O surgimento dos smartphones e tablets mudou a indústria de software e de fornecedores de tecnologia. Fez surgir uma gigantesca cadeia de desenvolvedores, que agora se tornam um mercado consumidor em si. Existem cerca de 500 mil desenvolvedores de apps móveis no mundo, desde amadores que têm a atividade como um hobby até empresas com faturamento anual na casa das centenas de milhões de dólares. Em torno deles, surgiu uma indústria que provê ferramentas extras para o desenvolvimento, monitoramento e rentabilização dos apps. Esse mercado ganhou até uma sigla: B2D, ou “Business-to-Developer”. Estima-se que haja quase mil players oferecendo os serviços mais diversos, de ferramentas para testes antes do lançamento a plataformas para compra de publicidade em múltiplas adnetworks simultaneamente. Em relatório recente sobre o tema, a empresa de pesquisas Vision Mobile identificou 20 categorias diferentes de serviços B2D. Ainda pouco conhecido, esse segmento apresenta números significativos, com estimativa de faturamento mundial de US$ 7 bilhões neste ano.

O mercado B2D acompanhou o crescimento da indústria de conteúdo móvel. No começo da vida da App Store e da Google Play, os desenvolvedores se contentavam com as ferramentas oferecidas gratuitamente por Apple e Google, que se limitavam a SDks (software development kits) e a um painel para controle das vendas, além das lojas em si, para distribuição dos apps. Ao longo dos últimos cinco anos, a popularização de smartphones gerou uma explosão de downloads de apps, o que atraiu mais desenvolvedores, inflando as lojas de aplicativos, agora com catálogos na casa de um milhão de títulos. A competição cada vez mais acirrada dentro das lojas trouxe a necessidade de ferramentas extras para aqueles desenvolvedores, que querem se diferenciar. hoje, apenas 14% dos desenvolvedores móveis do mundo dizem não utilizar nenhuma ferramenta extra, informa relatório da Vision Mobile.

Os que mais procuram esses serviços são aqueles que trabalham com o iOS, da Apple, por causa da maturidade da plataforma e da disponibilidade de mais ferramentas. Pesquisa revela que 92,5% deles usam algum tipo de serviço B2D, enquanto entre desenvolvedores de BlackBerry 10, plataforma recém- lançada, o percentual é de 71%. “A maioria das empresas B2D oferece primeiro para iOS porque é a plataforma na qual os desenvolvedores fazem mais dinheiro e, portanto, estão dispostos a pagar”, explica o analista sênior da Vision Mobile, Andreas Pappas. há também uma relação com a experiência do desenvolvedor: quanto mais experiente, mais comum é o uso de ferramentas B2D.

A diversidade de sistemas operacionais móveis proporcionou o surgimento de uma das ferramentas mais populares dessa indústria: as CPTs (cross platform tools), que ajudam os desenvolvedores a criarem simultaneamente apps nativos para diferentes sistemas operacionais ou converterem para outras plataformas apps existentes. há várias delas disponíveis na web, como PhoneGap e Appcelerator. Algumas são tão simples de operar que até pessoas sem qualquer conhecimento em programação conseguem criar aplicativos móveis. hoje 29% dos desenvolvedores móveis no mundo utilizam recorrentemente CPTs. O único problema são suas limitações técnicas, justamente para tornar possível a conversão rápida para múltiplos sistemas. Desenvolvedores mais experientes nem sempre se satisfazem com os resultados.

Para aqueles que trabalham com games, existe a oferta de ferramentas especiais de programação dedicadas a esse tipo de conteúdo, chamadas de engine. É o caso da Unity 3D, usada em algumas dezenas de milhares de títulos, entre games móveis, web e para console ou Pc. com seu SDk, é fácil criar personagens em três dimensões e dotá-los de movimentos, desenhar cenários e efeitos especiais etc. “Queremos permitir que mais pessoas façam games. A ideia é democratizar o desenvolvimento de jogos. Nossa plataforma é adotada tanto por estudantes quanto por gigantes como EA e Glu”, relata o CEO da Unity 3D, David helgason. Um total de 400 mil desenvolvedores usam a plataforma todo mês.

Testes e monitoramento de bugs

Uma vez desenvolvido um app, é preciso testá-lo antes do lançamento oficial. Para o gerenciamento de testadores reais, uma das ferramentas preferidas pelos desenvolvedores de Android e iOS é a testflight. Através dela, eles enviam a versão beta para os smartphones dos seus testadores e acompanham os resultados em relatórios detalhados, de forma a aprimorar o app antes de disponibilizá-lo ao público.

