No Brasil, o setor da saúde ainda não sabe muito bem como e em que aplicar a inteligência artificial, embora existam diferentes possibilidades, como análise de dados, atendimento personalizado e pré-diagnóstico de doenças. Falta maturidade. É o que acreditam os especialistas que trataram do tema no primeiro dia da Futurecom, nesta terça-feira, 8.
“Falta entender que a implementação da IA precisa de um planejamento estratégico. É necessário avaliar quais são as expectativas e o que se quer oferecer com ela, se com sua implementação terá um custo menor ou não”, explicou a conselheira do Brasil Digital, Lilian Hoffman, em sua fala. No seu entender, a imaturidade do segmento implica na falta de diálogo com a indústria, os pacientes e os trabalhadores da área da saúde.
“Muitas vezes, acontecem apenas experimentos e que não agregam valor”, emendou a conselheira do Inova HC, Marcia Ogawa. Na mesma linha, a diretora executiva de estratégia, inovação e ESG do Grupo Fleury, Andrea Bocabello, destacou que ainda falta conhecimento sobre a tecnologia dentro e fora do setor.
Além das conselheiras e da diretora do Fleury, estavam presentes no debate da Futurecom, o professor e pesquisador da Unicamp Anderson Rocha, e o gerente de inovação e valor em saúde do Hospital Sírio-Libanês Cristiano Valerio Ribeiro. Todos foram unânimes: a tecnologia tem potencial, mas deve ser usada de forma complementar até pela sua suscetibilidade a erros. “A inteligência artificial não é para substituir o médico, mas somar com ele”, afirmou Ogawa.
As possibilidades da IA na saúde
“Vivemos a revolução da convergência, em que independentemente de aceitarmos ou não, precisaremos conviver com a nanotecnologia, a robótica, a biotech e a inteligência artificial”, observou o professor da Unicamp. Para ele, a IA tem sido importante na saúde e um desses exemplos é na descoberta de padrões causais de doenças. “Enquanto um médico especialista consegue identificar em sua carreira cinco a seis casos, a inteligência artificial consegue encontrar milhões”, disse Rocha. Sem contar o uso na identificação dos riscos potenciais que um paciente está suscetível, por conta de uma determinada doença. A conselheira do Instituto Brasil Digital vê também potencial para “traduzir” os termos médicos para um linguajar mais acessível aos pacientes.
Além dos exemplos hipotéticos, há casos concretos que se mostraram positivos com o auxílio da tecnologia. Durante a pandemia de Covid-19, o Inova HC desenvolveu uma inteligência artificial capaz de capturar imagens e ajudar o especialista a diagnosticar pacientes com covid. Dentro do Sírio-Libanês e do Grupo Fleury, a aposta na tecnologia existe há quase dez anos.
O hospital costuma fazer uso de IA na separação de medicamentos bem como na conferência de lote e validade. Mais recentemente, passou a contar com a tecnologia em seu concierge. Já no laboratório, a ferramenta é usada não apenas nos exames, mas também em gestão empresarial, logística e ESG. Além disso, o Fleury tem trabalhado no desenvolvimento de um algoritmo capaz de identificar câncer apenas por dados sanguíneos. O grupo procura se manter antenado às novas tendências, tanto que a cada três meses analisa os portfólios e verifica as demandas de diferentes áreas do Fleury.
Desafios
Ainda pouco explorada, a jornada digital é um outro ponto desafiador. Segundo o gerente do Hospital Sírio-Libanês, embora isso tenha potencial para oferecer um melhor atendimento, as empresas do setor ainda não entregam essa facilidade de forma adequada. “Temos uma grande oportunidade diante dos dados dos pacientes, mas ainda não fazemos uso deles para oferecer um acompanhamento de maior qualidade, além de outros serviços e benefícios”, criticou Ribeiro, no evento realizado em São Paulo.
Ainda nos bastidores do segmento, a interoperabilidade também não é efetiva, segundo Ogawa. “Percebemos que nos hospitais cada setor tem o seu próprio sistema, não há um padrão”, observou a conselheira do Inova HC.
Conectividade ajuda, mas precisa evoluir
Durante o debate, Ogawa citou casos em que, graças à conexão, foi possível levar atendimento médico a localidades que até então eram desassistidas. “Essa é uma maneira importante de promover a igualdade ao acesso à saúde, mas não adianta falar de telemedicina se ainda falta uma boa conectividade”, afirmou a conselheira do Inova HC.
Hoffman compartilhou as mesmas impressões e alertou: “chegamos a um ponto na saúde, em que não está bom para a indústria, para os especialistas, para o governo e para os próprios pacientes”. Ela também falou de casos em que é possível fazer uma cirurgia robótica, mesmo com o especialista remoto, além dos diagnósticos com tecnologia médico-dependente.
No Hospital Sírio-Libanês e nos laboratórios Fleury e Pardini, os atendimentos também chegaram a comunidades remotas através da Internet. Bocabello destacou a parceria feita com o projeto Gerando Falcões. “Instalamos cabines em algumas comunidades e, com uma tecnologia de Israel – utilizada para guerra – é possível ter acesso a uma imagem de alta qualidade do paciente, o que auxilia o médico no atendimento”, relatou a diretora do Fleury.
Foto principal: da esquerda para a direita: Marcia Ogawa, Andrea Bocabello, Lilian Hoffman, Anderson Rocha e Cristiano Ribeiro. Foto: Karina Merli