Depois das músicas, dos filmes e dos livros, será a vez dos jogos eletrônicos serem vendidos como um serviço de streaming, por meio de uma assinatura mensal e acessados na nuvem, onde é feito todo o seu processamento gráfico com supercomputadores instalados em data centers e compartilhados entre os usuários, que podem jogar através de qualquer dispositivo com conexão de banda larga, seja um smartphone, um tablet ou uma televisão. Essa é a visão de futuro da Nvidia para o mercado de games. A empresa, além de fornecer chipsets para dispositivos móveis, quer ser a fornecedora da GPU desses futuros serviços de streaming de games. O presidente da companhia no Brasil, Richard Cameron, conversou sobre o assunto com MOBILE TIME e falou também sobre carros conectados, wearable devices e a tendência de aumento no tamanho das telas dos smartphones.
Mobile Time – Qual a principal novidade que veremos no mercado de games móveis nos próximos anos?
Richard Cameron – A próxima revolução serão games em cloud. No futuro vai ser possível jogar Battlefield na TV sem ter o videogame. Ou no tablet, com 4G. O processador das imagens estará na operadora de banda larga, que transmite 50 quadros por segundo pela rede 4G em alta definição. E o jogador manda apenas comandos de movimento do seu tablet, por exemplo. Tecnicamente isso já é possível. Há, porém, barreiras de licenciamento, de modelos de cobrança, de compartilhamento de receita. O que o Netflix fez com vídeo e o iTunes fez com música a gente vai fazer com games. A Nvidia tem a tecnologia para isso. A gente proverá os processadores para máquinas da HP, IBM, Dell etc instaladas no data center de uma operadora de banda larga. O acesso aos jogos será provido como um serviço, assim como o Netflix faz com vídeos hoje. O usuário poderá jogar em qualquer dispositivo, seja um tablet, smartphone ou TV, desde que tenha conexão de banda larga. Entendemos que mobilidade e cloud estão completamente interligados.
Quanto tempo vai demorar para isso se tornar uma realidade comercial?
Não mais do que dois anos. Já há empresas no Brasil fazendo piloto em ambientes fechados. O que falta é resolver o problema do licenciamento. Empresas de jogos estão acostumadas a vender licença. Ao transformar em serviço, o modelo de cobrança muda. Esse é o maior desafio.
Os serviços de streaming de filmes, como Netflix, estão entre as últimas janelas trabalhadas pela indústria de cinema. Antes o filme passa na sala de cinema, na TV paga, DVD etc. A Amazon também lançou um serviço de assinatura de livros, mas faltam títulos de grandes editoras. Acha que isso vai acontecer no caso de games em streaming?
Acho que não. O que vai acontecer será uma substituição de modelo. Em filmes e livros, é um canal adicional para se vender o conteúdo. Nos jogos, acho que será o canal principal, que vai substituir o canal atual. É uma tecnologia disruptiva. As tecnologias disruptivas para games hoje são a mobilidade e a nuvem. Elas vão tornar obsoletos os consoles atuais. O usuário passará a ter acesso a um supercomputador de jogos a um custo barato. Haverá uma migração muito rápida para esse serviço. E aí, quando sair um Battlefield 5, vai ser para consoles e para a nuvem no mesmo dia.
Os consoles são um mundo fechado. Os desenvolvedores recebem muito incentivo para lançarem primeiro ou com exclusividade para determinadas plataformas. Porém, acho que não vai ter dinheiro que impedirá o lançamento em cloud. Será a primeira plataforma de preferência de todos os desenvolvedores.
Mas ao colocar o processamento na nuvem, o jogo passa a ficar dependente da qualidade da conexão, que sabemos que às vezes deixa a desejar. Não haverá jogadores que continuarão preferindo ter o jogo em console ou PC?
Existe um segmento de games, que são os games competitivos, que vai continuar existindo. Para esses, nem 4G ou banda de 100 Mbps consegue atender a latência ou tempo de resposta que precisam. É o equivalente à F1 no automobilismo. Esse mercado vai continuar existindo em PCs. Para console acho que já se tornou obsoleto. Já se fala que a geração de consoles atuais talvez seja a última. O modelo de negócios não se paga. Essas empresas estão tendo prejuízos há muito tempo. Esse modelo não funciona mais porque surgiram plataformas abertas, como PC, Android e cloud, que não têm barreiras para novos desenvolvedores e que conseguem distribuir de forma mais barata e atingindo um público muito maior e com investimento menor por parte do consumidor.
Nem consoles que oferecem novas maneiras de interação, como reconhecimento de movimentos?
Mesmo interfaces diferentes, como o Oculus Rift ou o Kinect, podem estar conectadas na nuvem e a uma smart tv, sem precisar de um supercomputador caríssimo ou um console.
Como chamam essa solução?
Chamamos de Nvidia grid. São servidores que vendemos ou com marca própria ou através de Dell, HP e IBM. São servidores para cloud gaming e para qualquer virtualização de GPU (Graphics Processing Unit). Um designer gráfico poderia acessar remotamente no tablet um supercomputador de renderização que fica no servidor da empresa, por exemplo. E essa GPU pode ser compartilhada com centenas de usuários ao mesmo tempo. Outras empresas tentaram vender cloud gaming no passado, mas foram mal sucedidas. A conta não fechava porque não conseguiam virtualizar a GPU e nem compartilhar com vários usuários. Precisavam de um servidor para cada jogador.