Há também os testes automáticos, realizados por máquinas, e que complementam o trabalho dos testadores. Eles são fundamentais para Android, diante da fragmentação desse sistema operacional em diversas versões e adaptações feitas pelos fabricantes: estima-se que haja 225 diferentes tipos de Android distribuídos entre oito mil devices, com tamanhos de tela e configurações diferentes. Nesse cenário, merece destaque o trabalho feito pela Apkudo, uma empresa que nasceu provendo testes para handsets Android, contratada pelos fabricantes e pelas operadoras, e estendeu o seu serviço para o teste de aplicativos. A empresa recebe os modelos de aparelhos antes de seu lançamento no mercado e precisa certificar que funcionam bem em todos os sentidos. isso inclui não apenas o hardware, mas também a operação de aplicativos em geral. Assim, a empresa passou a oferecer de graça a desenvolvedores o serviço de teste de apps Android: eles são enviados pela web e executados simultaneamente nos 300 devices Android mais populares do mercado. “É um teste de estresse, como se um macaco saísse apertando todos os botões ao mesmo tempo aleatoriamente. É um exercício de funcionalidades”, explica o CEO da Apkudo, Josh Matthews. O processo dura apenas cinco minutos e gera um relatório para o desenvolvedor, informando que erros aconteceram e em quais devices, com que versões de Android. Mesmo com todos os testes, é considerado praticamente impossível, ou pelo menos economicamente inviável, lançar um app Android que funcione perfeitamente em todos os modelos dessa plataforma. A taxa média de compatibilidade gira em torno de 75% a 80%, segundo especialistas.

Testes de performance de rede também são importantes para apps. O que acontece se um milhão de pessoas entrarem ao mesmo tempo em um aplicativo que demanda comunicação com um servidor ou com as redes de telecomunicações? São testes assim que a SOASTA provê para apps e sites móveis de grandes empresas, principalmente varejistas online, que não querem perder vendas no celular por causa da demora na abertura de uma página. com a ajuda de servidores de terceiros espalhados pelo mundo, são realizados acessos em massa. “Problemas de performance são o ponto que mais gera reclamações dos consumidores”, afirma Peter Galvin, vice-presidente de marketing da SOASTA. Ele revela que muitos grandes bancos, seguradoras e varejistas ainda não entenderam a importância de realizar esses testes de performance em seus apps e sites móveis antes do lançamento. A SOASTA também oferece testes funcionais, para checar se comandos dentro de um app Android ou iOS funcionam como deveriam.

Por mais rigorosos que sejam os testes pré- lançamento, nenhum app está livre de apresentar falhas depois que chega às mãos dos consumidores. Por isso, existem as ferramentas de relatórios de travamento, que alertam os desenvolvedores sempre que seu app congela ou fecha sozinho. O serviço, conhecido como “crash report”, requer a inclusão de uma pequena linha de código dentro do app. O desenvolvedor fica sabendo quantas vezes ocorreu determinado problema, em quais países e com quais modelos de aparelhos ou versões de sistemas operacionais. com esses dados, pode realizar a correção dos erros mais graves, lançando em seguida uma atualização na loja de aplicativos. “Não existe app sem bug. Até apps de bancos dão problema”, diz o CEO da Bugsense, Panos Papadopoulos. Sua empresa gera um relatório para cada desenvolvedor com uma pontuação sobre a estabilidade de seu app, de acordo com os resultados colhidos. O executivo explica que é impossível prever todos os problemas externos antes de um lançamento, como outros apps rodando ao mesmo tempo no smartphone do usuário e mau desempenho das redes móveis. Ele cita o exemplo do aplicativo grego Taxibeat, que usa a ferramenta da Bugsense.
Quando lançado no Brasil, o Taxibeat notou muitos “crashes” em razão da alta penetração de modelos Android de
entrada, com processadores piores, e também por causa da baixa velocidade e disponibilidade das redes móveis locais. como resultado, o app foi remodelado para se ajustar à realidade brasileira. “tivemos um problema semelhante por causa da qualidade da internet. No Brasil, 30% das falhas em nossos apps estão relacionadas à dificuldade de atualização online, ou seja, de comunicação do nosso servidor com o smartphone do usuário. Na Europa isso representa apenas 2% ou 3%”, relata o CTO da Movile, Flávio Stecca. “Usuários não são tolerantes a travamentos. Se o app trava uma vez, tudo bem. Se acontecer outras vezes, acaba desinstalando-o”, comenta Pappas, da Vision Mobile, realçando a importância dessas ferramentas.

Análise de dados

Conhecer seus usuários e o comportamento deles dentro de um aplicativo são fundamentais para os desenvolvedores aprimorarem seus produtos e planejarem campanhas para promovê-los. O problema é que a Apple fornece apenas dados agregados, com a quantidade total de usuários, sem maiores detalhes. “A Apple não conta a história completa. imagine que um app registre mil usuários hoje e mil amanhã. Se forem os mesmos nos dois dias é uma coisa. Se forem completamente diferentes, é porque os anteriores não gostaram do app. Dependendo do caso, o desenvolvedor tomará decisões distintas”, exemplifica Prashant Fuloria, diretor de produtos da Flurry, um dos principais players nesse segmento. A Vision Mobile estima que desenvolvedores que adotam ferramentas desse tipo geram, em média, três vezes mais receita que os demais.

