|Atualizado em 10 de junho, às 22h, com dados da Oi e do TikTok| Cerca de dez anos atrás surgiam no Brasil as primeiras parcerias de zero rating entre operadoras móveis e apps de redes sociais e mensageria. Esse é o nome dado à oferta de navegação ilimitada a determinados aplicativos como parte do plano de telefonia móvel, ou seja, sem descontar da franquia de dados. Em vez de comemorar o aniversário de uma década, para as teles chegou a hora de discutir essa relação. O assunto veio à tona no seminário MobiXD, em maio passado, durante um painel reunindo representantes das operadoras. O entendimento é de que os apps beneficiados cresceram demais, consomem uma parcela significativa da capacidade das redes celulares e quem paga a conta são as operadoras. Mobile Time conversou com sete especialistas do mercado nacional e a maioria concorda que os acordos de zero rating precisam ser revistos, mas não será uma tarefa fácil.
Todas as três maiores operadoras móveis que atuam no Brasil possuem ofertas de zero rating em vigor. Os apps inclusos variam de acordo com o plano (pré-pago, controle ou pós-pago puro), mas a lista costuma combinar WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram, TikTok, Waze e alguns apps white label das teles (veja tabela ao fim desta matéria). O único que aparece todas as vezes é o WhatsApp, mas com limitações para chamadas de voz e de vídeo, dependendo da operadora. Na TIM, o zero rating para WhatsApp não inclui chamadas de voz ou de vídeo. Na Vivo, somente assinantes dos planos controle e pós-pagos podem fazer chamadas de áudio no WhatsApp sem descontar da franquia, e as videochamadas não fazem parte da oferta. A Claro é a mais agressiva: permite chamadas de voz e videochamadas pelo WhatsApp sem descontar da franquia em todos os planos.
“Falando especificamente do WhatsApp, acho que as operadoras minimizaram o poder desse aplicativo. Na época em que fecharam as primeiras parcerias ainda não havia chamada de voz dentro do WhatsApp. As teles pensaram que era só uma ferramenta de mensageria melhor que o SMS. Não enxergaram que aquilo era a ponta do iceberg e que a mordida nas receitas e o peso na infraestrutura seria muito maior”, analisa uma fonte do mercado próxima às operadoras.
Hoje o WhatsApp está presente em 99% dos smartphones brasileiros, de acordo com a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box. Alberto Blanco, ex-diretor de marketing da Oi e atual CEO da operadora móvel virtual Veek, entende que o fortalecimento de OTTs aconteceria de qualquer forma, independentemente dos acordos de zero rating: “As OTTs iam ficar fortes de qualquer maneira. Nesse aspecto as operadoras não tinham muito o que fazer. Era inexorável. É um mundo sem volta.” Porém, ele concorda que o zero rating foi um erro. “Foi um tiro no pé das operadoras. Não se deve fazer um movimento de preço que seja fácil de ser copiado. Se você oferece hoje e o seu concorrente te copia amanhã, não tem diferencial nenhum. Só quem ganhou com o zero rating foram as OTTs”, comenta.
Na opinião de Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, os acordos de zero rating decorreram da competição entre as teles no Brasil: “As operadoras estão em um ambiente competitivo no qual existe uma corrida para ver quem entrega mais pelo menor preço. Esse dinamismo provoca a necessidade de ofertas agressivas.”
Outra fonte do setor, contudo, entende que faltou visão de longo prazo para as teles: “Foi uma estratégia para conquistar clientes no curto prazo. É a cara do setor de telecom: criar uma oferta comercial sem pensar no longo prazo e depois não conseguir sustentá-la”.
Há outros dois modelos de navegação móvel gratuita para o consumidor no Brasil além do zero rating. Um deles é a chamada “tarifação reversa”, em que a marca dona do app paga às operadoras pelo tráfego de dados consumido pelos clientes em seus smartphones, modelo inaugurado pelo Bradesco e depois adotado por vários apps, especialmente do varejo. Outro caminho é a oferta de Gigabytes em troca da exibição de publicidade – é o caso da MVNO Veek e também de algumas iniciativas das operadoras, como o Vivo Ads. Independentemente do modelo, sempre tem alguém pagando a conta, seja o dono do app ou um anunciante. Mas quem paga a conta no zero rating? Na época dos primeiros lançamentos de zero rating, dizia-se que era uma parceria de “ganha-ganha” entre teles e OTTs. Embora os contratos nunca tenham vindo a público, diversas fontes asseguram que quem arca com o custo do tráfego são as operadoras, ou melhor, seus acionistas. “As operadoras abriram mão de uma rentabilidade maior. No fim do dia, quem paga a conta são os acionistas, que recebem menos pelo seu investimento. Mas vale lembrar que as operadoras seguem reportando lucro em seus balanços”, argumenta Pellon.
