shutterstock 657839185

Os carros são a nova fronteira a ser explorada pela indústria de telefonia celular. Para atender à demanda de motoristas ávidos por conectividade, as grandes montadoras estão firmando parcerias com operadoras móveis e desenvolvedores de aplicativos na fabricação de carros conectados e inteligentes. Os veículos estão virando “smartphones sobre rodas”, com antena 4G, lojas de aplicativos e tela touch screen. As estratégias, contudo, variam caso a caso, e os modelo de negócios para essas parcerias, muitas vezes, ainda estão em definição. A única certeza é de que existe um mar aberto de novos serviços de valor adicionado a serem oferecidos dentro dos veículos em áreas diversas, desde entretenimento até compras, passando por seguros, manutenção preventiva, dentre outras.

Do lado das montadoras, analisando suas iniciativas, é possível distinguir duas estratégias diferentes, mas que podem ser combinadas. A primeira consiste em prover conectividade em parceria com uma operadora: o veículo sai de fábrica com uma antena 4G e um SIMcard, dando ao motorista a oportunidade de assinar um plano de banda larga móvel e transformar seu carro em um hotspot Wi-Fi para todos os dispositivos que estiverem dentro dele. Outro caminho é enriquecer a experiência dentro do carro com serviços de valor adicionado acessíveis pelo painel multimídia, por meio de parcerias com desenvolvedores de aplicativos móveis. Fiat Chrysler Automóveis (FCA), GM e Volkswagen, três das maiores montadoras presentes no País, deram recentemente alguns passos importantes em seus projetos de “smart cars” no Brasil, cada uma trilhando um caminho diferente e que será descrito mais abaixo. Em comum entre as três multinacionais está o pioneirismo da operação brasileira no desenvolvimento de carros conectados dentro de sua atuação na América Latina.

eduardo polidoro Claro

Eduardo Polidoro, da Claro: “Nossa estratégia é de parceria com as montadoras”

Para as operadoras móveis, por sua vez, os carros representam um novo filão para a ativação de linhas. Isso não é novo: existe há muitos anos, com a instalação de módulos de telemetria com conectividade 2G e um SIMcard mais robusto, para aguentar altas temperaturas e choques. A novidade agora é o fornecimento de eSIMs para a assinatura de planos de banda larga 4G dentro dos veículos. A Claro, por exemplo, afirma ter linhas ativas dentro de mais de 500 mil veículos no Brasil, somando aqueles com SIMcards robustos e eSIMs 4G. A operadora é fornecedora de GM, Volvo e BMW, dentre outras.

“Nossa estratégia é de parceria com as montadoras.  Começamos a atender o segmento de carro conectado lá atrás, com 2G. Mas a gente já via como uma tendência que o carro seria uma extensão do escritório das pessoas, ou do entretenimento da própria família”, comenta Eduardo Polidoro, diretor de negócios de IoT da Claro.

Paulo Humberto Abr16 01

Paulo Humberto Gouvêa, da TIM: “O papel da TIM no mercado de smart cars não é trazer só conectividade, mas subir na cadeia de valor”

A TIM, que anunciou em novembro um acordo com a FCA, quer ser mais do que uma mera provedora de conectividade dentro dos carros. “O papel da TIM no mercado de smart cars não é trazer só conectividade, mas subir na cadeia de valor”, diz Paulo Humberto Gouvêa, diretor de soluções corporativas da companhia.

As teles também podem explorar o segmento de carros conectados por conta própria, sem necessariamente firmar um acordo com montadoras. Neste caso, o exemplo mais emblemático é o da Vivo, que criou o serviço Vivo Car. A empresa vende um dispositivo OBD2 (Onboard Diagnostics) associado a uma conexão de dados móveis e um aplicativo para smartphone. Desta forma, consegue prover conectividade dentro do veículo e serviços extras, como diagnóstico das condições do automóvel para manutenção preventiva, histórico de viagens, definição de cercas virtuais, dentre outros. 

A entrada OBD2 está presente na maior parte dos modelos nacionais a partir de 2010. Por isso, o Vivo Car é compatível com diversos modelos de automóveis, de variados anos de fabricação, permitindo que mesmo veículos que não são de alto padrão (normalmente contemplados por serviços de conectividade embarcada de fábrica) possam se tornar carros inteligentes”, diz Cristiano Zaroni, gerente sênior de inovação aberta e novos negócios da Vivo. “O Vivo Car é um serviço inclusivo”, acrescenta.