As ferramentas de análise de uso requerem a instalação de um código dentro do app e, assim, passam a monitorar todas as suas sessões. É possível saber quantos usuários ativos um app tem; que áreas do app eles mais acessam e quanto tempo ficam em cada uma; com que frequência retornam; quais os dias e horários que mais usam etc. A Flurry monitora 350 mil apps, instalados em 1,1 bilhão de devices móveis no mundo e que geram 3,5 bilhões de sessões por dia. cruzando dados que obtém da base de alguns dos desenvolvedores parceiros, a Flurry consegue prover informações sobre o perfil da base de usuários de um app: proporção entre homens e mulheres; faixa etária; e interesses gerais (se gostam de viajar, se praticam esportes, se têm filhos etc.). No caso da Flurry, a ferramenta de análise de dados é gratuita, de forma a estimular a adesão de desenvolvedores. A empresa fatura com serviços de publicidade móvel que aproveitam esses dados para segmentar melhor quem receberá os anúncios.

A brasileira Movile é uma das clientes da Flurry. recentemente, embasada pelos dados gerados pela plataforma, optou por não atualizar mais seus apps em iOS 5, pois essa versão do sistema operacional representava apenas 4% da sua base de usuários. Esse tipo de informação é ainda mais crucial em Android, por causa da fragmentação maior. A ferramenta também serviu para ajustes no layout dos apps. No aplicativo Free Zone, de busca por redes Wi-Fi abertas, um dos botões mais importantes, de compartilhamento de redes, vinha sendo pouco utilizado. com base nos resultados coletados pela Flurry, a Movile alterou a cor, o tamanho e a posição do botão. “Já mudamos muita coisa no design dos apps com base na análise dos dados de uso”, relata Stecca, da Movile.

Outro serviço de inteligência e análise de dados consiste no acompanhamento dos rankings das lojas de aplicativos, provendo estimativas de downloads e receitas de cada app e de cada desenvolvedor. Os principais players nessa área são App Annie e Distimo. Os desenvolvedores interessados entregam a esses serviços seu login e senha na loja de aplicativos. Desta forma, a ferramenta gera relatórios detalhados sobre a evolução do app nos rankings oficiais, segmentando por país, em um painel mais fácil de acessar que aquele fornecido oficialmente por Apple e Google. com base nos dados que possuem dos desenvolvedores parceiros e as posições nos rankings, App Annie e Distimo conseguem estimar a quantidade de downloads e a receita gerada por qualquer app, mesmo aqueles que não usam a sua ferramenta. Para conhecer as estimativas dos concorrentes ou de um determinado mercado, os desenvolvedores precisam pagar.

Publicidade, DSPs e outros

De nada adianta construir um app de qualidade se ele não for divulgado entre os consumidores. A maneira mais eficiente de promover um app é dentro de outros apps, usando redes de publicidade móvel para a exibição de banners. Essa é também uma fonte de receita para os desenvolvedores que abrirem espaço publicitário dentro de seus aplicativos. São
tantas as adnetworks que surgiu um serviço conhecido como Demand-Side Platform (DSP), que permite a compra de
publicidade móvel em várias redes a partir de um único ponto de contato. há vendas por impressões, cliques e downloads, ao gosto do freguês. E um acompanhamento detalhado do retorno sobre o investimento em cada campanha. “conquistar clientes rentáveis e monitorar o resultado de suas campanhas são pilares essenciais sem os quais nem o mais bem produzido app alcança o sucesso”, argumenta Sarah Teng, diretora de marketing da Apsalar, uma DSP.

Há outros métodos de promoção em massa de apps, como o utilizado pelo AppGratis, um aplicativo que recomenda um título de graça por um dia a milhões de usuários, gerando aumento significativo em downloads, o que leva o beneficiado para o topo dos rankings, de onde demora para sair por causa da visibilidade que isso gera. A Apple, contudo, vem enfrentando esse tipo de serviço, por entender que ele altera artificialmente os seus rankings. O AppGratis foi retirado da App Store este ano e hoje atua apenas em Android.

Outros serviços do mercado B2D incluem o aluguel de infraestrutura de backend e plataformas para disparo de notificações, como a AirPush, a Urban Airship e, mais recentemente, a Amazon Web Services.

A expectativa dos analistas é de que haja uma consolidação desse mercado B2D ao longo dos próximos anos. Serviços de testes e de monitoramento de bugs, por exemplo, tendem a se juntar. Faz igualmente sentido a junção de análise de dados do usuário com redes de publicidade móvel, como faz a Flurry. E as plataformas de disparo de mensagens vêm sendo incorporadas aos provedores de backend.

Paralelamente, ainda há áreas pouco exploradas, como a de suporte técnico ao consumidor de apps, aproveitando o feedback para aprimorar os produtos. É citada também a necessidade de adaptar ferramentas de SEO (search engine optimization) para o mundo da mobilidade.

 

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