História
A relação entre operadoras móveis e aplicativos de uso massivo sempre foi um tanto conflituosa. Historicamente, os dois lados medem forças e ora se aproximam, ora se afastam. Volta e meia ressurgem reclamações sobre assimetria regulatória e degradação da rede para depois serem ofuscadas por novas parcerias comerciais.
No começo da era dos smartphones e das lojas de aplicativos, as teles desconfiavam que serviços over the top (OTTs) seriam uma ameaça para o seu negócio: temiam que apps de mensageria e de voz sobre IP canibalizassem sua venda de minutos e de SMS. Ou pior, que roubassem seu mercado em cima da própria rede das teles e sem pagar nada por isso. Pois foi exatamente o que aconteceu e as teles acabaram mudando sua estratégia para a venda de Gigabytes.
Gustavo Mansur, ex-gerente de serviços de valor adicionado da TIM e hoje executivo da Kuack no Brasil, se recorda da primeira vez em que a TIM decidiu não cobrar pelo tráfego de dados em um serviço. Foi em 2007 com a TIM Music Store, loja de ‘full de track download’ (outro nome para MP3) da própria TIM. Cada música custava R$ 1,99, mas o preço da Internet móvel era tão alto na época que inviabilizaria comercialmente o produto. “Aquela foi a primeira vez que a gente abriu mão do tráfego de dados, porque sairia mais caro que a música em si. Alertávamos o usuário que ele não seria cobrado pelos dados. Só mais tarde surgiriam ofertas mais agressivas com o nome de zero rating”, recorda.
Alguns anos mais tarde, diante da rápida popularização de aplicativos de redes sociais e de mensageria, as operadoras optaram por seguir o ditado: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. E assim apareceram os primeiros acordos de zero rating com apps de terceiros. No Brasil, a pioneira foi a Claro em 2012, em uma promoção temporária em que dava Facebook ilimitado mas apenas em uma versão voltada para feature phones. Depois, em 2013, levou a novidade para clientes pré e pós-pagos com smartphone. No mesmo ano, a Oi ofereceu o Messenger com zero rating para a sua base. Mais tarde, a Claro adicionou o Twitter à sua oferta de navegação ilimitada. E coube à TIM, em novembro de 2014, trazer o WhatsApp para esse jogo, primeiramente para clientes controle, e depois expandindo para pós-pagos e pré-pagos.
A Vivo foi a que resistiu mais tempo à novidade. Seu presidente à época, Amos Genish, não via com bons olhos essa aproximação com as OTTs e chegou a classificar o WhatsApp como uma “operadora pirata”. Mais tarde a Vivo acabaria aderindo ao zero rating.
Concorrência e neutralidade
O zero rating desperta muitas outras discussões para além da disputa econômica e de poder entre teles e OTTs. Uma delas é que o zero rating favorece a concentração do mercado entre os poucos aplicativos escolhidos pelas operadoras.
“O zero rating pode potencialmente causar problemas concorrenciais, dependendo de vários fatores, como por exemplo o poder de mercado das empresas que estejam envolvidas nos arranjos, e se as ofertas são feitas de forma não discriminatória a diferentes operadoras”, avalia Nathalia Foditsch, especialista sênior em políticas e regulação da Aliança para uma Internet Acessível (A4AI).
Para Pellon, as operadoras deveriam ser isonômicas e oferecer os acordos de zero rating a outros apps similares de redes sociais e mensageria. “Telegram e TikTok deveriam ter direito, em respeito à isonomia. A condição ofertada tem que ser a mesma”, afirma.