A existência do Vivo Car não significa que a Vivo dispense parcerias com as montadoras. Recentemente, a operadora foi responsável pela gestão da conectividade dos dispositivos de IoT presentes no Novo Actros, caminhão da Mercedes-Benz. “A Vivo acompanhou todo o projeto de desenvolvimento dos novos dispositivos e aplicativos, garantindo a transmissão dos dados. 100% da conectividade no caminhão já sai embarcada na fábrica. Além disso, também oferecemos à Mercedes-Benz a gestão de todas suas linhas por meio da plataforma de conectividade, a Kite Platform”, relata Diego Aguiar, head de IoT, big data e inovação B2B da Vivo.

Chevrolet e o futuro 000

Hermann Mahnke 112020

Herman Mahnke, da GM: “A gente tem investido muito em conectar os carros. Não é uma estratégia secundária ou pontual, mas primária”

A GM tem como meta para a sua marca Chevrolet o que chama de “futuro 000”: zero poluente, zero congestionamento e zero acidente. “Os dois últimos só vamos conseguir a partir do momento em que temos um carro conectado, porque isso é o enabler para o carro autônomo do futuro”, explica Hermann Mahnke, diretor-executivo da GM na América do Sul.

A montadora foi pioneira em levar o 4G para dentro dos seus carros. O primeiro modelo a receber a novidade foi o Cruze, ainda em 2019. De lá para cá, vários outros, de diferentes categorias, ganharam conectividade 4G como item de série, dentre os quais Onix, Trailblazer, S10 e Tracker. O plano é que dentro de 12 a 18 meses todos os modelos da marca Chevrolet vendidos no Brasil tenham antena 4G. “A gente tem investido muito em conectar os carros. Não é uma estratégia secundária ou pontual, mas primária”, resume Mahnke. 

Os veículos vêm com um eSIM da Claro e uma antena 12 vezes mais potente que aquela de smartphones, o que garante uma conexão melhor à rede celular. Quem compra o carro tem direito a experimentar três meses de acesso gratuito, ou 3 GB de franquia, o que terminar primeiro. Depois disso, são vendidos planos cuja mensalidade varia de R$ 29,90 a R$ 84,90, com franquias de 2 GB a 20 GB. A conversão é da ordem de 70%, ou seja, sete em cada dez proprietários assinam um plano de dados para o seu carro.

No painel multimídia dos veículos, o motorista pode sincronizar seu smartphone usando os sistemas Android Auto e Apple CarPlay. A GM comercializa também um serviço de assistência emergencial chamado Onstar, que pode ser acionado por um botão a qualquer momento, 24 horas por dia. E a montadora negocia parcerias para embarcar alguns apps de terceiros nos carros. Um dos primeiros é o WeatherChannel e há conversas em andamento com serviços de comércio e pagamentos digitais.

Até o momento, cerca de 350 mil carros conectados da Chevrolet já foram comercializados na América do Sul.

Chevrolet S10 LTZ 20

Painel da nova S10, da GM, com Wi-Fi de fábrica

VW e sua loja de apps

A Volkswagen trilha um caminho diferente da GM. Em vez de conectividade embarcada, a montadora alemã prioriza a oferta de serviços digitais dentro dos carros, sejam desenvolvidos por ela mesma ou por parceiros. Neste ano, lançou a VW Play, uma loja de aplicativos no painel multimídia dos carros. A Volkswagen escolheu a dedo aplicativos que entende serem atraentes para motoristas e passageiros: 12Minutos, Estapar, Porto Seguro, Sem Parar, Ubook e Waze. 

FabioRabelo

Fábio Rabelo, da Volkswagen: “Não queremos ter 200 apps. Queremos ter poucos e bons”

Todos os apps selecionados são adaptados para terem uma experiência otimizada dentro do carro e passaram por testes de homologação feitos pela Volkswagen. Um dos requisitos é de que os apps não distraiam o motorista. Os testes envolvem diversos departamentos da montadora, inclusive seu time de engenharia e de experiência do usuário. “Não queremos ter 200 apps. Queremos ter poucos e bons”, resume Fábio Rabelo, gerente executivo de digitalização e novos modelos de negócio da Volkswagen na América Latina.

No app da Estapar, com apenas dois cliques o motorista consegue pagar um estacionamento, inclusive em vagas públicas do sistema Zona Azul. Com a Porto Seguro, basta apertar um botão para enviar à seguradora um pedido de assistência com a geolocalização do veículo. O Sem Parar, para pagamento de pedágio, é acionado escaneando um QR Code na tela, com o smartphone. Ubook e 12Minutos, por sua vez, fornecem conteúdo em áudio. E o Waze ganhou uma versão especial para navegação pelo painel dos carros. 

