O Telegram enviou uma mensagem aos usuários brasileiros nesta terça-feira, 9, em que apresenta argumentos contrários à aprovação do PL 2630, o PL das Fake News. O aplicativo de mensageria afirma que a proposta “matará a Internet moderna”, alegando que “a democracia está sob ataque no Brasil”. Até o fechamento desta reportagem, ela havia sido lida por quase 800 mil pessoas.

No texto, divulgado no seu canal de transmissão oficial, o Telegram diz que o PL poderá acabar com a liberdade de expressão e dar “ao governo poderes de censura”. Além disso, afirma que a proposta é um perigo aos direitos humanos fundamentais. “Caso seja aprovado, empresas como o Telegram podem ter que deixar de prestar serviços no Brasil”, escreve.

O aplicativo critica alguns pontos do PL, como a necessidade das plataformas de agirem proativamente na moderação de conteúdo. Na opinião dele, a “lei permite que o governo limite o que pode ser dito online” por meio deste dispositivo. Ao mesmo tempo, também diz que a proposta torna as plataformas responsáveis por decidir qual conteúdo é ilegal, em vez dos tribunais brasileiros.

“O projeto de lei exige que as plataformas monitorem as comunicações e informem às autoridades policiais em caso de suspeita de que um crime tenha ocorrido ou possa ocorrer no futuro. Isso cria um sistema de vigilância permanente, semelhante ao de países com regimes antidemocráticos”, alega o Telegram.

A plataforma de mensageria argumenta que o Brasil já possui leis para lidar com os crimes que o projeto de lei endereça, por isso seria desnecessário criar uma nova legislação. “O novo projeto de lei visa burlar essa estrutura legal, permitindo que uma única entidade administrativa regule o discurso sem supervisão judicial independente e prévia”, argumenta.

Os brasileiros também são conclamados a se manifestarem contra o PL, falando com os deputados e colocando um link do site da Câmara dos Deputados. “Os brasileiros merecem uma internet livre e um futuro livre”, finaliza  mencionando os esforços de Google e Meta contra o atual texto do PL.

Abuso de poder

A mensagem do Telegram se atém principalmente a artigos que foram adicionados à proposta poucos dias antes da data em que o texto seria apreciado no Plenário. Eles não chegaram a ser discutidos publicamente antes de serem colocados no PL. Para Flávia Lefèvre, advogada especialista em direito do consumidor e direitos digitais, todos os atores envolvidos com o debate têm direito de se manifestar contra ou a favor da proposta – inclusive o Telegram. Porém, a plataforma errou ao fazer isso dessa forma.

“O que ele não pode é abusar do poder econômico ou do poder de mercado. Se quer transmitir essa mensagem, considerando sua posição de mercado, seria necessário que fosse mais equilibrado na divulgação, porque a comunicação dele tem um potencial de desequilibrar a disputa em torno desse PL, que o coloca em situação de vantagem”, explica. “É uma forma maliciosa de puxar a opinião pública para defesa dos seus interesses. Ele usa a liberdade como arma de constrangimento para convencer e apavorar a sociedade, criando medo nas pessoas e distorcendo alguns argumentos.”

Lefèvre está entre os especialistas que defendem que o texto ainda não está maduro o suficiente para ser votado, pelo menos no que diz respeito aos artigos adicionados de última hora. Eles tratam de temas polêmicos, como o “dever de cuidado” das plataformas, que passa pela remoção preventiva de conteúdo.

Para ela, o Telegram tem razão ao afirmar que as medidas preventivas de remoção de conteúdo podem pressionar as plataformas a retirar posts por medo de serem penalizadas. A advogada argumenta que determinar se um conteúdo coloca em risco o Estado democrático de direito pode ser um ato subjetivo. Na proposta, a análise caberia à plataforma, que responderia solidariamente, removendo posts por precaução. Ainda assim, a advogada destaca que a legislação brasileira é clara sobre o dever das aplicações de Internet de removerem conteúdo que inequivocamente descumprem a lei.

O Telegram argumenta que já existem leis que endereçam crimes tratados no PL. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por exemplo, define que as empresas devem prestar um serviço seguro. “Mas precisamos de uma lei específica que trate dessas situações, porque como essas empresas têm bilhões de usuários no planeta, a adoção de critérios [subjetivos] para fazer a moderação de conteúdo coloca ela numa situação de criar risco sistêmico dentro dos processos comunicacionais, que são tão importantes para a vida política dos diversos países onde elas atuam”, comenta.

“É verdade que tem lei. Mas acontece que precisamos de uma regulação específica, para estabelecer regras para moderação desses conteúdos, porque hoje o que está acontecendo é que essas plataformas não garantem a segurança que elas deveriam garantir. Muito pelo contrário, a forma como elas estão moderando conteúdo coloca em risco à saúde pública, aos processos eleitorais, à integridade das crianças e adolescentes”, diz a especialista.

 

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