O pagamento em troca de dados biométricos por coleta de íris volta a ser suspenso no Brasil. A decisão foi proferida pelo Conselho Diretor da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) na última terça-feira, 11, ao negar recurso da TFH (empresa Tools For Humanity), que operacionaliza a prática, que antes estava assegurada até análise do colegiado.
A TFH é a representante do projeto em questão, o Protocolo World ID, da World Foundation. A coleta de íris é usada para a criação de ferramenta para validar acessos digitais, como uma modalidade alternativa a outras já utilizadas para barrar “robôs” em atividades virtuais. A ideia vem sendo apresentada como um recurso de segurança aliado a aplicações de inteligência artificial.
A biometria é classificada um dado sensível e a legislação brasileira – LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) – prevê algumas hipóteses para que esse tipo de dado seja tratado, uma delas é o “consentimento”. A grande questão é que a empresa oferece criptomoedas em troca da coleta, o que na visão da ANPD interfere de forma irregular na adesão (entenda abaixo).
Em nota, a World afirma que “respeita a decisão da ANPD”, e informa que estará “temporariamente” pausando o serviço de “verificações”, como definem a prática (veja a íntegra mais abaixo).
Histórico da restrição da coleta de íris
Inicialmente, em decisão que entraria em vigor no dia 25 de janeiro, a ANPD suspendeu o pagamento, a partir de uma análise preliminar. A avaliação observou que “à primeira vista, a oferta de contraprestação pecuniária pode ser interpretada como elemento que interfere na autonomia do titular”, já que “influencia sobremaneira na decisão quanto à disposição de seus dados pessoais, especialmente em casos nos quais potencial vulnerabilidade e hipossuficiência tornem ainda maior o peso do pagamento oferecido para a sua tomada de decisão”.
A violação da lei estaria no entendimento de que “a manifestação da vontade, nesses casos, é menos autônoma e mais influenciada por fatores externos, prejudicando o qualificador ‘livre’ [manifestação] exigido pela LGPD para que o consentimento seja válido – especialmente por se tratar de um dado pessoal sensível, em relação ao qual os parâmetros de proteção são mais elevados”.
No dia 27 de janeiro, a TFH ingressou um recurso com pedido de efeito suspensivo, pedindo mais tempo para se adequar às regras. O efeito suspensivo foi reconhecido pela ANPD, o que permitiu a continuidade da atividade temporariamente, até a análise do mérito da prática pelo Conselho Diretor da autarquia.
O caso foi relatado pela diretora Míriam Wimmer. No voto, ela entende que a prática “se configura como uma interferência externa indevida sobre a livre manifestação de vontade do titular, bem como a ação da ANPD se mostra essencial para garantir a autodeterminação informativa dos titulares”.
“[…] o atrativo financeiro pode, muitas vezes, constituir a razão preponderante ou o único interesse a motivar o usuário a utilizar o aplicativo e a autorizar a coleta de seus dados biométricos, atribuindo-se pouca ou nenhuma atenção aos possíveis e futuros riscos decorrentes dessa operação ou mesmo à finalidade da coleta. Nesse contexto, há um evidente comprometimento da autonomia decisória do titular, em especial da sua capacidade reflexiva e de seu poder de escolha, na medida em que se vê compelido a consentir e a autorizar a coleta de seus dados pessoais, como forma de atender a privações ou a necessidades financeiras imediatas”, observou Wimmer no voto.
Embora a coleta possa ser feita por um aplicativo de celular, a análise da diretora leva em conta ainda reportagens que mostraram coletas sendo realizadas em postos instalados em “pontos estratégicos da cidade de São Paulo, “com foco em locais de grande circulação popular e em regiões periféricas, onde a relevância da contrapartida financeira tem o potencial de exercer ainda mais influência no processo de consentimento”.
A decisão dá dez dias úteis a partir da notificação para que a TFH apresente uma declaração oficial assinada por um responsável legal, atestando a suspensão da compensação financeira.
Outro lado
A Word se pronunciou sobre a medida tomada pela autoridade. Veja abaixo:
“A World respeita a decisão da ANPD. Como a ANPD está ciente, será necessário tempo para cumprir com a sua ordem. Para permitir que a World conclua as mudanças em coordenação com a ANPD e garanta conformidade durante esse processo, estamos voluntariamente e temporariamente pausando o serviço de verificações. Os espaços físicos da World permanecerão abertos para fornecer educação e informações ao público e pedimos desculpas por qualquer inconveniente aos que desejavam se juntar à World agora.
A World segue seu compromisso em cumprir com as leis nos mercados onde opera e continuará trabalhando para garantir transparência e entendimento público desse serviço essencial, que busca aumentar a segurança e confiança online na era da IA”.