O fato de ser compartilhado não pode gerar um novo gargalo, além da rede de acesso? Se houver muitos jogadores ao mesmo tempo, isso não afetaria a rapidez no processamento?
Não posso dizer que o risco seja zero. Estamos desenvolvendo uma camada de middleware para fazer o dimensionamento e a distribuição de usuários. Não vamos botar uma quantidade muito alta de usuários na mesma GPU. O middleware faz esse dimensionamento, sem degradar a qualidade. A maior inteligência do servidor está na camada de middleware. E podemos repartir os games de acordo com a necessidade de processamento que cada um requeira.
E por que a Nvidia aposta no Android para ser a plataforma desse serviço de games por streaming?
Porque acreditamos em plataformas abertas. Somos comprometidos com modelos de negócios abertos. Por isso não estamos em Xbox ou Playstation. Decidimos focar nossos recursos de engenharia para transportar para o Android todo o conhecimento que temos em 20 anos trabalhando com desenvolvedores de jogos para PC. É melhor do que focar todos os nossos recursos em uma plataforma que vai ter apenas oito anos de vida. Queremos que Andorid seja o principal sistema de games do mundo. E estamos fazendo o processador para que isso aconteça.
E paralelamente a Nvidia segue desenvolvendo processadores para dispositivos móveis, certo?
Sim. O mais recente é o Tegra K1, com uma GPU com 192 núcleos. A performance gráfica dele é equivalente a um Xbox 360 e ou um PS3. O Tegra K1 faz o mesmo que eles com apenas 2 watts, enquanto consoles precisam de 110 watts. Conseguimos evoluir isso em cinco anos. Em pouco tempo vamos ultrapassar o Xbox One e o PS4. Antigamente, para portar um jogo como GTA para uma plataforma nova levava um tempão porque são arquiteturas de processadores completamente diferentes. No K1 unificamos as arquiteturas: pusemos 192 núcleos de uma GPU GeForce Kepler, exatamente a mesma da Geforce para computador. Isso significa que quem desenvolve para Xbox, PC ou Playstation vai conseguir portar para Android em um mês ou menos. Basicamente, unificamos as arquiteturas de GPU de PC e mobilidade. Agora, quando uma empresa criar um jogo, veremos lançamentos para Android rapidamente depois de console.
Mas há poucos dispositivos móveis com chipsets da Nvidia. Por quê?
No Brasil, tem o LG G2 mini com Tegra 4. Estamos em poucos celulares. Foi uma decisão consciente porque houve no último ano um processo de "comoditização" em celulares. Nesse cenário vira uma briga por centavos. Qualcomm e Mediatek estão brigando por migalhas para conseguir um design na Motorola, na LG, na HTC etc. Optamos por não participar de concorrência nesse ambiente. Somos empresa muito menor que Qualcomm, temos menos recursos de engenharia, então focamos onde podemos fazer a diferença, o que pode estar em viabilizar games em plataforma Android que sejam equivalentes ao que há em consoles.
A falta de um controle separado não atrapalha a jogabilidade em tablets? Para games de ação costuma ser complicado usar controles com toque na tela…
Lançamos na semana passada o nosso próprio tablet, o Shield. E com ele lançamos o nosso próprio controle. Não é Bluetooth. Os que usam Bluetooth têm uma latência grande. O nosso usa Wi-Fi Direct. A latência é mínima, de 1 ou 2 milissegundos. E a banda de comunicação é bem mais ampla, o que permite botar o áudio ligado no seu controle, não no tablet. É um acessório vendido separadamente.
Mas aí o jogo precisa ter sido criado para uso com um controle externo?
Milhões de jogos na Google Play foram criados para controlar com toque na tela ou giroscópio. Nós desenvolvemos um software chamado Gamepad Mapper, que mapeia os movimentos de toque na tela com o botão do seu controle. O próprio usuário pode definir isso. E criamos um repositório para o qual as pessoas podem contribuir. Você pode baixar o perfil que outras pessoas criaram para o mesmo jogo. É tudo compartilhado. É uma ferramenta inovadora que fortalece e valoriza o ecossistema Android.
A preferência do consumidor por smartphones com telas cada vez maiores favorece fornecedores de processadores gráficos como a Nvidia?
Ter uma tela maior ou com mais pixels nem é tão importante para a gente. O importante é o que as pessoas estão fazendo nessas telas, é o aplicativo que usam etc. Queremos que as pessoas joguem games mais complexos nessa telas, não esses jogos 2D. O tamanho da tela não tem influência nenhuma: não vamos vender mais porque as telas estão crescendo. Queremos que o smartphone seja o primeiro dispositivo de computação pessoal da pessoa. E nesse dispositivo, além de fazer as coisas do dia a dia, que você jogue, que sirva como console de videogame.
A Nvidia pretende desenvolver chipsets para wearable devices?
É uma área na qual não enxergamos muito potencial para processadores gráficos. Não temos nenhum desenvolvimento nessa área.
E para carros conectados?
O Tesla usa vários processadores Tegra. Ele é 100% elétrico. Não precisa ir para a oficina: faz update de firmware e corrige o carro. O Tesla enfrenta problemas nos EUA por ser disruptivo. E participamos do projeto de carro inteligente do Google. O grande desafio é que ele tem várias câmeras que captam uma quantidade absurda de informações, gerando um espaço 3D, e precisa tomar decisões rápidas com base nessas imagens. Para isso é necessário um supercomputador dentro do carro.