Na reta final dos preparativos para a Reunião Plenipotenciária da União Internacional de Telecomunicações (UIT), que acontece entre os dias 29 de outubro e 17 de novembro nos Emirados Árabes, está quente o clima entre Anatel, diferentes stakeholders e governo por conta de duas propostas polêmicas. O corpo técnico da Anatel sugeriu que o Brasil leve duas propostas de resolução sobre temas bastante controversos: cibersegurança e ética em Inteligência Artificial. No caso da questão de cibersegurança, a proposta é para que a UIT organize um encontro de cúpula sobre o assunto. Já no caso da resolução de Inteligência Artificial, a proposta é para que a UIT crie um grupo de especialistas de alto nível com filósofos, cientistas sociais, cientistas cognitivos, cientistas de computação, bem como outros órgãos das Nações Unidas, além de promover uma consulta pública aberta e multistakeholder de coleta de informações sobre questões relevantes relacionadas ao tema. Os trabalhos do grupo seriam encaminhados à Assembleia Geral das Nações Unidas, à UIT-T (que cuida de normas e padrões) e organismos de padronização para contribuir com o futuro do desenvolvimento de princípios éticos relacionados à Inteligência Artificial. A Unesco seria chamada a participar deste trabalho.
As propostas ainda não foram oficializadas pelo conselho diretor, a quem cabe definir se elas serão ou não mandadas para a Plenipotenciária. E as discussões no âmbito da CBC1 (Comissões Brasileiras de Comunicação, que tratam dos temas das Plenipotenciárias), onde participam atores como as empresas de telecomunicações, fornecedores, sociedade civil e empresas de Internet, ficaram especialmente acaloradas esta semana. Não há nenhum consenso setorial de que estas resoluções devam ir adiante. Ao contrário, a tendência é de que elas sejam rechaçadas setorialmente, pois há dúvidas relevantes se a UIT deve ser o fórum para debates sobre temas tão amplos e que transcendem a esfera das telecomunicações.
Mas os técnicos da agência entendem que o Brasil precisa colocar uma proposta conciliadora, pois haverá na Plenipotenciárias propostas mais duras de países que têm interesse geopolítico direto no tema, como Rússia e países africanos (normalmente alinhados à China). Existe um movimento de outros órgãos de governo como Itamaraty e GSI no sentido de apoiar a resolução da Anatel. Mas dentro do MCTIC, por exemplo, há uma divisão, pois a secretaria de políticas digitais estaria alinhada com os técnicos da Anatel, mas a secretaria de telecomunicações ainda quer estudar o assunto. A palavra final será do conselho diretor, que ainda não formou uma posição, e uma definição precisa acontecer esta semana para que a proposta seja submetida.
O pano de fundo da discussão é o papel da UIT no contexto atual dos serviços e das tecnologias digitais. Questões como ética em Inteligência Artificial e mesmo segurança cibernética vão muito além das aplicações de comunicação e das redes de telecomunicações e, portanto, transcendem o escopo da UIT. Mas são questões que afetam a vida das pessoas e demandam atuação dos Estados. Existem poucos fóruns internacionais em que Estados tenham representação e onde este debate possa acontecer. Os órgãos da ONU, como UIT e Unesco, são candidatos, mas por trás disso existem os interesses geopolíticos e comerciais dos diferentes países e de suas empresas.
OTT
Se de um lado existe polêmica sobre as duas resoluções, há consenso entre os participantes da CBC1 sobre a resolução para serviços OTT. A resolução que o Brasil deve encaminhar busca chamar a atenção e promover na UIT o entendimento comum para um ambiente viabilizador de discussão de aspectos relacionados a telecomunicações de aplicações OTT; e estimular estudos técnicos, econômicos e de políticas sobre temas relacionados a telecomunicações nas aplicações OTT.