Apresentado na semana passada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o anteprojeto de Lei Anticrime que será discutido pelo Congresso nos próximos meses prevê uma mudança na Lei de Interceptação Telefônica para permitir o monitoramento em tempo real, durante investigações criminais, de conversas em plataformas de Internet e aplicativos de mensagens over-the-top como o WhatsApp.

A proposta do poder Executivo prevê a alteração de 14 leis; entre elas, a 9.296/1996, que regulamentou a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Segundo alteração sugerida, o monitoramento poderia “ocorrer por qualquer meio tecnológico disponível desde que assegurada a integridade da diligência e poderá incluir a apreensão do conteúdo de mensagens e arquivos eletrônicos já armazenado em caixas postais eletrônicas”.

Sócio do FAS Advogados, Rafael Pellon explica que, ao abordar “o conteúdo de mensagens e arquivos eletrônicos já armazenado em caixas postais eletrônicas”, os autores do anteprojeto se referem sobretudo a mensagens de texto ou voz compartilhadas através de aplicações de mensagens OTT. “Uma mensagem de voz no WhatsApp é equiparável com uma caixa postal de voz”, afirmou Pellon.

“O objetivo é, durante as investigações, monitorar a conversa enquanto ela está ativa”, prosseguiu o advogado. “Como o WhatsApp é criptografado peer-to-peer, a mensagem não fica gravada em um provedor central. Então, quando os usuários apagam [o conteúdo], não tem como voltar atrás. A única hora de ter acesso é quando a conversa está ativa”. Vale ressaltar, contudo, que esse aplicativo em particular conta com sistema de backup automático que armazena o conteúdo das conversas no iCloud, da Apple, ou no Google Drive.

Tal possibilidade de acesso constante, contudo, não está prevista na Lei de Interceptação Telefônica, aprovada apenas um ano após a chegada da Internet comercial no País. Exemplo do desencontro foi materializado em novembro último, quando a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou nula decisão judicial que autorizara o espelhamento, pelas forças policias, do WhatsApp de suspeitos de tráfico de drogas. Para o STJ, tal prática não poderia ser equiparada à interceptação telefônica.

Dessa forma, o poder público ficaria à mercê “da boa vontade das empresas de tecnologia” em casos onde a interceptação é necessária, ao contrário do que ocorre com o setor de telecom, que já estaria “habituado” a colaborar em situações similares. Uma eventual alteração na lei pressionaria uma revisão da postura de companhias como Facebook (dona do WhatsApp, Messenger e Instagram) e Google, acredita Rafael Pellon. Por outro lado, preocupações referentes à privacidade também devem emergir junto com a discussão. Procuradas por este noticiário, o WhatsApp e o SindiTelebrasil não quiseram se manifestar a respeito do assunto.

Na avaliação do sócio do FAS Advogados, as mudanças não botariam a Lei de Interceptação Telefônica em rota de colisão com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor ano que vem: segundo ele, “uma das possibilidades de não avisar o usuário durante a coleta de dados é por questão de segurança pública”. Já uma discussão sobre os limites do Marco Civil da Internet (MCI) seria inevitável, ainda que Pellon acredite que a eventual mudança na lei das interceptações não desrespeitaria o dispositivo aprovado em 2014.

“Um dos princípios do Marco Civil é o respeito às leis brasileiras. E temos que lembrar que a interceptação é sempre uma exceção. O usuário tem direito ao sigilo, salvo quando a lei exige uma exceção”. Sobre a possibilidade de excessos durante o processo de monitoramento, o advogado afirmou que “já existe uma série de limitações para que não se crie um estado de vigilância e elas têm funcionado bem. Não se pode monitorar sem limite, justificativa ou autorização judicial. A gente já teve abuso, mas toda vez que aconteceu, isso foi corrigido”.

Na visão do especialista em telecomunicações, a pergunta de “1 milhão de dólares” envolve a capacidade técnica de empresas de tecnologia disponibilizarem ferramenta que permita o acompanhamento de conversas em tempo real, caso requerido pela Justiça. “Eles vendem a plataforma como inquebrável, o que é um diferencial estratégico para o bem e para o mal, mas se a alteração for aprovada, vai se exigir do Facebook e de outras plataformas que se crie a possibilidade disso ser feito”. Segundo o especialista, aplicações “mais maduras” de comunicação na Internet já teriam criado ferramentas de monitoramento após a solicitação de governos.

 

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