferir, ou que achar melhor para o seu negócio, já que é o dono da plataforma. “A nós, como parceiros de negócios, cabe fazermos duas coisas: 1) seguir a regra; 2) dar feedbacks para o WhatsApp. E vejo que o WhatsApp é muito aberto a ouvir”, comenta.
Contratos e valor agregado
Fontes relatam que, em muitos casos, os contratos entre BSPs e marcas estão sendo revistos em razão da futura mudança. Além disso, clientes em negociação, já sabendo da troca no modelo de cobrança, tentam emplacar contratos com preço fixo.
Ao mesmo tempo, é esperado que os BSPs reforcem o que entregam de valor agregado em cima do WhatsApp. Pode ser uma plataforma amistosa para gestão de canais; facilidade na construção de bots e na integração de sistemas de terceiros; inteligência artificial para conduzir o atendimento automatizado etc.
É possível também que alguns BSPs revejam seus próprios modelos de negócios, para se adequarem melhor à cobrança por conversa no WhatsApp. Na opinião de várias fontes, quem mais vai sofrer serão os BSPs que atuam meramente como brokers e que hoje cobram uma margem em cima do tráfego do WhatsApp. “Vai ser complicado para quem é broker puro e não coloca uma camada de inteligência sobre o canal”, avalia o executivo de um BSP.
Migração para outros canais
Um dos impactos da mudança no modelo de cobrança do WhatsApp pode ser a migração de marcas para outros canais, como RCS e Telegram. Porém, o WhatsApp ainda oferece dois atributos que são inigualáveis no mercado brasileiro: 1) sua enorme base de usuários; 2) uma experiência com a qual o público está acostumado, sem necessidade de aprendizado.
“O WhatsApp tem o que ninguém tem: as pessoas. Sua força está na base de usuários, não em funcionalidades”, comenta uma fonte.
Oliveira, da Take Blip, considera baixa a probabilidade de as marcas migrarem do WhatsApp para o RCS por causa da mudança no modelo de cobrança. “É mais fácil trazer um produto para uma comunidade do que uma comunidade para um produto. O RCS passa por um desafio que é o de engajamento do usuário. O WhatsApp não tem esse problema: seu usuário é superengajado. Se um dia o RCS conseguir construir engajamento do usuário, com certeza vai ser super-relevante. E estamos nos esforçando para ajudar nesse sentido. Vale lembrar que o RCS tem vantagem para um caso de uso: o broadcast de mensagens”, analisa o CEO da Take Blip.
Futuro
Apesar das queixas, o mercado já esperava que o WhatsApp fosse alterar seu modelo mais cedo ou mais tarde. O anúncio com seis meses de antecedência confere tempo para que ajustes sejam feitos pelos parceiros. Por mais que encareça alguns casos de uso, é difícil imaginar alguma marca desistindo do WhatsApp no Brasil diante da importância desse canal no País. Por outro lado, fontes ressaltam a importância de estabilidade do novo modelo a longo prazo, para garantir previsibilidade ao negócio. Afinal, em um gigante como o WhatsApp, qualquer mudança significa um grande impacto.