Flávia Lefèvre, advogada especializada em direito do consumidor e integrante da Coalizão Direitos na Rede e do Intervozes, é incisiva sobre o efeito negativo do zero rating sobre a população de baixa renda, pois esta tem a sua navegação limitada em boa parte do tempo aos poucos apps escolhidos pelas operadoras. “O zero rating é a Internet dos pobres. Nas classes D e E, 95% da população só acessa a Internet pela rede móvel e com plano pré-pago. Na classe C, 65%. São dezenas de milhões de pessoas sujeitas a esses planos”, critica.
A neutralidade de rede é outro ponto polêmico que divide os especialistas. Parte entende que o zero rating não fere a neutralidade, outros dizem o contrário. A discussão não acontece somente no Brasil, mas no mundo todo, e depende do arcabouço jurídico-regulatório de cada mercado.
Separação?
Durante o MobiXD, o vice-presidente de estratégia e transformação da TIM, Renato Ciuchini, reconheceu que as operadoras erraram com o zero rating e levantou a questão de que chegou a hora desse modelo de parceria ser revisto. O assunto é delicado e poucos representantes de operadoras estão dispostos a falar abertamente sobre a questão. E a razão é simples: não será fácil acabar com o zero rating.
O primeiro problema são os contratos com os consumidores, especialmente nos contratos de planos pós-pagos. Em muitos deles há um prazo de vigência de 12 meses que inclui entre os benefícios o zero rating para determinados apps. Além disso, no caso de clientes herdados da Oi em razão da sua venda, Claro, Vivo e TIM terão que manter, pelo menos por um tempo, as condições presentes nos planos, o que inclui acordos de zero rating. Por outro lado, no pré-pago é mais fácil alterar os benefícios contidos nos planos. Só que o brasileiro se acostumou com o zero rating, quase como um direito adquirido. A saída para as teles seria oferecer algo em troca para o consumidor. Mas uma das fontes entrevistadas teme que as operadoras troquem seis por meia dúzia. ”Vão inventar alguma estratégia mirabolante que vai dar errado lá na frente, pois só analisam no curto prazo”, critica.
Outra dificuldade é em relação à competição entre as próprias operadoras. Quem tiver coragem de acabar com o zero rating primeiro corre o risco de perder clientes para as concorrentes, em um mercado onde o churn é elevado e a troca de operadora é facilitada pela portabilidade numérica. O melhor seria fazer um movimento coletivo, recomendam as fontes.
Ao que parece, o zero rating se tornou um relacionamento tóxico, em que um lado sofre em silêncio e tem dificuldade de encerrar a relação. O primeiro passo para resolver isso é admitir o problema e falar sobre ele.
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Apps com zero rating (por operadora e tipo de plano):
Pré-pago | Controle | Pós-pago | |
Claro | WhatsApp, Descomplica, Claro Música e Claro Cursos | WhatsApp, Waze, Instagram, Facebook, Twitter e Claro Música | WhatsApp, Waze, Instagram, Facebook, Twitter e Claro Música |
Oi | Instagram, Facebook, Messenger, WhatsApp | TikTok, Instagram, Facebook, Messenger, WhatsApp | TikTok, Instagram, Facebook, Messenger, WhatsApp |
TIM | WhatsApp, Deezer Go | WhatsApp, Messenger ilimitados e Instagram, Twitter e Facebook por 3 meses ou ilimitado, dependendo do plano | WhatsApp, Instagram, Facebook e Twitter, Deezer Premium |
Vivo | WhatsApp, Waze e Moovit (e Tidal em uma opção) | WhatsApp (no plano selfie) e WhatsApp, Waze e Moovit (no plano família) |
OBS.: Não estão incluídos nessa tabela planos com franquias de dados separadas para apps específicos (ex: 8 GB para gastar com Tik Tok, Netflix etc); ou planos em que o cliente pode contratar o uso ilimitado de determinado app pagando por dia (ex.: Vivo Easy).
Zero rating para chamadas de voz no WhatsApp (por operadora e tipo de plano):
Pré-pago | Controle | Pós-pago | |
Claro | Sim | Sim | Sim |
Oi | Não | Não | Não |
TIM | Não | Não | Não |
Vivo | Não | Sim | Sim |
Zero rating para videochamadas no WhatsApp (por operadora e tipo de plano):
Pré-pago | Controle | Pós-pago | |
Claro | Sim | Sim | Sim |
Oi | Não | Não | Não |
TIM | Não | Não | Não |
Vivo | Não | Não | Não |