Três temas estão movimentando os escritórios de advocacia que atendem as empresas de conteúdo digital no Brasil: a tributação de serviços digitais; a proteção de dados pessoais coletados pelos serviços; e a oferta de zero-rating ou navegação patrocinada. A avaliação é de Rafael Pellon, advogado e sócio do escritório FAS Advogados, um dos principais especialistas na área.
Em tributação, houve dois fatos novos nos últimos 12 meses: 1) a inclusão, pelo governo federal, do streaming na lista de serviços que devem pagar ISS; 2) a decisão do Confaz de que estados podem cobrar ICMS sobre a venda de software. “Na prática, entre 2017 e 2018 foram criados impostos para serviços que englobam 99% da indústria digital. É o preço pago pela maturidade dessa indústria, que foi poupada da cobrança de impostos por 20 anos”, comenta Pellon. O problema é que as decisões são conflitantes e a constituição proíbe bitributação. No caso do Spotify, que tem streaming e download (para clientes premium), a empresa teria que pagar ISS sobre o primeiro e ICMS sobre o segundo? Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraíba já aprovaram a cobrança de ICMS sobre software, com alíquota de 5%, mas uma liminar na justiça paulista proibiu a cobrança. Diversas empresas procuram escritórios como o de Pellon perguntando o que devem fazer diante da falta de segurança na legislação tributária.”Esse problema é fruto da inadequação do modelo tributário atual para o meio digital. São tentativas de encaixar o digital em uma estrutura tributária construída para o mundo analógico”, analisa.
Privacidade
O escândalo envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica, por sua vez, acendeu o sinal de alerta para todas as empresas que trabalham com serviços digitais e que coletam dados de seus usuários. No Brasil, a questão é complexa porque falta uma lei de proteção de dados. Três propostas de lei diferentes tramitam no Congresso com essa finalidade. Por via das dúvidas, para se protegerem, empresas estrangeiras que estão vindo para o Brasil estão optando por seguir a lei europeia, conhecida como GDPR (General Data Protection Regulation), e tida como a mais rigorosa em defesa dos direitos dos consumidores sobre seus dados pessoais. Somente no escritório de Pellon há três exemplos de companhias estrangeiras que aportarão no Brasil seguindo a GDPR, na falta de uma legislação nacional vigente sobre o tema.
Pellon prevê que o respeito à privacidade tende a se tornar um diferencial competitivo para algumas empresas, como faz a Apple hoje. O problema é que isso pode gerar um apartheid digital. “Os ricos comprariam produtos protegidos e os pobres teriam que entregar seus dados. Ou seja, aqueles que têm condições financeiras pagariam pela privacidade e aqueles que não têm ficariam sujeitos a serem inundados com publicidade”, alerta.
Por outro lado, em mercados emergentes como o Brasil, o modelo bancado por publicidade muitas vezes cumpre o papel de democratizar o acesso a determinados serviços digitais, pelos quais parte da população não poderia pagar, lembra o advogado. Ou seja, não se deve “satanizar” esse modelo, mas deixá-lo mais transparente, oferecendo clareza para o consumidor sobre quando, como e para quê seus dados pessoais são coletados.
Zero-rating
Por fim, Pellon aponta o zero-rating como outra discussão quente no mercado brasileiro. Entidades de defesa do consumidor alegam que a oferta de internet patrocinada feriria o Marco Civil da Internet. É necessário, contudo, diferenciar os vários tipos de oferta. Há casos em que se trata de uma cobrança reversa de dados, em que uma empresa paga pelos dados trafegados pelo usuário em seu app, o que se assimilaria ao modelo de chamadas 0800. Outro caso é quando é oferecido ao usuário um pacote de dados para navegar em qualquer app ou site em troca de interação com uma campanha publicitária ou uma pesquisa. E um terceiro tipo é quando a operadora oferece acesso gratuito a um determinado serviço como parte do seu pacote. Este seria o modelo mais questionável, porque privilegia um serviço em particular em detrimento de todo o resto da Internet. Mas mesmo neste caso é possível argumentar em favor da oferta, alegando que não se trata de uma afronta à neutralidade de rede propriamente dita, mas um benefício ao usuário.