As operadoras se limitaram por muito tempo a vender apenas conectividade. Agora, no 5G, está na hora de monetizarem também com recursos e capacidades de suas redes, propõe o presidente de cloud e network da Nokia, Raghav Sahgal, em entrevista para Mobile Time. Um dos caminhos para isso está no projeto Open Gateway, lançado este ano pela GSMA e que consiste no desenvolvimento de APIs padronizadas para redes de telecom. Outra oportunidade está nas redes celulares privativas e no fomento do ecossistema ao seu redor. Em entrevista a Mobile Time, o executivo falou sobre esses dois temas, e também sobre a discussão em torno do “fair share”.
Mobile Time – Qual é a sua avaliação do mercado de redes celulares privativas?
Raghav Sahgal – É um mercado empolgante. Está começando agora, mas está avançando rapidamente. Se houve algum beneficio decorrente da pandemia, foi a aceleração da digitalização de indústrias críticas, que precisaram continuar produzindo e sendo tão eficientes quanto antes, mas com menos gente dentro das fábricas. Nesse período, o CDO virou o CEO.
Quais setores estão demandando mais redes celulares privativas?
Indústrias pesadas, como utilities, manufaturas, energia, mineração, óleo e gás… Em nossa estratégia decidimos que não queríamos levar apenas conectividade para essas empresas, mas um ecossistema com aplicações e devices. A estratégia foi direcionada para fazer o ecossistema crescer. Dividimos esse ecossistema entre 3GPP (4G e 5G), Wi-Fi, aplicações e devices. Há toda uma cadeia de valor. O mercado de redes privativas está crescendo 32% ao ano.
A Nokia está liderando esse mercado?
Se analisar somente o mercado de redes privativas com tecnologia 3GPP, a Nokia tem entre 42% e 45% de market share no mundo. Na Nokia, notamos muito cedo que haveria uma transformação no nível de digitalização das indústrias. E era claro que o 5G seria explorado para isso. Acreditamos que era preciso demonstrar para as operadoras que havia uma grande oportunidade aí. E assim caminhamos muito cedo nessa direção, o que foi benéfico para as teles também.
Qual a importância do Brasil na estratégia global da Nokia em redes celulares privativas?
O Brasil é uma das maiores economias da América Latina. Tem agricultura, manufatura, mineração e várias indústrias relevantes. É um mercado extremamente empolgante. Temos muito sucesso no Brasil e na América Latina com 60 redes privativas implementadas. O Brasil é um bom exemplo de como juntamos ecossistemas e operadoras. Há grandes oportunidades no Brasil. Quando se digitaliza um setor, sua produtividade avança e atrai mais investimentos.
Quais os mercados mais desenvolvidos na implementação de redes celulares privativas? O Brasil é um deles?
Vemos crescimento por toda parte… EUA, Japão, Austrália são bons exemplos, pois são centros com indústrias pesadas. A demanda está onde há manufatura, agricultura e agenda digital do governo. Não tem um mercado em que redes celulares privativas não estejam crescendo. Porque elas são necessárias. Alguns podem estar mais rápidos que outros porque são centros industriais e de agricultura. Brasil não está atrás de nenhum mercado muito significativo. Está avançando a um ritmo de duplo dígito anual.
As redes celulares privativas podem ser divididas em dois tipos: aquelas que envolvem operadoras, com uso da rede pública, e aquelas que não envolvem as teles e que, neste caso, utilizam espectro privado. Um caminho para maior participação das operadoras poderia estar na implementação de redes híbridas, que trabalhem tanto com espectro público quanto privado?
Depende do mercado. Em alguns há espectro comercial das operadoras e também faixas privadas, como o CBRS nos EUA. Aí as empresas escolhem o que preferem E há mercados sem disponibilidade de espectro privado – neste caso, fica tudo com as operadoras. A Nokia atua das duas formas. Precisamos atender as duas demandas, ou seja, tanto em espectro privado quanto de operadora. Queremos viabilizar quaisquer cenários, inclusive redes híbridas.
Quão otimista você está em relação ao projeto de Open Gateway lançado este ano pela GSMA?
É um projeto muito importante. Sou otimista, quero que dê certo. A Nokia apoia essa iniciativa. Mas a história mostra o quão difícil foi para a nossa indústria se juntar no 3G e no 4G. Não foi fácil. No 4G, o mercado de CPaaS se desenvolveu e se tornou orquestrador para os desenvolvedores digitais. E assim surgiram empresas como Twilio, Infobip e outras, porque não conseguimos criar APIs. Mas agora estou esperançoso quanto à liderança de operadoras e fabricantes.
Qual API de rede você acredita que será a mais utilizada e/ou a mais rentável?
É importante escolher uma que funcione bem para depois replicar o modelo nas demais. Mas com 16 APIs isso pode levar muito tempo… Tem algumas simples, como descobrir onde um indivíduo está. Saber a localização do consumidor e do motorista de Uber: como a gente (indústria móvel) não conseguiu entregar isso no 4G, o mercado pegou o dado com o Google. Mas devia ser a gente a entregar essa informação… Precisamos explorar as capacidades da rede. Devemos deixar de prover apenas conectividade e passar a prover conectividade e capacidade da rede. Assim vamos monetizar com aplicações integradas à infraestrutura móvel. A rede tem que ser programável. As APIs permitirão que o desenvolvedor consuma recursos da rede.
Qual a posição da Nokia sobre a discussão em torno do fair share? As grandes plataformas digitais deveriam remunerar as teles pelo uso intensivo das redes de telecom por seus serviços?
A Nokia não tem uma posição oficial sobre isso. Ajudamos nossos clientes a construírem redes que sejam consumíveis por desenvolvedores. Nosso foco de engenharia está nisso. Cabe às teles, aos hyperscalers e aos reguladores discutirem os termos dessa utilização. Não nos envolvemos nesses assuntos. Nossa posição é a seguinte: queremos fomentar o ecossistema, fazer com que todos trabalhem juntos, pois aí se gera valor.