Recentemente, o WhatsApp (Android, iOS) mandou a seus usuários sua nova política de privacidade. Quem não a aceitar será excluído do aplicativo. Entre os principais pontos, o app de mensageria vai compartilhar dados com o Facebook sobre transações financeiras. Advogados consultados por Mobile Time interpretam a medida da empresa de formas diferentes. Para Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, consultor jurídico do MEF e sócio do escritório Pellon de Lima Advogados, a estratégia é legítima, inclusive de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e ela pode tanto mudar sua política de privacidade quanto bloquear quem não aceitar as novas condições de uso. Patricia Peck e Flávia Lefèvre acreditam que, apesar das empresas terem a autonomia de mudar e compartilhar dados, isso só é possível se esse compartilhamento for essencial para a entrega do serviço. Peck e Lefèvre acrescentam que, se a LGPD estivesse operando 100%, com a ANPD atuante, já tendo finalizado os últimos ajustes da LGPD e com a aplicação de multas em vigor, as companhias poderiam ter feito diferente no Brasil, e aplicado uma política de privacidade mais preocupada na proteção de dados dos usuários, como aconteceu na União Europeia e no Reino Unido, que receberam textos diferentes aos do resto do mundo.
Segundo Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, consultor jurídico do MEF e sócio do escritório Pellon de Lima Advogados, nenhuma empresa é obrigada a prestar serviços de graça e os dados são uma forma de pagamento. “A LGPD prevê justamente este mecanismo de obtenção de consentimento prévio como forma de combinar o jogo entre clientes e provedores de aplicação como o Facebook. Não há nenhuma ilegalidade nisto. Nem a empresa é obrigada a trabalhar gratuitamente sem nunca alterar suas práticas de negócios para atender a grupos específicos de consumidores, já que seu contrato de serviços é adesivo e prevalecem também as condições do Código de Defesa do Consumidor”.
Já Patricia Peck, advogada e head de direito digital do escritório PG Advogados, entende que, apesar da legalidade, tanto a ANPD quanto o Ministério Público Federal no Brasil poderão se manifestar contrários às novas políticas de privacidade do WhatsApp. Peck lembra que, na mesma época, a União Europeia e o Reino Unido receberam uma política de privacidade diferente do mundo. Não à toa. O Facebook já foi multado duas vezes na UE. Uma pela própria União Europeia em 110 milhões de euros e outra na Espanha, em 300 mil euros. Ambas por compartilhamento de dados do WhatsApp com o Facebook.
A política na UE e no Reino Unido
No item “Como trabalhamos com outras empresas do Facebook”, na política de privacidade da União Europeia do WhatsApp, o texto diz apenas que o compartilhamento de dados entre as empresas do grupo é “para nos ajudar a operar, fornecer, melhorar, compreender, personalizar, dar suporte e anunciar nossos Serviços. Isso inclui o fornecimento de infraestrutura, tecnologia e sistemas.” E finaliza: “Quando recebemos serviços das Empresas do Facebook, os dados que compartilhamos com elas são usados em nome do WhatsApp e em conformidade com nossas instruções. Todos os dados que o WhatsApp compartilha nessas condições não podem ser usados para as finalidades próprias das Empresas do Facebook”.
Nada é dito sobre compartilhamento de dados financeiros ou de publicidade.
Peck, no entanto, diz que a LGPD ainda está parcialmente em vigor e ainda não “assusta” como a GDPR. “Vai depender da atuação da ANPD. Por enquanto (a LGPD) não intimida pois não iniciaram as multas, que foram prorrogadas para 1º de agosto de 2021 pela lei 14.010/2020. Se a ANPD aplicar multas elevadas e punição exemplar, aí sim”, explica.
Flavia Lefèvre, advogada especializada em direito digital e do consumidor, vai além. Ela acredita que, com a ANPD constituída do modo que está e muito tardiamente, o Brasil fica em situação de vulnerabilidade. “Nesse caso específico do Facebook e WhatsApp seria muito importante que já tivéssemos regras específicas. De qualquer forma, entendo que, com base nos princípios da LGPD e nos direitos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), esse compartilhamento é abusivo, especialmente porque amplia a insegurança com relação a dados pessoais e inclusive dados sensíveis.
Lefèvre lembra ainda que, no art.30 da LGPD, a autoridade nacional poderá estabelecer normas complementares para as atividades de comunicação e de uso compartilhado de dados pessoais. “Veja que a ANPD ‘poderá’ e não ‘deverá estabelecer normas sobre o uso compartilhado de dados”, aponta.
A resposta
O WhatsApp respondeu Mobile Time com um comunicado oficial, explicando as mudanças:
“Para aumentar a transparência, o WhatsApp atualizou suas Políticas de Privacidade para que descrevam que, daqui para a frente, as empresas podem optar pelos serviços seguros de hospedagem do Facebook para ajudar no gerenciamento das comunicações com seus clientes no WhatsApp. Embora, é claro, continua sendo uma decisão do usuário se ele gostaria ou não de se comunicar com uma empresa no WhatsApp.
A Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial (Espec) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) foi procurada para comentar a nova política de privacidade do WhatsApp. Sua assessoria de imprensa informou a este noticiário que a Espec “está analisando o caso, situação que impede o envio de posicionamento da instituição neste momento.”
O Idec também foi procurado, mas até o fechamento desta reportagem não retornou.