A VW Play segue aberta para a adição de mais serviços, desde que passem pelo rigoroso crivo da companhia. O próximo será o iFood, que contará com um acesso rápido para o cliente refazer em poucos cliques pedidos recorrentes, evitando que se distraia navegando pelos cardápios.

Cabe lembrar que o lançamento da VW Play foi precedido por dois importantes passos na jornada digital da companhia. O primeiro foi a criação do aplicativo Meu Volkswagen, no qual o usuário encontra um manual cognitivo do carro, com inteligência artificial; agendamento online de revisão em concessionária; dados do veículo para manutenção preventiva etc. O app acumula mais de 300 mil downloads e 200 mil usuários com contas ativas. E o segundo passo consistiu em incorporar aos veículos o VW Connect, um dispositivo OBD para capturar dados sobre as condições do carro e apresentá-los no aplicativo, para auxiliar o motorista em sua manutenção.

Nos carros da Volkswagen, a conectividade fica por conta do smartphone do cliente. A justificativa é de que os planos de dados móveis hoje em dia oferecem franquias grandes o suficiente para suportar a experiência de conexão dentro dos veículos. “Fizemos muitas pesquisas com os consumidores. Os planos de dados estão cada vez mais robustos e as pessoas não gastam toda a franquia. Além disso, há apps que não consomem dados (zero rating). Não faz sentido pagar por mais um plano”, justifica Rabelo.

VW T Cross 31

Painel do T-Cross, da Volkswagen

FCA com foco centrado no usuário

Flavio Cardoso Foto Leo Lara

Flávio Cardoso, da FCA: “Temos a humildade de saber que o carro é um device novo no mundo de IoT. Estamos aprendendo” (Foto Leo Lara/Studio Cerri)

A Fiat Chrysler Automóveis (FCA), dona das marcas Fiat, Jeep e RAM, anunciou há poucas semanas uma parceria com a TIM para ter conectividade 4G embarcada em seus veículos a partir do primeiro trimestre do ano que vem. A companhia pretende oferecer também uma série de serviços digitais dentro do carro a partir de acordos com parceiros, dentre os quais dois já foram anunciados, embora sem maiores detalhes: Visa e McDonald’s. É portanto uma estratégia que procura equilibrar conectividade embarcada e serviços digitais de terceiros.

“Nossa estratégia global é sermos ‘customer centric’. Quero olhar o cliente como um todo. O carro não vai ser o protagonista, mas sim o cliente que está dentro dele. O carro vai ser um coadjuvante em vários cenários”, diz Flávio Cardoso, head de operações comerciais de serviços conectados da Mopar para a América Latina. “Temos a humildade de saber que o carro é um device novo no mundo de IoT. Estamos aprendendo. É o início dessa estrada”, comenta.

Modelo de negócios em aberto

O modelo de negócios entre montadoras, operadoras e desenvolvedores de aplicativos ainda está sendo construído. Para a venda de conectividade embarcada, é natural que haja uma comissão ou revenue share pago pelas teles às montadoras. Mas os percentuais e demais detalhes dos primeiros acordos permanecem em segredo. 

Para os demais serviços digitais ainda não estão claras as fronteiras de atuação para montadoras e operadoras. Até onde cada uma pode liderar a oferta? É preciso definir de quem é o cliente em cada categoria de serviços, como entretenimento, comércio móvel, segurança etc. E o mais difícil: decidir se haverá divisão da receita e em quais proporções. Tudo vai depender do quão integrados estiverem os dois setores (automotivo e de telefonia celular), o que pode variar caso a caso. Vale lembrar que cada lado tem ativos de peso: a montadora controla o device em si, ou seja, o carro e seu painel multimídia, enquanto a operadora gerencia a conexão e tem longa experiência em firmar parcerias para a oferta de serviços de valor adicionado. E há ainda a terceira parte, que pode ser a fiel da balança: os prestadores dos serviços digitais, que possivelmente dividirão parte do que ganharem dentro dos carros, só não está claro com quem: montadoras ou operadoras.

“É o momento de se repensar como fazer negócios e criar oportunidades. Vai ser um processo de aprendizado. Ainda tem muita coisa para acontecer. E a inovação é disruptiva”, comenta André Mattos, head de vendas para mobile no Brasil da Thales, companhia que fornece o eSIM nos carros da GM.

 

*********************************

Receba gratuitamente a newsletter do Mobile Time e fique bem informado sobre tecnologia móvel e negócios. Cadastre-se aqui!